Por Gerson Nei Lemos Schulz
Há "realmente" algo de diferente no encontro das 24 horas do dia 31 de dezembro com a zero hora do dia primeiro de janeiro?
Nada que também não haja nos demais dias do ano. Mas simbolicamente muitas pessoas costumam encerrar uma etapa de sua vida e, também simbolicamente, iniciar outra nesse momento.
Fazer promessas, simpatias (como se diz no Brasil), ouvir presságios e premonições de adivinhos e oráculos é uma prática também comum em nossos dias, mesmo além da Revolução Francesa que estabeleceu os estados nacionais como os conhecemos hoje, das duas Guerras Mundiais e de toda tecnologia que está a nossa disposição isso ainda é comum.
Parar de fumar, fazer regime para emagrecer, parar de beber, terminar um relacionamento amoroso ou se casar podem ser as promessas mais comuns e também as que menos são cumpridas. Mas isso mais parece um ritual do que garantia de efetividade de que isso acontecerá, pois dizer ou prometer tais coisas sempre é uma tentativa, ao que me parece, de auto-determinar sua própria existência, de manter a consciência de que ainda se pode exercer alguma liberdade sobre o tempo que escorre e sobre si mesmo!
Tempo. Quem não gostaria de controlá-lo? Quem não gostaria de ignorar que a cada ano novo que passa significa que estamos aqui (e quantos já são os que não estão mais?), mas também quer dizer que estamos mais perto daquele dia em que não estaremos?
Paradoxo? Não. Ao mesmo tempo em que estamos vivos, também estamos caminhando, à medida que vivemos, para o fim de nós mesmos, esse é um dos inescapáveis determinantes da condição humana!
Mas voltando a falar de decisões ou promessas que costumamos fazer, gostaria aqui de ampliar a voz de um texto de Zygmunt Bauman (44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, Zahar, 2011) que versa sobre anos novos e seus fantasmas. Diz ele (p. 128-9) que há promessas que não podemos deixar de cumprir, fala ele especialmente daquelas que dizem respeito sobre ações para evitar ou diminuir o aquecimento global e suas consequências em geral.
Ele nos lembra que esse fenômeno já aconteceu na Terra há 250 milhões de anos e que a temperatura do planeta subiu 10 graus. Naquela ocasião a causa foi uma erupção vulcânica que liberou dióxido de carbono na atmosfera e, posteriormente, por causa desse aquecimento, "acordou" as grandes massas de gás metano que estavam no fundo dos mares levando-os para a atmosfera. 95% das espécies foi extinta e as que sobraram sofreram as consequências disso pelos duzentos anos seguintes.
Ressalta Bauman que dessa vez a causa tem nome: raça humana. Esse cenário do passado poderá voltar mas dessa vez não por causa de erupções vulcânicas, mas por causa das ações irracionais de todos nós!
Indiscriminadamente o homem tem aterrado o mar (no Brasil isso aconteceu em lugares como Rio de Janeiro e Florianópolis), poluído indiscriminadamente o ar e as águas (algo que já nos parece 'natural', afinal são poucas as pessoas que até hoje não devem ter visto alguma vez na vida uma chaminé expelindo fumaça para os céus) já que, segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos da América, entre 2009 e 2010 houve um crescimento de 6% nas emissões de gases do efeito estufa.
Outro fator grave é a degradação florestal que, no caso do Brasil, no período de agosto de 2010 a julho de 2011, aumentou expressivamente em 241% conforme diz o pesquisador Paulo Barreto do www.imazon.org.br.
Ficam as perguntas: o que estamos efetivamente fazendo para mudar isso? Estamos pressionando nossos governos para criarem políticas públicas que facilitem a reciclagem do lixo e o seu não acúmulo junto a córregos e nascentes? E eu, o que estou fazendo com todo o lixo que produzo? A madeira que compõe minha escrivaninha tem origem em reflorestamento?
Não é novidade que os sinais da natureza estão em toda parte. São os solos congelados há milênios no Alaska que se derretem afundando as casas sobre eles construídas; a temperatura que aumenta nos estados do Norte do Brasil; o buraco na camada de ozônio; os ciclones extratropicais que atingiram o país nos últimos anos; as estranhas baixas temperaturas para a época de verão no Rio Grande do Sul entre o Natal e o Réveillon de 2011/2012.
Considero essas, com diz Bauman, questões que não podemos mais deixar para discutir no outro réveillon sob pena de não haver outro, pelo menos não para a raça humana! Feliz ano novo para você, para os seus e para mim também, assim espero!