COMPARTILHE

terça-feira, 11 de maio de 2010

A VERDADE NÃO EXISTE

Gerson N. L. Schulz


 Pirro de Élida
(360-270 a.C.)
A afirmação que serve de título para este artigo foi feita pelo filósofo Pirro de Élida (360-270 a.C.) que divulgava a filosofia cética. Para os céticos não é possível ao homem saber a verdade, apenas ter impressões da verdade.

Como consequência, não se pode saber nada sobre o justo e o injusto, a verdade e a falsidade, em hipótese alguma. Segundo Urbano Zilles (em seu livro de Teoria do Conhecimento, 2006), ser sábio - para o cético  - consiste na sképsis, isto é, na investigação ou na busca pela verdade que não pode ser atingida pela razão humana. A conclusão lógica que se extrai daí é que esta é uma busca inglória!

O ceticismo é uma desconfiança e uma insatisfação contra todas as propostas filosóficas de se estabelecer uma verdade, por isso os céticos dizem que a verdade não existe à medida que várias são as leituras possíveis da realidade e todas parecem coerentes. Como não se pode saber qual delas está certa, então todas são abandonadas. Nesse sentido é uma atitude pessimista em relação ao mundo. Por isso a dúvida é o único método confiável, isto é, a dúvida metódica é a metodologia para a busca da sabedoria. Em outras palavras, a única coisa da qual o cético não duvida é da dúvida. Isso leva a uma contradição lógica como também é a frase que abre o artigo, pois você não acha que aquele que afirma que a verdade não existe já está afirmando uma verdade?

Apesar disso, o ceticismo continua até os dias de hoje. As ciências em geral se utilizam dele para fundamentar suas investigações. Em termos práticos, o ceticismo leva à epoché, isto é, a uma suspensão dos juízos (pré-conceitos) sobre qualquer coisa. O verdadeiro cético é aquele que busca e pratica a ataraxia ou imperturbabilidade da consciência. A ataraxia consiste em não se deixar abalar por nada, não se preocupar com nada. Em um trocadilho: o cético apenas se preocupa em não se preocupar!

Em termos éticos a felicidade cética é obtida a partir dessa indiferença com as coisas (apatia), pois à medida que a realidade não incomoda a consciência, que não existe preocupação com o bem ou o mal, com o justo ou não justo, surgem o autodomínio e a independência, causas da felicidade.

Por fim, apesar de suas contradições e do pessimismo sobre a verdade, o ceticismo apresenta algo de positivo, a tolerância. A causa da tolerância é que se não se pode conhecer a verdade e se se apresentam vários caminhos que tentam chegar a ela, isso significa que, desconhecendo-se qual é essa "verdade", todos os caminhos podem ser válidos para atingi-la. É assim que a verdade se torna uma perspectiva e não um dogma.

NIETZSCHE E AS RELIGIÕES

Gerson N. L. Schulz



Friedrich Nietzsche
1844-1900
O objetivo deste artigo é sintetizar o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), a respeito de um tema que até hoje é caro para muitas pessoas, a religião.

Nietzsche é um autor que se debruça sobre o assunto e por isso faz uma severa crítica ao mesmo, analisando especialmente a religião cristã. Ao contrapor-se a ela em pleno século XIX, ele levantou uma bandeira que buscava combater sua moral e ética.

Para Nietzsche o Ocidente, ao adotar a ética cristã, negou o mundo real. Então, segundo essa tese, a doutrina judaico-cristã, com seu conceito de um "deus castigador", moralista e juiz de homens, serviu apenas como uma espécie de cabresto para controlar e reprimir a humanidade. Jesus, com ideias como ressurreição e mundo melhor após a morte, segundo Nietzsche, apenas contribuiu para que todos se penitenciassem para escapar do suposto castigo celestial. Para o filósofo alemão o ser humano não tem alma alguma, como dizem as religiões, daí, a partir dessa perspectiva, a ideia de "pecado original" não faz mais sentido.

O homem é fruto da natureza, de acordo com ele, e sua consciência perece com a morte. Nietzsche denuncia que o que se chama "pecado" não passa de uma invenção que alimenta o medo, que por sua vez é o fundamento da moral cristã. Uma moral que se impõe aos crentes por força das pregações dos sacerdotes ao repetir uma ideia primordial da figura de Jesus, a de que "deus" pune os maus mandando-os para o inferno.

Nietzsche diz que esse medo gera angústia diante da vida e o homem que acredita nas "verdades" religiosas, sedento do alívio da ira de "deus", procura na religião o perdão de "deus". Mas essa dinâmica religiosa não se completa sem a existência dos padres, pastores, reverendos em geral. Nietzsche mostra que há um "administrador" do perdão de "deus", e esse administrador é o sacerdote. Assim a lei divina, quando proclamada pela boca do sacerdote, se transforma na moral vigente. Há uma máscara sobre "deus" porque o sacerdote ganha para si o poder da lei, personificando "deus". E como o crente professa que a lei vem de um "deus" e que este "deus" precisa de intérpretes, os homens reconhecem o sacerdote como o mensageiro e o juiz de "deus". Logo, o sacerdote se torna quem controla o divino (porque interpreta a lei e 'sabe' o que 'deus' quer dos homens), controlando as coisas do mundo terreno e o comportamento das pessoas por meio da moral.

Por conseguinte, o crente se deixa guiar passionalmente, acreditando que o sacerdote o levará ao paraíso com a graça de "deus". Para Nietzsche, esse "deus" é falso porque ele só existe na boca dos sacerdotes e na letra de seu suposto "livro sagrado". Consequentemente, "deus" é uma muleta que serve para o homem amenizar sua fraqueza carnal diante do mundo real onde se adoece, se sofre, se passa frio, fome e, finalmente, morre-se. Com esses argumentos, o filósofo alemão rejeita a doutrina cristã, chamando-a de "moral de rebanho". Essa moral, para ele, é uma moral de fracos que se unem para louvar "deus" (que não passa de um tipo de cabresto) e pedir seu perdão. A verdade da filosofia de Nietzsche aponta que a moral cristã, que alega arrebanhar crentes para cultuar seu "deus", na prática, recruta pessoas que se sentem culpadas para que esse "deus" seja reconhecido como o libertador. Então, o homem, ao desprezar a si mesmo, eleva seu "deus" e torna-o algoz do próprio homem. Foi por isso que Nietzsche lançou a frase: "Deus está morto". Ele quis dizer com ela que "deus" foi desmascarado. O conceito foi "genealogizado". Nietzsche buscou a origem do conceito e percebeu que ele nada tem de origem divina. Sua origem é terrena e pertence ao campo do imaginário mais primitivo da raça humana. O conceito "deus" é uma invenção da humanidade que, com o tempo, institucionalizou esse conceito e criou as religiões para fundamentar a moral, as leis de um grupo, clã ou tribo. Ao longo do tempo esse fundamento não foi mais questionado e passou a ser aceito por todas as gerações subsequentes, tornando-se a cultura geral que determinou o pensamento, o comportamento, a economia, a política, não só de um povo, mas com o surgimento do cristianismo e sua aceitação pelo ocidente, essa mesma invenção se tornou universal.

