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quinta-feira, 16 de maio de 2013

O QUE É DIALÉTICA EM MARX?



Prof. Gerson Nei Lemos Schulz

Editor



1 O Conceito Geral de Dialética



Pode-se afirmar, de forma geral, que a dialética é um jogo de oposições, uma forma de dialogar com coerência e com lógica. Para Zanotelli (Orçamento Participativo: pressupostos ético-críticos para a participação popular, 2003) ela pode ser também o caminho para o consenso e para a verdade.

Então, o discurso, tentando unificar num todo lógico os níveis formais, encontra oposições que resultam da finitude do sujeito ou da multiplicidade e contingência do objeto.  Ao intentar a unidade no centro das oposições, o discurso se torna dialético. Dialético é tudo o que se refere à discussão.


Para Zanotelli (2003), todo aquele que fala pretende que o objeto apresentado possa encontrar sentido de consenso no interlocutor e isso se dá por meio de argumentos os quais o interlocutor poderá opor seus contra-argumentos. Já para Habermas (Pragmática Universal), a ação comunicativa que pretende um "por-se de acordo sobre algo" que se apresente, supõe que o objeto apresentado sintetize os argumentos para o consenso. Ele é o consenso da discussão.

Mas é importante perceber que a identidade e a negação acontecem na síntese. Assim a tese só é tese na síntese. A "anti-tese" só é e ganha sentido de antítese na síntese. A análise, como exame do desdobramento dos opostos, e enquanto opostos, tem na síntese seu horizonte, sua raiz e seu "telos". Mas, de onde vem a síntese?




Tudo, se é síntese, desde a menor partícula da matéria até a forma de vida mais plena (animal, homem), não é justaposição de oposições, anulação de oposição, fuga da oposição. É a possibilidade da oposição enquanto oposição. Recolhe, guarda os opostos em sua identidade de opostos desde e a partir de sua superação.

A síntese, portanto, não é apenas resultado da oposição e sua negação. É ela que possibilita a oposição e a negação como ultrapassagem que recolhe a ambas e as eleva, mantendo-as em sua identidade e negatividade.

Assim, um ente só é si próprio, idêntico a si mesmo, se oposto a todos os outros entes (que são sua negação). Um cão é cão porque não é árvore, homem, mesa, etc. A árvore é árvore enquanto não é cão. Mas o que determina a árvore e o cão não é um ou outro, nem ambos juntos como soma (não somam porque são opostos), mas são referidos, vinculados, ligados um ao outro enquanto opostos, pela síntese (vida, ser) que os antecede, penetra e ultrapassa. Assim, a vida não é o cão, nem a árvore, nem a soma de todos os entes vivos: a vida identifica a cada vivente enquanto idêntico a si e diverso de todos os outros, a vida os vincula e diferencia, a vida os ultrapassa e garante. A própria vida faz sínteses, é o que conclui Zanotelli (2003).


2 A Dialética para Marx e Engels


Até aqui este ensaio sintetizou o conceito de dialética de forma geral. Cabe agora tratar-se da dialética de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) e das três leis da Dialética.
Marx e Engels estudam os fenômenos da natureza (incluindo os fenômenos sociais) para deduzir suas leis de funcionamento e para compreender a essência delas. É isso o que Engels faz em sua obra "O Anti-Dühring" de 1878.
Porém, para compreender essas leis é necessário compreender antes (e aceitar como tais) três pressupostos ou, como chama o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Augusto Triviños (em seu livro "Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais, 1987), categorias, que são:

1) A matéria: incriada, indestrutível e eterna, forma a realidade objetiva (o mundo, o universo), fora da mente humana sendo por pela apenas interpretada, copiada e sentida;

2) A consciência: é uma propriedade da matéria altamente organizada e que, por possuir propriedades muito especiais como as capacidades lógicas, a representação, a sensação, as formação dos juízos, a reflexão, produz imagens do mundo real. A consciência também é formada pela linguagem e pelo mundo do trabalho organizado que só é possível aos seres humanos;

3) A prática: é toda atividade humana material destinada a transformar a natureza e a vida social. Ela pode ser mais bem expressa na Décima Primeira Tese de Marx e Engels contra Feuerbach: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de formas diferentes, cabe transformá-lo".

