PROF. GERSON NEI
LEMOS SCHULZ
(CO-AUTOR E
ORIENTADOR)
ACADÊMICAS DE PEDAGOGIA
ADRIANA REGINA DE
OLIVEIRA MENDES
MARIA HELOISA CORREA
MACHADO
MIRELE DA SILVA
DUARTE
VANIA MARA DA COSTA
BORGES
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
FURG
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE
FURG
Este artigo trata da Pedagogia Libertária
proposta pelo pensador anarquista Maurício Tragtenberg (1929-1998), nascido em Erexim,
neto de imigrantes judeus que se instalaram no interior do Rio Grande do Sul.
Nessa cidade Tragtenberg começou seus estudos e, posteriormente, foi para um grupo
escolar em Porto Alegre. Naquela cidade ele conta, em suas memórias (1999), que
não foi além da 3° série do primário. Seus problemas com a escola formal
começaram ainda no primeiro ano quando foi reprovado nas aulas de canto. Na
década de 1940, ao ficar órfão de pai, foi com a mãe para São Paulo onde cresceu
e, na idade adulta, começou a trabalhar e se filiou ao Partido Comunista
Brasileiro de onde foi obrigado a se desligar mais tarde vindo a dirigir assim
o recém-formado Partido Socialista Revolucionário. Maurício Tragtenberg se fez
conhecer nos meios acadêmicos como autodidata e como "socialista
libertário".
De forma geral, podemos dizer que suas
influências teóricas vêm de autores como Marx, Bakunin, Kropotkin, Malatesta e
Lobrot (GADOTTI, 2005, p. 261). Tragtenberg, dentre os pensadores com
influencia marxista/anarquista da contemporaneidade, destaca-se por se preocupar
com a escola, instituição a qual fez críticas por seu modelo pedagógico
burocrático, críticas essas sob inspiração de Max Weber (1864-1920), chegando à
teoria da pedagogia libertária também de inspiração foucaultiana (Michel
Foucault, 1926-1984); traçando as relações primárias de poder entre
professores, alunos, funcionários, direção e orientadores que seriam uma
reprodução das relações de poder e submissão na sociedade, ideia esta mesclada
com as teorias da escola reprodutivista de Pierre Bourdieu (1930-2002).
Tragtenberg dizia que a prática de ensino
reduzia-se à vigilância e a escola burocrática seria uma forma de controle da população
escolar onde o aluno seria apenas um receptor submisso de conhecimentos e o
professor seria o dominador. A burocracia, segundo ele, perverte as relações
humanas, causando conformismo e alienação (outra ideia que não é dele, mas de
Karl Marx, 1818-1883), assim ele mostra uma nova possibilidade, a de luta por
meio da organização das classes sociais submissas, com a participação do
trabalhador em geral na vida política e em especial do trabalhador em educação,
visando uma reeducação dos mesmos.
Tragtenberg discutiu sobre as várias faces de
dominação existentes na escola, desde a simples disposição da mobília atentando
para o detalhe que o professor sempre fica(va) acima dos ouvintes em seu "púlpito"
ou tablado e os dóceis e submissos alunos em suas carteiras dispostas umas
atrás das outras, assemelhando-se a sala de aula a uma linha de montagem. Tragtenberg
denuncia o mecanismo em que o professor "julga" o aluno nos conselhos
de classe que equipara a um grande tribunal de "presos" ou "criminosos"
em que o aluno é julgado pela nota que lhe atribuem e, como resultado de tal
julgamento, às vezes recebe uma pena severa que pode lhe trazer reflexos para o
resto da vida profissional e pessoal, ou este mesmo processo pode, antes da
vida adulta, levá-lo à exclusão da escola, instituição esta que serve ao
sistema capitalista em geral, segundo ele.
O filósofo comparava a escola aos presídios (assim como também Foucault) afirmando que a prática da "disciplinação" é uma herança do sistema carcerário, especialmente porque a vigilância permanente e os registros sobre os alunos (notas, presenças, observações, boletins, históricos e etc.), bem como o uso de uniformes-modelo classifica rigorosamente os indivíduos.
Para superar tudo isso ele propugnava a
"Pedagogia Libertária" que almejava desenvolver o processo de
aprendizagem por meio da "autogestão" dando à comunidade escolar (e
ao local em que o indivíduo se desenvolve que pode ser o bairro, o trabalho e
etc.) o poder de gerir todo o processo ali decorrente.
O objetivo central era que cada indivíduo alcançasse
sua autonomia e se tornasse um "ser digno" apesar de viver em um meio
social materialista em que tudo e todos têm um "preço". Para ele o
homem não pode ser tratado como mercadoria, pois tem sua dignidade. Por isso
ele era contra premiações ou punições valorizadas na sociedade contemporânea e
a favor da solidariedade fundamentada na abolição da competição e na crítica a
todas as normas autoritárias.
Por fim, após esse breve corolário,
entendemos que Tragtenberg advoga que somente desse modo ocorrerá a
democratização da escola e que esta democratização virá depois que houver a
desvinculação entre poder e saber. Momento em que professores, alunos e
funcionários formarão uma só comunidade democrática e "libertária".
Porém, analisamos que o desafio maior é desvincular a escola (seja ela qual
for, até mesmo a universidade) da ideia de mercado de trabalho, de atribuição
de notas, de punições ou louvores a alunos e hoje também aos professores e
funcionários, e ainda assim "transtornar" a atual relação de poder que
possa existir entre docentes e discentes – em outra perspectiva – como o
professor não exercerá "poder" (o poder do saber) sobre o discente se
o discente ainda não está de posse do saber docente? Não acreditamos que o
docente tudo saiba, mas é coerente afirmar que o discente que se candidata à
escola pretende, nela, "adquirir" conhecimentos que não tem condição
de aprender sozinho. Que outra forma ou formas de indicar quantitativamente o
aproveitamento de um aluno em determinado curso, senão por meio de notas ou
conceitos? Apesar de Tragtenberg demonstrar que as provas só provam que o aluno
é capaz de repetir o conteúdo que sabe "de cor", que outra forma de
"separar" quem "sabe" de quem "não sabe"? (E
admitimos que separar já é classificar esse alguém, mas lembramos com Pedro Demo
– 2002 – que não avaliar alguém também já é avaliar!) Que outra forma de "valorizar"
o aluno que frequentou um curso regularmente em descrédito daquele que não
frequentou? É sabido que nem todo aluno que frequenta integralmente um curso
qualquer tem melhor aproveitamento do que outro que frequentou metade do mesmo
curso, mas ainda assim essa questão não é satisfatoriamente respondida na
teoria da educação libertária de Tragtenberg e por isso é pesquisa em aberto.
Referências:
DEMO, Pedro. Mitologia da Avaliação. São
Paulo: Autores Associados, 2002.
GADOTTI, Moacir. História das Ideias
Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.
TRAGTENBERG, Maurício. Memórias de um
Autodidata no Brasil. São Paulo: Escuta, 1999.