Nietzsche denuncia que o cristianismo parte de premissas que têm grande chance de serem falsas. Uma delas é a ideia da existência de uma entidade superior que pune todos os homens. Outra é a existência de uma figura humana que supostamente ressuscitou dentre os mortos (Jesus). Além disso, o autor aponta que há uma classe sacerdotal que usa a religião para se beneficiar da boa fé alheia.

Apesar de Nietzsche criticar o darwinismo em sua obra "Vontade de Potência", ele aceita a premissa de que o homem é um ser da natureza e, como tal, é um animal. É por isso que Nietzsche considera um erro alguém tentar "melhorar" o homem, assim como faz a doutrina cristã, quando quer mudá-lo para algo "melhor". O filósofo suspeita de toda e qualquer doutrina que deseja "melhorar" algo ou alguém pois, para ele, quando se anuncia tal desejo, isso significa que se aceita o princípio que afirma que o objeto ou ser precisa ser "melhorado", ensinado. Pressupõe que o mesmo aceite também sua condição de inferioridade e, como se isso não bastasse, necessário se faz que seja aceito o intermédio de um "melhorador" que, no caso das religiões, se trata do guia, do profeta, do padre ou do pastor.

No caso do povo de Israel, desde a consolidação do deus Javeh e sua aceitação por todos, esse "deus" e sua doutrina, por meio do que diziam os sacerdotes, passou a determinar a vida cotidiana dos cidadãos e seu comportamento sobre o qual se desenvolveu a ideia de que o homem deve buscar, constantemente, sua evolução moral enquanto indivíduo. A mesma coisa fez a figura de Jesus quando instituiu sua "nova moral". Ele o fez em nome do "deus-cabresto", acusa Nietzsche (é como se dissesse: siga meus ensinamentos ou o meu deus, que é o deus verdadeiro, te punirá). Na visão de Nietzsche, Jesus prometia um tipo de "libertação", mas o que trouxe não passou de outra "prisão", pois para ser "salvo", de acordo com a nova doutrina, o crente precisa aceitar as regras da religião de Jesus e acreditar que ele era o filho de "deus".

Faço algumas perguntas a partir das reflexões nietzscheanas: "se perdoar é contentar um "deus" ou cumprir sua lei para escapar de uma possível punição na vida após a morte, há valor ético no perdão?" Caso o homem perdoe por conta do medo da punição divina, há sinceridade no perdão?

Quando os seres humanos afirmam que a vontade de "deus" deve ser concretizada, eles negam a si mesmos porque negam sua vontade pessoal (em se tratando do homem que deseja vingança, que teve o orgulho ou a honra feridos e etc.) pelo medo de "deus" e, assim, perdoam! Ao mesmo tempo, faz perceber o filósofo Nietzsche, o homem se reprime, reprime seus instintos, suas características vingativas e, com isso, se volta para seu interior com medo do mundo. Torna-se, em alguns casos, um covarde que necessita da figura de "deus" para lhe proteger contra os outros homens; que ele acredita estarem sempre sob o domínio do mal! A consequência direta é que essa fuga para seu próprio interior cria pessoas conformistas com seus infortúnios no mundo. Pessoas que são fáceis de manipular e enganar, pois o sacerdote, para o filósofo, cria a doença (a angústia diante do mundo, a ideia de que o homem precisa se aperfeiçoar, a ideia do homem pecador, desgraçado e etc.) e, ao mesmo tempo, esse mesmo sacerdote, apresenta o remédio para a cura de seus problemas, a quem é chamado de "salvador" (deus, Jesus, religião).

A partir das ideias de Nietzsche, comparo o sacerdote a um médico pouco honesto que convence um indivíduo que ele está doente (sem estar) e depois oferece a esse pseudo-enfermo, a cura para seus males. Esse pseudo-doente, para a filosofia nietzscheana, não consegue questionar as afirmações que o médico (sacerdote) lhe faz porque renuncia ao pensamento crítico.

Por fim, para superar isso é que Nietzsche propõe uma ética a ser praticada por aqueles que têm coragem de enfrentar a vida sem se ajoelhar diante dos deuses e das ameaças de seus sacerdotes. Por quem não considera verdadeiras as crenças na existência do "reino dos céus" nem espera as "recompensas" no mundo de além. Essa ética pergunta: "um homem que deseja vingança, apesar disso, não pode optar pelo perdão, caso isso lhe cause mais bem-estar que o ato de matar outrem? Será que uma pessoa está proibida de praticar a caridade apenas porque não teme a ira divina? Um ateu ou agnóstico não pode ajudar outrem pelo simples ato de ter prazer de ver seu semelhante em boa situação?

Em outras palavras, posso dizer que "existe vida" fora da religião e de sua moral. Quem se põe fora delas vive em um universo onde se perdoa alguém ou não, de acordo com o grau de satisfação que esse perdão ou atitudes altruístas lhe causam (é o sentimento de bem estar consigo) e não com a moral vigente ou com a vontade de alguma igreja. Para Nietzsche o homem faz escolhas de acordo com suas tendências naturais. Por isso algumas vezes ele decide ser altruísta, outras praticar a maldade contra alguém. Assim, pode-se concluir que, sob certo aspecto, até mesmo os sacerdotes pregam a existência de um ser superior porque têm prazer nisso. Alguns (os sacerdotes que compreendem a dinâmica de círculo vicioso da religião) porque gostam de perverter, controlar ou são sádicos com as pessoas que se subordinam a eles nas igrejas; outros porque são ingênuos quando não percebem essa dinâmica e nem que são úteis funcionários a alimentar a máquina que produz o medo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O poder da imprensa

Gerson N. L. Schulz




O que a imprensa tem que ver com a filosofia? Muita coisa, principalmente o fato de divulgar o pensamento laico. Segundo o site da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a "Acta Diurna", surgida em 59 a.C. em Roma é o mais antigo jornal do mundo e foi criado por César para divulgar os atos de seu governo. As notícias eram escritas em grandes placas brancas e expostas em lugares públicos bastante populares, tais como as salas de banho e os mercados. As "Acta" mantinham os cidadãos informados sobre escândalos no governo, campanhas militares, julgamentos e execuções. Também na China do século VIII (em 713) surgiram os primeiros jornais de Beijing escritos à mão. lá também inventou-se (em 1040) os blocos móveis de madeira que na Europa de 1447 Gutenberg iria aperfeiçoar para os tipos de chumbo (reutilizáveis) causando a "revolução" da leitura e da escrita no mundo Ocidental e difundindo o conhecimento até então sob a égide da igreja Católica Romana.