Aceitas essas teses, parte-se para a dedução material das leis. A Primeira Lei, de acordo com o prof. Sílvio Sant'Anna (em seu ensaio: A cosmovisão dialético-materialista da história, 2009) é a da Passagem da Qualidade à Quantidade e Vice-versa. Ela diz que tudo muda na natureza ou na cultura humana, mas em ritmos quantitativamente diferentes. Já o professor Triviños exemplifica dizendo que os objetos têm propriedades e isso é sua qualidade que só pode ser conhecida quando se sabe suas propriedades, sua estrutura, sua função e a finalidade do objeto.

A água serve de exemplo quando se aumenta sua temperatura de zero a cem graus. Nesse caso, há uma mudança quantitativa na água, mas ela mantém as mesmas propriedades. Já quando atinge os cem graus, ela transforma-se em vapor se tornando uma substância com outras propriedades devido a alterações de quantidade (de temperatura). Da mesma forma, atingindo o ponto de gelo, ela não dissolve mais outras substâncias, transformando-se em algo completamente novo.

É daí que, em termos sociais, Marx e Engels defendem que a sociedade, quando quantitativamente seus índices de violência, desigualdade entre as classes sociais, aumento de operários sem condições de vida digna, mas também diminuição do analfabetismo e da condição de subnutrição, variarem, haverá a passagem do capitalismo para o socialismo, que é uma sociedade com propriedades completamente diferentes das do capitalismo.

Aqui é preciso observar que no pensamento de Marx e Engels é importante que se diminua as condições de subnutrição das pessoas e os índices de analfabetismo porque é só ocorrendo a seguinte condição material sine qua non que é: "o homem precisa vestir-se, abrigar-se e comer para depois fazer política, filosofia e religião", que poderá refletir sobre a sociedade.

Caso o capitalismo sofresse essa transformação quantitativa, a situação chegaria ao ponto de transformação assim como a água que ferve se transforma em vapor. O capitalismo, então, se tornaria outra coisa. Para Marx e Engels essa outra coisa é o socialismo em que há provisão de saúde, moradias, emprego e educação para todos, aumento da produção industrial e diminuição ou inexistência da divisão das classes sociais.

A Segunda lei é a "Lei da Contradição" e diz que todo objeto tem seu contrário e que concorrem ambos para a transformação. Esta lei é a essência do materialismo porque afirma que tanto na natureza quanto na cultura, a matéria está em movimento que é a propriedade para transformação, para a superação e para a mudança de qualquer fenômeno.

Ao se partir desse pressuposto de que toda a matéria e todo objeto, incluso o homem, são condicionados por seus horizontes históricos e que todas as sociedades conhecidas sempre estão divididas em classes sociais, cujo critério é o fator econômico, então toda classe também gera sua contraditória (senão se quer ferir as convenções da lógica formal, o melhor termo seria antagônico ou contrário porque contraditório é aquilo que não concorda com parte de um todo e não com a totalidade do mesmo). Por exemplo, é a classe dos capitalistas que possui, dentre outras, a propriedade de ser rica enquanto dona dos meios de produção, sua contrária é a classe operária em que uma de suas muitas propriedades é ser pobre e explorada pela outra. Nesse sentido, não existiria a classe capitalista sem a classe trabalhadora.


A Terceira Lei é a Lei da Negação da Negação e ela é essencial para a mudança de um estágio para outro. Como exemplo, pode-se pensar que a matéria evoluiu desde os aminoácidos até o complexo cérebro humano. Da mesma forma a sociedade, no mundo primitivo, não possuía a propriedade privada dos meios de produção, tudo era coletivo. Foi somente com sua evolução para organizações maiores como as cidades e para o Estado que surgiu a divisão do trabalho e a propriedade privada, ficando os frutos da produção nas mãos de poucos e surgindo, pouco a pouco, a desigualdade social.

Como para Marx e Engels toda classe gera sua contrária, o mundo Antigo escravocrata gerou a idade Média cujas classes eram os senhores feudais e os servos da gleba, e a Modernidade gerou os capitalistas e os trabalhadores assalariados e pobres.

Aqui se precisa compreender a diferença que Marx e Engels estabelecem entre evolução e revolução. Na primeira, não se alteram as qualidades quando ocorre uma mudança, seja na água que apenas ferve ou na sociedade que se agita. Na segunda, ocorre uma mudança completa na qualidade, pois o objeto se transforma em outra coisa completamente diferente do que era como a água que vira vapor ou uma sociedade que se revolta e estabelece, por exemplo, o fim da propriedade privada dos grandes meios de produção.

