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quinta-feira, 21 de julho de 2011

AMOR LÍQUIDO




Gerson Nei Lemos Schulz





Esse é o título de um livro do sociólogo Zygmunt Bauman. Ele, quando fala de amor, mostra o porquê de ter escolhido esse apodo: "hoje em dia nos medimos pelo número (quantidade) de relações amorosas que temos".

Diz: "num mundo em que a seriedade de algo é representada apenas por números, e portanto só pode ser apreendida dessa maneira (a qualidade de um sucesso musical pela quantidade de discos vendidos, de um evento ou performance públicos pelo número de espectadores, de uma figura pública pelo número de pessoas em seu enterro, de intelectuais na opinião do público pelo número de citações e referências)", acrescento eu, não poderia ser diferente com os relacionamentos amorosos.

Bauman cita as especialistas Adrienne Burgess e Caryl Rusbult que afirmam que o compromisso amoroso é uma conseqüência aleatória que depende "do nosso grau de satisfação com o relacionamento, se ele é viável; se continuar nele causará a perda de experimentar relações com outras pessoas; e se vale a pena investir, pois em um relacionamento se investe tempo, dinheiro, propriedades em comum, filhos." Eu acrescentaria: paciência e energia! Para elas um relacionamento é como comprar ações: "você compra, espera que dêem lucro e vende, senão derem lucro você se livra delas." Bauman ironiza essa visão capitalista de amor perguntando quando é que alguém jura lealdade às ações que acabou de comprar? Quando é que os investidores juram fidelidade a elas nos momentos de riqueza e de pobreza?

Bauman também trata das "relações de bolso" de Catherine Jarvie. Elas têm esse nome porque se pode dispô-las a qualquer hora. Uma "relação de bolso é a encarnação da instantaneidade e da disponibilidade." Na prática, uma vantagem desse relacionamento é que é você quem está no controle, é só deletar do msn ou do celular o número dela ou dele e pronto, acabou!

Para identificar a origem dessas relações "líquidas" ele distingue amor de desejo. Assim, diz que desejo é a vontade de consumir, absorver, devorar, ingerir, provar, explorar e satisfazer-se com os outros. Processo esse que gera refugos indigestos dos quais os "amantes" querem se livrar. Lembro, por exemplo, a camisinha depois do coito, a mancha de batom, o perfume, o outro(a).

Já o amor "é vontade de cuidar e preservar o 'objeto' cuidado. Ingerir, absorver e assimilar o sujeito no 'objeto', e não vice-versa. É contribuir com o mundo, cada contribuição como traço vivo do eu que ama. No amor, o eu é pedaço por pedaço, transplantado para o mundo. O eu que ama se doa ao 'objeto' amado. Amar diz respeito a auto-sobrevivência através da alteridade. Amor significa proteger, alimentar, abrigar, carícia, afago e mimo. Amar é estar a serviço, à disposição. Mas também pode ser responsabilidade e sacrifício."

Concordo, mas pergunto: quem, na nossa sociedade do consumismo (onde relações também são produtos), quer amar? Nunca houve tantos divórcios! Ir a uma boate é como ir ao shopping: neste você pode escolher mercadorias, olhar, pegar, experimentar amostras grátis; naquelas você faz o mesmo com o próximo(a). A maioria vai à boate para ser consumidor e consumido tentando diminuir sua carência afetiva da ausência gerada pela busca do outro; que outro? Si mesmo como no espelho da bruxa de Branca de Neve: espelho, espelho meu... Busca essa baseada no bem-estar egoísta ensinado nos catálogos shoptime que nos ilude a procurar a pessoa perfeita que só existe... na novela!