Uma rápida história da imprensa mostra que em 1501 o Papa Alexandre VI decretou que qualquer impresso deveria ser censurado pelas autoridades do clero e quem cometesse heresias ao escrever publicamente seria punido. Algo que foi definitivamente ineficaz durante o período dos filósofos iluministas na França com a publicação da Enciclopédia (periódico) que causou, definitivamente, a laicização do pensamento Ocidental e o triunfo da "palavra livre" do obscurantismo sectário da religião dogmática e dos governos tirânicos.

Segundo a "World Association of Newspaper", por volta de 1556 o governo de Veneza (Itália) publicou o "Notizie scritte", pelo qual os leitores pagavam com uma pequena moeda conhecida como "gazetta", desde então muitos foram os jornais que adotaram esse nome como título oficial.

Mas foi somente em 1812 que os jornais ganharam um cunho fortemente industrial tanto quanto as grandes empresas manufatureiras, quando na Inglaterra Friedrich Koenig inventou a prensa de cilindros a vapor que imprimia 1100 folhas por hora. Nos anos 1960 popularizou-se a impressão em offset e mundialmente o jornal se tornou amplamente comercial como mais um instrumento industrial para a divulgação de idéias, conforme apontam os estudos do filósofo Teodor Adorno em sua "Indústria Cultural e Sociedade".

Enfim, assim como a filosofia a imprensa trabalha com idéias e fatos e ao longo de sua história ela cobriu de guerras a olimpíadas, criou celebridades e derrubou ou ergueu governos.

domingo, 28 de março de 2010

A FILOSOFIA E O CRISTIANISMO

Gerson N. L. Schulz




Pitágoras representado por Rafael Sanzio
em sua celebrada pintura 

Escola de Atenas.
"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei." Esta famosa frase atribuída ao personagem Jesus de Nazaré aparece nos evangelhos como sendo um dos maiores ensinamentos éticos que o Ocidente recebeu da religião judaico-cristã. Entretanto, ela não é de Jesus. Esta frase faz parte dos ensinamentos do filósofo Pitágoras (segunda metade do século VI a.C.) em sua escola chamada pitagórica que ficava na região da atual Itália.

Outra influência da filosofia no cristianismo é sobre o costume comum nas missas de se rezar pela "alma" de alguém como se alma e corpo fossem separados. Essa ideia de alma e corpo separados após a morte não é original do cristianismo, mas dos cultos órficos que influenciaram a cultura e a filosofia gregas com interpretações de Pitágoras, de Sócrates (469 a.C) e sistematizadas por Platão (427 a.C.) que acreditavam na reencarnação e não na ressurreição. 

No judaísmo e, consequentemente no cristianismo, é equivocada a prática de "rezar" pela "alma" de alguém, pois não há separação entre o corpo e a alma como ocorre no espiritismo oriundo do platonismo. Tais práticas acontecem no cristianismo porque é evidente a influência da filosofia platônica e aristotélica nas crenças cristãs, especialmente por causa de Santo Agostinho (430 d.C.) leitor de Platão, e de São Tomás de Aquino (1221 d.C), leitor de Aristóteles.

Também, devido a exames analíticos, se sabe que - como várias foram as transcrições realizadas pelos monges copistas na idade Média - muitos equívocos e adulterações foram realizadas nos textos bíblicos - alguns acidentais - outros para atender aos costumes da época histórica, à cultura e até à censura imposta pela Igreja romana no mundo.

Vários são os autores como, por exemplo: Voltaire, Robert Taylor, Bruno Bauer, Mitchell Logan, Ferdinand Christian Baur, David Friedrich Strauss, Bronson C. Keeler, Abraham Dirk Loman, Samuel Adrianus Naber, Gerald Massey, Edwin Johnson, Rudolf Steck, Albert Schweitzer, Wilhelm Wrede, Thomas Whittaker, William Benjamin Smith, Rudolf Bultmann e Gary Courtney que não acreditam na existência histórica de Jesus Cristo, além de apontar mais de cinquenta contradições nos Evangelhos Sinóticos e a falsidade das epístolas de Paulo, suas obras têm argumentos históricos que mostram a não originalidade do cristianismo apontando as influências das religiosidades caldaica, assíria, babilônica, egípcia, grega, persa e judaica sobre o cristianismo e sobre suas crenças filosóficas como, por exemplo, a ideia da existência de um "Paraíso" para onde iriam os "bem-aventurados" após a morte e o conceito de "ressurreição" que vem do Oriente. O mesmo se dá com a concepção "virginal" de Maria, cuja origem está em um mito grego de dois séculos antes de Cristo. Assim, a maior parte dos fundamentos cristãos, ressaltam esses críticos do cristianismo, provem do Oriente.



Bultmann, idealizador da
"demitologização" do cristianismo


Alguns pesquisadores como Emílio Bossi e José Reis afirmam que a crença messiânica tornou-se muito comum no Mediterrâneo, Norte da África, Sul da Europa e Ásia a partir do século II a.C. não sendo nenhuma novidade aos tempos de Jesus, pois era algo cristalizado filosófica e culturalmente. Para estes dois pesquisadores, no Talmud (livro sagrado judaico), pode-se verificar que no Oriente Médio o nome messias foi atribuído a vários reis como Ciro (Isaias 44:1) e ao rei de Tiro (Ezequiel 28:14), além dos Salmos onde se percebe que os nomes de Jesus e de Cristo foram cominados a líderes religiosos da Antiguidade. Então os nomes "Jesus" e "Cristo" eram títulos atribuídos às autoridades religiosas importantes. Segundo eles é improvável que Jesus seja um homem, é mais provável que seja um símbolo, um ícone que não tenha existência real.



Não se sabe nem se a história da crucificação é real, pois não há relatos de qualquer historiador da época já que as mínimas referências que Flávio Josefo, Fílon de Alexandria, Tácito, Suetônio e Plínio fazem a Jesus (após um exame grafotécnico) foram consideradas falsas. Além disso, Justo de Tiberíades (que escreveu a história dos judeus desde o ano 60 a.C até 70 d.C) nada menciona a respeito de Jesus. Nem Fílon de Alexandria escreveu sobre ele. Até mesmo em relação a Pilatos, existe abundante documentação sobre seu governo na Judéia, mas não há sequer uma carta, um processo, uma ata onde conste o episódio do Gólgota. Nem nos famosos Manuscritos do Mar Morto (encontrados em 1947) existe qualquer menção a alguma figura que se pareça com o Jesus bíblico.

Enfim, o assunto é polêmico e a fé é do âmbito pessoal, mas um problema se estabelece: como não ficar com a sensação de estar cultuando algo que pode, jamais, ter existido? Daí a importância de investigar-se as origens das crenças, da tradição religiosa - que nem sempre equivale necessariamente aos fatos históricos -, e que o sacerdote seja honesto e se esforce para não repetir simplesmente para o crente o que o dogma de sua igreja determina, mas aja dialeticamente discutindo os equívocos históricos, os acertos e também os limites da própria religião.