Conforme o professor Sant'Anna (2009) "a negação da negação" é como o movimento contrário de duas engrenagens que, girando para lados opostos garantem algo essencial para cumprir seu objetivo, o movimento. É a negação da negação entre duas teses (como as engrenagens) que gera o movimento (a síntese) que é a superação da contrariedade.


3 Há regras práticas para a análise dialética?


Sim, pelo menos é o que propõe o filósofo Henri Lefèbvre em sua obra "Lógica Formal, Lógica Dialética". Apesar de parecer uma redução da análise proposta por Marx, faz-se aqui de forma 'livre' tal síntese:

Diz ele que:

1) Deve o pesquisador dirigir-se à própria coisa. É a análise objetiva;

2) É preciso apreender o movimento interno da coisa;

3) Apreender as contradições da coisa;

4) Analisar as tendências das contradições da coisa;

5) Ter no horizonte que tudo é interdependente e, portanto, um mínimo detalhe sem importância em algum momento poderá ser fundamental em outro contexto;

6) Captar as transformações entre as contradições tendo em vista que sempre há um devir na história;

7) Ter em mente que a síntese é apenas outra tese e que, por isso, a verdade obtida nunca é absoluta;

8) Apreender as conexões e o movimento da ação;

9) Deve-se manter a dialeticidade do próprio ato da análise, ou seja, o pesquisador deve dar passos à frente, mas também para trás em sua análise, deve "reanalisar" todas as etapas e interpretações que fez na busca da verdade.



Disso tudo resulta que não se chega à "Verdade", mas a verdades. O pesquisador que se propõe analisar determinada realidade social do ponto de vista dialético deve também ter em mente que, como o próprio Marx já disse em sua "Crítica da Economia Política", esse ponto de vista é o do trabalhador.
Em última instância, não há um critério todo poderoso de garantia de que se chegará à Verdade por se usar a dialética, o que se pode endossar nesse sentido é que, como diz Moacir Gadotti em "Concepção dialética da educação" (2006), Marx adverte que toma esse ponto de vista porque é mais "nobre" por ser o contrário da classe burguesa (capitalista) dominante que precisa "mascarar", por meio da propaganda na mídia, periodicamente que atingiu seu status quo trabalhando sem explorar ninguém, honestamente e dentro da mais correta e ilibada moral.

Já o trabalhador não precisa mentir, pois ele não esconde de ninguém que seu objetivo na luta (na greve, na revolução) é a tomada dos meios de produção para a coletividade dos trabalhadores, um ponto de vista político, mas também ideológico, sem dúvida, que Marx nunca deixou de admitir.

Para encerrar, ficam as perguntas de sempre: mesmo que o socialismo seja apenas um momento histórico para o comunismo, o que garantirá que este virá se as experiências que se tiveram até hoje sempre mostraram um Estado poderoso que se construiu a partir de um "socialismo estatal" em que os trabalhadores tomaram parcialmente os meios de produção? O que garantirá que, uma vez realizada a revolução, todos os homens ficarão conscientes de que se deverá suprimir o egoísmo de uma parcela da população pela divisão consciente e justa dos bens conquistados?

O que garante que o critério de justiça (dar a cada um de acordo com sua necessidade) é justo, uma vez que há na essência humana e em sua história, pessoas que foram (e são) talentosas para o invento de coisas novas? Como estimular um cientista a desenvolver tecnologia apenas dizendo a ele que "ele será lembrado como o nome de uma rua ou escola?" Não é justo também dar-lhe uma motivação econômica? Mas fazendo isso, novamente, não se estimulará a concorrência, propriedade do objeto capitalista? Estará correta a visão antropológica, em geral, marxista que acredita que a essência humana é "boa", ao modo de Rousseau e que o socialismo poderia resgatá-la?

Por fim, o socialismo pressupõe uma tomada da consciência de que não é possível que uns tenham mais bens que os outros. Como evitar a prisão ou o assassinato dos discordantes do sistema?

O Comunismo é o fim das instituições existentes no Socialismo, até mesmo do Estado, mas como gerenciar a sociedade e seus produtos sem chefias ou, se as tiver, não permitir que essas se tornem gananciosas e, consequentemente, injustas?

Perguntas que incomodam os 'socialistas utópicos' e os 'socialistas acadêmicos' como chamava o próprio Marx, e aqueles que são socialistas anti-dialéticos em sua própria prática crítica.