PLATÃO E O CONHECIMENTO


 Gerson Nei Lemos Schulz



Até hoje, em filosofia, a forma do conhecimento ainda é um problema a ser investigado. Várias são as sinédoques desenvolvidas ao longo dos séculos pelos pensadores ocidentais para explicá-lo. Isto é, como o homem pode conhecer? Como se dá esse processo?


Para Platão (427-347 a.C.) o mundo material é imperfeito. Em outras palavras, Platão queria a garantia última de que aquilo que sabemos é a verdade. Para ele não é possível haver conhecimento falso, pois senão não é conhecimento. Nesse sentido ele concebe a idéia da anamnese (recordação).


Platão admite a existência em todos os homens da alma (psiché) que, em sua doutrina, além de centro de toda inteligência humana, é imortal. Outro pressuposto é que em algum momento remoto da história, antes da criação do homem (pois há um mito da criação também entre os gregos antigos), todas as almas coabitavam entre os deuses, mas quando estas quiseram se tornar como eles, foram condenadas a encarnar em corpos frágeis e mortais.


Respondendo às perguntas da introdução se pode dizer que sua doutrina do conhecimento está disposta na obra Menon. Neste diálogo há uma passagem onde Sócrates interroga um escravo que nunca estudara matemática e, por meio do método maiêutico, faz com que o escravo conclua a fórmula do teorema de Pitágoras. Interpretando esse fato à luz de sua crença na imortalidade da alma, ele conclui que o conhecimento que o escravo demonstrou só podia estar em um lugar: na alma; e esta, assim como a de todos os homens, já contemplou a verdade junto aos deuses. Então, ao encarnar, a alma passa pelo "rio do esquecimento", logo, saber é recordar, pois o homem já sabe mas precisa do professor para auxiliá-lo a recordar o que contemplou junto aos deuses. É por isso que para Platão o mundo físico é inferior ao mundo das idéias ou essências, pois o mundo material é apenas cópia da idéia.

Um exemplo para se compreender isto é citar o trabalho de um carpinteiro. Para construir uma mesa o carpinteiro precisa antes ter a idéia de mesa e pensar em seus detalhes, depois ele corta a madeira e lhe dá forma de mesa. Mas a mesa material não é perfeita como a mesa que o carpinteiro pensou, pois sua superfície, por mais polida que seja, nunca é totalmente lisa, as formas, por mais trabalhadas, jamais são perfeitas. Conclui Platão que a matéria é inferior ao mundo das idéias.


Assim, para o filósofo há duas grandes formas de conhecimento. A doxa (opinião), que ele atribui ao homem comum que vive como que "embriagado" pelos sentidos que embaçam a razão e contribuem para que ele não tenha clareza perfeita das coisas (senso comum). Este conhecimento é baseado na eikasia (imaginação) e na pistis (crença). E o conhecimento filosófico que envolve a matemática (episteme) e o conhecimento noético (essência). Este último somente o filósofo pode obter por meio da intelecção.


Por fim, para Platão, o filósofo deve fugir do mundo dos sentidos, das sombras da realidade e buscar a ciência. Ele deve subir de degrau em degrau até alcançar a idéia suprema pelo procedimento sinóptico. Assim poderá distinguir as idéias últimas (universais) que são as idéias que não possuem idéias anteriores. Esse conhecimento último é eterno e imutável para Platão.

CAMPANHA DA FRATERNIDADE OU DA INCOERÊNCIA?


GERSON NEI LEMOS SCHULZ



Recentemente o Conic (formado por 5 igrejas cristãs mais a Católica), lançou a Campanha da Fraternidade (CF). Este ano o tema é "Economia e Vida". Segundo o monge M. Barros (no Brasil de Fato, 18/02) a CF é a favor da economia solidária e condena o "consumismo".


Para ele a religião deve se intrometer na economia. Citando o relatório da ONU (Metas do Milênio), diz: "em 2008 os bancos ganharam mais dinheiro do que todas as nações pobres do mundo em 50 anos. Em 2009 as instituições financeiras ganharam cerca de US$ 35 bilhões. (Barros, texto da CF, p. 35)"


O mesmo texto afirma que no Brasil há concentração de terras nas mãos de poucas famílias/empresas com 3% das propriedades de mais de mil hectares ocupando 56,7% das terras agricultáveis, enquanto 48% de famílias pobres não têm onde plantar. Por isso ele justifica que a CF proponha: incluir entre os direitos (na Constituição) a alimentação adequada a todos; erradicar o analfabetismo; combater o trabalho infantil e exigir políticas econômicas redistributivas dos bens e das riquezas, chegando-se à "economia solidária". Mas será que isso não é pura demagogia?


Pior, é relativo o conceito de "consumismo" e criticá-lo superficialmente é prejudicar o país e a produção de capitais e empregos na pós-crise. Assim cabe a pergunta: a igreja católica pratica economia solidária? E outra: o Banco do Vaticano não entrou na conta da ONU sobre as instituições que lucraram em 2009?


De acordo com o vaticanista John Allen Jr. (site da universidade Unisinos) o orçamento anual do Vaticano é de US$ 300 milhões. São três suas fontes de renda: 1°) Doações de igrejas locais e conferências de bispos no mundo, pois as dioceses entregam dinheiro ao Vaticano. 2°) Investimentos. 3°) As propriedades: o Vaticano teria 700, sobretudo em Roma, e aluga a maioria delas a terceiros. O que soma um patrimônio de US$ 770 milhões. Fora o que tem em outros países como nos EUA onde a Universidade Notre Dame fecha o orçamento em mais de US$ 1 bilhão.


Por outro lado, estes dados são contestados pela Revista Americana "Time" que diz que o movimento do Banco do Vaticano chega a US$ 15 bilhões de dólares e ele investe em aço, químicos, seguros, ações e construção civil, ramos econômicos nada solidários! É também no Jornal do Brasil de 03/09/2007 que Leonardo Boff cita a pesquisa da Adista (2/6/2007) e afirma: "A especulação imobiliária e financeira rendeu ao Vaticano, em 2004-5, €$ 1,47 bilhão." Dado semelhante aponta a revista italiana Espresso (2007) quando mostra que o Vaticano fechou 2006 com um superávit de €$ 2,4 milhões. Sem falar que a igreja não paga imposto, por conseguinte, ocorre que os hotéis do Vaticano em Roma oferecem preços bem abaixo dos da concorrência. Que solidariedade!


E a propriedade artística? De acordo com o museólogo W. Tavares na revista Mundo Estranho (ed. 96) os valores são: Teto da Capela Sistina, R$ 1,39 bilhão; A Última Ceia, R$ 913 milhões; A Escola de Atenas, R$ 859 milhões. Patrimônios da humanidade, mas quem usufrui é a igreja católica.


Por fim, caro leitor: como merece ser chamada a igreja que fala em fraternidade, em ajuda aos pobres, mas cuja maioria dos sacerdotes desfruta o conforto da milenar e rica estrutura clerical? Prefiro que você mesmo conclua.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

EM QUE MUNDO VIVEMOS?

Gerson N. L. Schulz




Você já se perguntou em que mundo vive? Já se perguntou em que período histórico estamos? Já se perguntou por que atualmente é possível guerras de um grupo contra um Estado e não apenas entre Estados? Já se perguntou por que é possível a globalização?

Uma resposta - talvez - culturalmente satisfatória seja que estamos na Pós-modernidade. A pós-modernidade é um período histórico em discussão que nega o projeto iluminista de crença cega na ciência, no Estado, na sociedade industrial-militar burguesa, na luta entre blocos ideológicos (capitalismo, socialismo), na luta entre classes sociais e etc. Ouso dizer que "o projeto pós-moderno é não ter projeto".



Para Tomaz Tadeu da Silva em Teoria do Currículo (2005), os pós-modernos não acreditam na efetividade da ideia moderna de liberdade, nem no capitalismo e nem no socialismo. Não crê que o Estado racional seja capaz de criar e defender leis justas, e garantir a igualdade entre todos. Para este autor, na sua ânsia de ordem e controle, a perspectiva social moderna busca elaborar teorias e explicações que sejam universais, que reúnam num único sistema a compreensão total do funcionamento do universo e da sociedade. Para os pós-modernos o pensamento moderno é particularmente adepto das metanarrativas (positivismo, socialismo, estruturalismo), que são a expressão máxima da vontade de domínio e controle.


Implosão do Pruitt-Igoe, de St Louis, em 1972.
Conjunto de edifícios altamente racional e funcional
mas não estético para os padrões pós-modernos
Na prática, os pós-modernos denunciam que o modelo iluminista que desejava um mundo altamente cientificizado, onde até a família deveria ser exemplar, formada por marido, esposa e filhos (onde a mulher deveria ser 'virgem' para garantir a legitimidade da prole). Onde o Estado era "justo" porque permitia aos cidadãos partirem do "ponto zero" (liberalismo econômico idealista) e, por sua própria competência (meritocracia), conquistarem um lugar ao sol, restando aos "incompetentes" a pobreza e a exclusão. Onde a burocracia é garantia de eficiência e controle sobre tudo e todos. Onde a ciência é redentora, acarretando benefícios à saúde, economia e etc., faliu.


Não se é livre, como pensavam os modernos. Marx, Nietzsche, Freud, Darwin mostram que o homem está atrelado a uma estrutura material que determina o pensar; que a religião cristã é apenas crença ideológica que tem fundamento em si mesma, portanto, não tendo fundamento algum; que o homem não é anjo caído mas um primata evoluído e que não decide tudo racionalmente porque há dentro dele uma parte irracional (inconsciente) que tem grande poder sobre as decisões.


Nietzsche: crítico ferrenho da modernidade.
A pós-modernidade não apenas tolera mas privilegia o hibridismo de culturas, estilos e modos de vida. Tolera outras formas de sexualidade. A "família tradicional" convive com a família "gay" ou com a família de pais e mães solteiros. É preferível aquilo que é local e contingente ao que é universal. Em ciência, inclina-se para a incerteza e a dúvida. Ética e estética se mesclam, confundem. Os novos valores são locais e surgem em função não de uma objetividade, mas dos sentidos, do princípio de prazer. Nega-se o "penso, logo existo" de René Descartes (Discurso do Método, 1648) e abraça-se o "sinto, logo existo" de Daniel Goleman (Inteligência Emocional, 1996).


Enfim, os pós-modernos dizem que o sonho moderno de mudar o mundo por meio da liberdade burguesa ou do socialismo, morreu. O pensamento crítico desaparece, cede lugar ao pós-crítico que diz que o máximo que alguém pode mudar é sua existência. Então, instituições modernas como governos, tribunais, os próprios valores, perdem o valor. 

As ONGs são exemplo disso, pois são tentativas particulares de "mudar" uma nesga de realidade. No lugar dos valores ético/morais, surge o desvalor.

O que é educação?

Gerson N. L. Schulz




Como sou professor de profissão, muitos me pedem uma definição de educação. Por isso gostaria de dizer que, neste artigo, inicio a discussão sem a pretensão de encerrá-la.




Para Abbagnano (Dicionário de Filosofia, 2007), educação é a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Abbagnano diz que ao conjunto dessas técnicas se chama cultura. Para ele, uma sociedade humana não pode sobreviver se sua cultura não é transmitida de geração para geração. As formas de realizar ou garantir essa transmissão chamam-se educação.



Para Boisaco (Dicionário de Pedagogia, 1950), a palavra cultura deriva da palavra grega Paidéia. Conforme diz Moacir Gadotti (História das Ideias Pedagógicas, 2005), com o advento do Império Romano esta palavra (Paidéia) tornou-se Humanitas. De Humanitas vem, em português, que é língua neolatina, a palavra educação, e também a palavra humanidade. A confusão existe quando se traduz Paidéia por educação.



A partir disso, posso inferir que educação não é cultura, é forma de transmissão desta para as gerações futuras. Assim, educar, no contexto das línguas neolatinas, é sinônimo de ensinar, mas também é ato de aprender dentro de um processo físico e intelectual. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Título I, Artigo 1°, 1996), afirma que a educação "abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais." Por isso posso afirmar que a educação é um processo? Creio que sim, pois, na ótica que venho expondo, a cultura é seu fruto direto.



Se em uma relação antropológica, cultura significa sobrevivência, não existe indígena que não saiba caçar, ribeirinho que não aprenda pescar, criança urbana que não deva aprender a atravessar uma rua em segurança. A "forma" como os pais ensinam na tribo, na comunidade, na escola é educação.



Concordo com Gonçalves em "Um Olhar sobre a Educação" (2003) que entende educação dentro da concepção histórico-crítica como "fenômeno que se apresenta como comunicação entre pessoas livres em diferentes graus de maturação humana num contexto histórico determinado." E com Saviani em "Educação: do senso comum à consciência filosófica (1989)" que pensa que: "promover o homem significa libertá-lo de toda e qualquer forma de dominação; nas sociedades em que vigora o modo de produção capitalista, a dominação se manifesta concretamente como dominação de classe, então educar, isto é, promover o homem, significa libertá-lo da dominação de classe." Mas cabe aqui também dizer que alguns autores que trabalham com a concepção da luta de classes (Marx) não conseguem admitir que essa interpretação leva a sistemas despóticos, o socialismo e o comunismo. Sistemas que não mostraram até hoje exemplos que escapassem dessa perspectiva da ditadura do coletivo sobre o individual. Faltou aos países "socialistas" a própria dialética para perceber que a história não tem um fim com a chegada do socialismo ou de uma revolução, ela é sempre devir. A história é entrecortada, ela retorna, anda, pára, retrocede e avança.



Enfim, concluo que educação é promoção do homem para torná-lo cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação e intervir nela, transformando-a por meio da ampliação da sua liberdade. A partir disso, acredito que a educação deveria ser ato político (práxico) assumido, e não simples teoria.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O QUE É O NATAL?

Gerson N. L. Schulz



Todos os anos, para aqueles que acreditam no cristianismo, esta época é para se refletir sobre o ano que passou, sobre a vida, sobre o que se fez e para onde se quer pilotar a nau da existência, como afirma o filósofo Platão (428-347 a.C) no Fédon.

Claro que Platão não era cristão nem poderia ser, pois o cristianismo ainda não fora "inventado". Segundo o filósofo Giovanni Reale, em sua História da Filosofia (1991), Platão, apesar de ser um grande divulgador das capacidades racionais do homem (que os gregos chamavam 'Logos'), dava fundamental importância ao mito que para ele não era fantasia, mas expressão de fé e crença. Para Platão o mito é a fé racionalizada. O mito procura clarificação no Logos e o Logos busca complementação no mito, segundo Reale.


Ao analisar esta frase pode-se inferir que Platão reconhecia os limites da razão e também que, de fato, há coisas que ela não pode explicar. Por isso confiava ao mito esta capacidade, isto é, o mito é aquela explicação poética, impossível de ser comprovada, que às vezes foge completamente da realidade conhecida cogitando a existência de outra que não se pode ver.


Entretanto, no caso do natal, essa concepção não se aplica, pois o natal não se trata da gênese dos deuses gregos nem da escatologia, suposta, após a morte. O natal é uma data muito improvável reconhecida sua improbabilidade pela própria igreja que o criou, o cristianismo católico. Caso Cristo realmente existiu (é bom lembrar que a ciência história até hoje não confirma sua real existência, nem a autenticidade das narrativas contidas nos chamados evangelhos), dificilmente teria nascido em vinte e cinco de dezembro. Esta é uma data convencionada porque ninguém sabe ao certo se a personagem principal da festa realmente existiu, quanto mais sua natalidade.


O natal como se conhece hoje é uma invenção do mundo católico medieval. A bíblia também não confirma a identidade dos reis magos e nem que eram três. Provavelmente se Jesus nasceu ele não veio ao mundo em uma manjedoura como se diz, mas em uma estalagem à entrada de uma cidade como era comum na época.

Não é objetivo aqui discutir os pormenores desta história "mal contada" porque nela sobram lacunas para preencher, por sinal. Porém, nunca se teve a notícia depois dos relatos dos evangelhos sobre uma estrela que anda e pára como hipoteticamente era a que guiava os magos do Oriente, segundo Mateus. Algo assim não poderia ser uma estrela!




Para finalizar este texto crítico sobre o natal (que penso ser mais comércio que religião, mais trabalho/exploração dos comerciários que ficam nas lojas em pé, com fome, atendendo uma massa exigente, quando não mal educada, faminta pelos produtos da moda, ávida por cacarecos que estarão imprestáveis daqui a um ano), - e como  fazem sucesso aquelas bugigangas fabricadas por mão-de-obra escrava na Ásia - só resta dizer: é natal de novo "e o ano novo já vem…", como diz a canção...

AMOR OU PAIXÃO?

Gerson N. L. Schulz




Foi em um domingo à noite em que eu estava na orla da cidade de Macapá, próximo de um bar com música ao vivo, que presenciei uma cena triste: um casal de namorados brigando. Enquanto ela dava sapatadas nele, ele se defendia argumentando que não a tinha traído. A partir disso nada melhor do que refletir sobre o amor e a paixão. O que é amor? O que é paixão? Há diferença entre ambos?


Para a filosofia clássica, nascida do seio da Grécia antiga, era possível se cultivar o amor. Mas ele não era um ser vivo, embora pudesse morrer. E, conquanto, se possa morrer de amor, como em "Romeu e Julieta", ainda assim o amor é entidade metafísica. A paixão, não obstante seja manifesta, também é.

A herança grega nos deu cinco tipos de amor. O amor ágape, um tipo de amor que ficou mais conhecido com o advento do cristianismo por ser o amor que o deus judaico-cristão sentiu pela humanidade, criando-a; por pura gratuidade já que Ele é perfeito e não precisaria da humanidade para nada. Os outros tipos são bem mais humanos. Em segundo tem-se o amor filia, aquele que pais e filhos sentem mutuamente, designa também o amor entre amigos. Em terceiro há o amor eros, aquele amor que desperta a paixão, é o amor que aproxima dois seres, desencadeando uma série de sensações agradáveis. Mas este não é passageiro como a paixão.

Platão
Em quarto e quinto estão o amor platônico e o amor pornéia. O amor platônico (em filosofia) não é o mesmo que no senso-comum. Ele significa amor ao belo, às formas, é amor do intelecto. É amor que não usa os sentidos. É por isso que no senso-comum se diz que é o amor em que os amados nunca se tocam.

Há ainda o amor pornéia, de onde deriva pornografia. O pornô é aquele amor que não tem compromisso algum. É o sexo feito com a garota ou garoto de programa. Onde o que importa é a relação sexual para satisfação imediata.

Quanto à paixão, é Aristóteles (384-322 a.C.) quem trabalha melhor esse conceito evidenciando que ela é pathos (de patológico). A paixão é algo que subtrai a razão. Domina a ação. Por isso alguns crimes se dizem passionais, em função de que o indivíduo sofre a ação de seus próprios instintos e estes dominam sua vontade que perde a liberdade.

Por fim, a paixão se diferencia do amor na medida em que é puramente carnal, irracional, não é ato de uma vontade livre, é fruto do desejo (embora para a justiça isso não retire a responsabilidade). O conceito amor envolve também noções de moral, ética, preservação, fidelidade (não necessariamente conjugal). A capacidade de amar parece constituir parte do intelecto humano, pois mulheres e homens amam-se a si mesmos mas não se apaixonam por si mesmos. Então a paixão constitui-se em pathos, algo anormal que pode se confundir com o amor. Porém, é claro, nem sempre ela é negativa, às vezes ela causa bem estar, ainda que momentâneo. Já o amor está ligado à ideia de continuidade na relação, de querer estar junto, de transcendência do sexo.

CONHECER É PODER?

Gerson N. L. Schulz




Representação do
Filósofo Pitágoras
Nascido por volta de 500 a.C na cidade de Metaponto (ao sul do que hoje é a Itália), Hipaso de Metaponto era membro da escola dos Pitagóricos. O filósofo Pitágoras era de Samos e em 530 a.C vivia o apogeu de sua vida pública como o chefe da Escola dos Pitagóricos. Suas doutrinas elementares afirmavam que os números eram o princípio de toda ordem no universo, consequentemente, o universo havia sido criado por uma entidade racional. Para Pitágoras a música (na qual ele determinou as relações harmônicas de oitava, quinta e quarta), era a linguagem matemática universal.


Além disso, como todos os elementos da natureza podiam ser associados às figuras geométricas, acreditava que a natureza era constituída por números, mas não simplesmente pelos numerais como conhecemos hoje (abstratos) e sim, para Pitágoras, os números eram entidade reais, materiais e racionais. E era por meio dessa racionalidade que o universo era mantido.

O problema surgiu quando o discípulos Hipaso de Metaponto, trabalhando sobre as relações métricas no triângulo retângulo, pôs em dúvida a ideia de que todos os números eram racionais. Partindo da descoberta de seu mestre de que, em um triângulo retângulo qualquer, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos, Hipaso se perguntou: e se os lados do triângulo retângulo medirem 1? O que acontece? Realizando o cálculo ele descobriu que a hipotenusa teria o valor da raiz quadrada de 2. E isso era gravíssimo, ou ele tinha errado os cálculos ou nem todos os números do universo eram racionais. Ele estava certo, tanto que Pitágoras o proibiu de contar a quem quer que fosse esse segredo, pois Pitágoras acreditava que se alguém soubesse da existência de números irracionais, o mundo e toda a humanidade seriam destruídos.

Mas Hipaso não só contou a outras pessoas, como escreveu um livro sobre o assunto. O fato é que, até hoje, sua morte, logo após a publicação do livro, permanece mistério. Ao que se sabe ele se afogou ao atravessar, juntamente com outros companheiros, um rio. Mas a história mais comum é de que ele foi afogado como punição por ter revelado o segredo dos números irracionais.

Refletindo-se a infeliz história de Hipaso de Metaponto, pode-se concluir que nem sempre conhecer é poder. Lamentavelmente, quando o conhecimento abala a fé das pessoas, suas crenças ou quando é manipulado ou falsificado, ele não liberta ninguém e pode até causar a morte. E quem paga por isso é o cientista que é, por vezes, perseguido porque suas descobertas chocam os paradigmas conservadores que determinada sociedade costuma propagar como sua "verdade". Assim como Hipaso foi assassinado, assim também na idade Média os cientistas eram queimados pela inquisição católica, na Modernidade (como foi por anos o caso de Charles Darwin, Pasteur, Tesla e outros tantos), eram vítimas de chacotas ou morriam na miséria sem ter o que comer.

Concluindo, e na Pós-modernidade, o cientista e o filósofo recebem o destaque que merecem ou se continua pensando que eles e suas idéias não passam de histórias? Pode ser que nem sempre conhecer seja poder, mas na maioria dos casos o conhecimento mudou a história da humanidade para sempre.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

OS QUATRO PERÍODOS HISTÓRICOS DA FILOSOFIA


Gerson N. L. Schulz

Professor do Ensino
Público Federal no Brasil







A Filosofia como ciência (aqui cabe a palavra ciência se se entende como episteme, donde vem a palavra epistemologia que significa conhecimento em grego) nasceu na Grécia, com Tales de Mileto (séc. VII a.C.).

Como ela tratava dos saberes e, principalmente, do acúmulo destes, ela foi considerada a "mãe" de todas as ciências. Entendendo-se ciência como aquilo que tem conteúdo, método e objeto de estudo. Então, a Filosofia é uma ciência. Dela derivaram ao longo do tempo todas as demais ciências particulares como a Matemática, a Biologia, a Antropologia, a História, a Psicologia e etc..

Deste modo, o filósofo (no mundo antigo) possuía o status que hoje é dado ao cientista. E, por isso, o filósofo procurava a verdade, por meio do uso da razão. Em função das diversas opiniões sobre a natureza da verdade, surgiram diversas escolas filosóficas. Grande parte delas privilegiou o estudo da Matemática, como foi o caso das escolas pitagórica, de onde vem a sistematização do famoso teorema (530 a.C.) e, também, da Academia conduzida pelo filósofo Platão (427 a.C. - 347 a.C.).

Logo, a preocupação dos filósofos no mundo antigo era "desmitologizar" o mito e os deuses e desvelar o Cosmos, investigando se ele continha regras, ordenamentos e, por conseguinte, que ordenamentos eram esses. Em outras palavras, a Filosofia surge para substituir as crenças religiosas da época por uma racionalização da natureza. Para a Filosofia, a verdade estava naquilo que se podia demonstrar pelo menos formalmente, isto é, por meio da lógica, da linguagem (discurso) e da Matemática.

À partir do ano de 486 d.C, há uma mudança nas formas do pensamento e, também, um grande fenômeno social e político que produz um "divisor de águas" (a queda do Império Romano do Ocidente) na história e surge, à partir daí, a idade Média.

No mundo medieval, o conhecimento que tinha supremacia sobre os demais era aquele adquirido por meio da fé cristã. Mesmo no mundo natural, aquilo que não se mostrasse em convergência com a fé era desclassificado como verdade. Então, ao contrário do mundo antigo, em que a razão prevalecia como método para estabelecer a verdade, no mundo do medievo, a verdade era um discurso que não podia ser provado pela Lógica nem pela Matemática, mas pela fé. De tal forma, qualquer ponto de vista para se tornar verdadeiro deveria, explicitamente, estar de acordo com as verdades da Bíblia (as chamadas 'verdades reveladas'). Considerava-se, assim, que os textos bíblicos eram, em si mesmos, a verdade, e, por isso, o homem não deveria perguntar para a natureza, para o universo, se neles havia alguma lei (como as que hoje sabe-se que há, de acordo com a Física), mas o que se entendia sobre a natureza era justamente, para merecer o título de "verdade", aquilo que o texto bíblico dizia ser ou insinuava ser.

Nesse momento da história da humanidade, à Filosofia coube o papel de ser "escrava" da Teologia, pois ela apenas servia para ordenar logicamente e tornar o discurso convincente, produzido pela religião cristã (ou pela religião árabe, em se tratando do mundo Oriental).

Na Modernidade, que surge a partir de 1453 com a invenção da imprensa por Gutenberg, das descobertas astronômicas de Galileu e geográficas de Colombo, em 1492, a igreja católica e a filosofia cristã entardecem. Agora, algo para ser chamado de "verdade" deveria ser demonstrado por meio da Matemática e das leis da Física.

René Descartes (1596-1650) foi o idealizador das ciências modernas. Ele tentou matematizar até mesmo a própria Filosofia para livrá-la das meras "opiniões" divergentes entre os vários filósofos e transformá-la em uma ciência (aqui nos moldes modernos, projeto no qual ele fracassou). A prova de fogo que qualquer tipo de conhecimento deveria enfrentar, à partir desse momento, para merecer o título de ciência, era o método científico. Caso um tipo de saber não fosse aprovado pelo crivo do método científico (que se esforça para comprovar aquilo que afirma), não poderia ser chamado de conhecimento científico. À partir do mundo moderno, a humanidade adota o modelo de pensamento de "causa e efeito". Isso significa que só é aceito o que tem explicação causal, como por exemplo, o fato da combinação de ácido sulfúrico (H2SO4) + hidróxido de sódio (NaOH) resultar em água (H2O) + cloreto de sódio (NaCl) + gás hidrogênio (H2).

Para a ciência, em fenômenos como este acima, não há a presença de nenhum "deus". Assim, o cientista não acredita que dentro do balão de vidro estejam água e sal de cozinha porque "deus" quis, mas porque há uma lei da química que garante o acontecimento dessa reação nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP), bem como em qualquer lugar do universo, justamente, porque a lei tem validade universal.

Foi esse modelo de pensamento que culminou no projeto moderno do Iluminismo. Período moderno de grande progresso técnico-científico. O Iluminismo estabelecia uma sociedade voltada para as ciências, para a exploração da natureza, para seu desvelamento, para a conquista do conforto da humanidade (ainda que das pessoas que viviam na Europa). Era, também, em termos políticos, de cunho liberal e capitalista no campo econômico. Sua filosofia progressista apostava na soberania do indivíduo sobre a sociedade e, por isso, prezava pela garantia das liberdades políticas, mas apenas dos europeus e não dos povos colonizados, considerados inferiores.

Esse modelo filosófico exigia o fim do regime monárquico, especialmente na França (uma das nações europeias mais desenvolvidas), e foi o que a nova classe social francesa fez em 1789, organizando uma Revolução. A essa nova classe Marx (1818-1883) chamou de burguesia. A burguesia, sob o regime monárquico, detinha o poder econômico, uma vez que era proprietária das indústrias, das grandes casas de comércio e empresas marítimas, mas não detinha o poder político. Este estava nas mãos dos reis, que determinavam os valores dos impostos, quando e com quem os burgueses poderiam fazer negócios.

Durante os acontecimentos revolucionários, era interesse da burguesia derrotar a monarquia, pois, na República, acabaria a desigualdade entre os homens. Apesar da promessa de igualdade, liberdade e fraternidade, que justificava a Revolução, os acontecimentos posteriores mostraram que a burguesia, temendo perder suas posses,  optou por financiar o imperialismo bonapartista. Mas, mesmo assim, a experiência na França se espalhou para outros países da Europa e, pouco a pouco, as monarquias europeias ou desapareceram, ou se tornaram parlamentaristas. O ano de 1789 é considerado, pelos historiadores, o marco divisor entre a idade Moderna e a idade Contemporânea, que vem até os dias atuais.

Embora não seja consenso, chega-se, à partir de 1945, ao que se denomina Pós-modernidade. Para os defensores desse conceito que entende, entre outras coisas, que o projeto da idade Contemporânea (que é herdeiro da Modernidade) se esgotou, a Pós-Modernidade é diferente de todos os outros períodos históricos.

David Harvey é um dos pensadores que diz que a Pós-modernidade é resultado da II Guerra Mundial. Para ele, esse grande conflito pôs em xeque todo o projeto moderno, porque a tão sonhada racionalidade científica (que os iluministas apregoavam que salvaria a humanidade da ignorância) produziu a quase total destruição da Europa (com a Guerra e, também, uma arma até então nunca vista, a bomba atômica). Esse conflito mostrou, assim, que a "era nuclear" prestava-se para fins bélicos e de destruição total do Planeta Terra.

É aqui que os "pós-modernos" perguntam: "como a mesma ciência que produziu a penicilina, aumentou as expectativas de vida, o conforto tecnológico desde os tempos de Descartes, pôde produzir, também, tanta capacidade de destruição com a bomba atômica?

Essa pergunta pôs em crise a "promessa" das ciências modernas. Os cientistas e filósofos começaram a indagar sobre a validade das "verdades" científicas, e se essas "verdades" fizeram mais bem ou mais mal para a raça humana em geral. É, à partir daí, então, que se tem a Pós-modernidade. Tempo histórico em que se valoriza a pluralidade de saberes (onde o saber científico, de forma geral, é apenas mais um saber em meio a tantos outros). Onde uma parcela das pessoas se preocupa com o esgotamento da natureza e de seus recursos; outra, com os direitos dos animais; outra, com os direitos das chamadas minorias (comunidades indígenas, quilombolas).

A Pós-Modernidade é, então, a era da alta tecnologia (robótica e inteligência artificial, exploração interplanetária). Mas, também, é uma era de conflitos étnicos acentuados, de guerras não mais entre Estados-Nações, mas entre Estados-Nações e grupos armados (denominados terroristas).

Por fim, a era "Pós-Moderna" é conhecida como a "era das incertezas" e do relativismo científico, cultural, político e econômico. Uma era em que os valores modernos (a filosofia, a ética e a religião) se esgotam ou são abandonados ou, por outro lado, são radicalmente transformados em seitas e denominações particulares. Muda-se bastante a relação entre o homem e a divindade. Se antes Deus era um ente comunitário, que se manifestava na reunião das pessoas em comunidade para a partilha da existência, da comida e etc., agora Deus é algo pessoal, caso das igrejas neo-pentecostais, onde a relação com Ele é direta. Na Pós-Modernidade, a figura do líder religioso ainda existe, mas, diferentemente do padre que era o "intérprete" de Deus, o pastor é um tipo de animador de plateia. O cristianismo se descentraliza, cada vez mais, e as igrejas cristãs distorcem (ao gosto de seus fundadores) o cristianismo. A relação com Deus segue os moldes comerciais de pagamento de determinada quantia em troca do recebimento de favores da divindade aqui e agora.

A Pós-Modernidade é, também, o lugar onde o outro/próximo se torna um estranho, porque ele pode ferir "meus" interesses (querer me roubar, me matar). É o momento da desconfiança sobre as verdades científicas, de incertezas quanto ao futuro da sociedade e do mundo. Essa incerteza sobre o futuro pode ser sintetizada na frase: "a longo prazo todos estaremos mortos", atribuída ao economista John M. Keynes - 1883-1946. O que importa agora é o gozo da vida, por meio dos sentidos (estética). Os momentos de prazer devem ser aproveitados até seu esgotamento. Sentimentos, desejos, paixões devem ser vivenciadas ao extremo. Se o "slogan" da Modernidade era a frase de René Descartes: "penso, logo existo"; o "slogan" pós-moderno é: "sinto, logo existo", de Daniel Goleman.