Gerson N. L. Schulz
Nietzsche
(1844-1900) propôs a "transvaloração dos valores" religiosos e morais
quando denunciou que eles foram impostos pelos cristãos ao Ocidente após a queda do Império Romano. Por isso ele quer demonstrar que tanto a religião católica como a moral das igrejas cristãs são as
responsáveis pela infelicidade do homem na Terra.
Na
obra "O Nascimento da tragédia" de 1872, Nietzsche estabelece o ideal de homem para os gregos pré-socráticos. Aquele do período compreendido
entre a Grécia arcaica e o século VI a.C.
Este modelo é o homem da tragédia antiga.
Nietzsche
identifica esse espírito antigo com Dionísio, o espírito da força e da saúde,
da embriaguez criativa e da paixão sensual. Dionísio é o símbolo da harmonia do
homem pleno com a natureza. Ao lado do dionisíaco
estava também o apolíneo, ou seja, a
visão do sonho e a tentativa de expressar o sentido das coisas na medida e na
moderação, explicitando-se em figuras equilibradas e límpidas.
Mas
Apolo e Dionísio viviam em constante conflito entre si na mente do homem grego e sua
reconciliação também se dava de forma constante e era isso que mantinha o
equilíbrio na civilização. Porém, para ele, a Grécia começou a se modificar
quando, com Eurípedes, tentou-se eliminar da tragédia o elemento dionisíaco em
favor dos elementos morais e intelectualistas (apolíneos). Então, segundo o
autor, a luminosidade clara sobre a vida se transformou em superficialidade
silogística. Aí apareceu Sócrates com sua "presunção" de compreender e
dominar a vida com a razão e com isso também sobreveio a "decadência grega".
Negaram-se os instintos que traziam consigo a força vital. O apolíneo, puro e
simplesmente, foi manipulado pelos filósofos que estabeleceram a maiêutica como
recurso de quem não tinha mais arma para lutar.
Segundo
Nietzsche, Sócrates perverteu a juventude grega quando ensinou que os instintos
deveriam ser controlados e aniquilados e que o corpo era mau e seus sentidos não importavam
para o conhecimento, mas apenas a razão. É daí que Nietzsche afirma que toda moral
ocidental, desde Sócrates até o cristianismo, foi e é um equívoco porque os
moralistas pensaram que ditando regras estavam contribuindo para melhorar a
humanidade quando, ao contrário, estavam fazendo-a decair ao estabelecer que se
devia lutar contra os instintos vitais.
Para
Nietzsche, Sócrates tomou força nas teorias dos órficos e estabeleceu uma
crença num mundo de além ('espiritual' e 'superior') que rompeu as relações da
humanidade com a própria Terra e com aquilo que existe de mais vital, a
natureza. Essa pregação ao homem de que ele deve afastar-se do mundo buscando o
"além" acarretou uma mudança nos paradigmas que influenciou todo o Ocidente. Ou seja, ao tirar o "centro de gravidade" da Terra e pô-lo no outro mundo, descentralizou-se a Terra."
O
próprio Sócrates, afirmou Nietzsche, quis morrer ao não se defender diante dos
juízes em sua condenação. Jesus fez o mesmo. Conclui Nietzsche que Sócrates e
Jesus desprezavam os valores da Terra em prol de valores no além. E esse além não
passa de quimera.
Esses
dois personagens, segundo Nietzsche, são decadentes porque levaram a raça
humana a acreditar que a vida na Terra não vale a pena de ser vivida porque é
moralmente má e iníqua. Ao contrário, para Nietzsche negar este mundo é negar a
vida.
Nietzsche,
então, lança a "praga contra o cristianismo", subtítulo de sua obra
"Anticristo", escrito em 1888. É nesse livro que, após severas
críticas ao personagem "Jesus", Nietzsche acusa também o apóstolo Saulo
de Tarso de ter pervertido o cristianismo original, é em relação a isso que
Nietzsche ironiza afirmando que "o único cristão morreu pendurado na
cruz".
Paulo
teria então distorcido o cristianismo fazendo dele uma leitura universalista e
de acordo com a ótica judaico-romanizada. Seu intento era espraiá-lo para outros
povos esmagando as demais culturas, eliminando as diferenças características da
Eurásia e tornando todos "iguais". Além disso, Nietzsche denuncia que os cristãos pensam que o cristianismo é a única "verdade" que existe. Na história quando isso aconteceu essa doutrina iniciou o combate a outros grupos, religiões, pessoas e Estados muito mais antigos. Saulo
seria o responsável por essa versão pérfida porque é "castradora
da vida", negadora das diferenças, que chegou a Roma e, consequentemente,
à Europa.
Nietzsche
ressalta também que Jesus jamais pregou a castidade, a negação dos instintos
carnais, chama-o até mesmo de "inocente" porque pressupôs ingenuamente
uma humanidade ideal, disposta a se moralizar. O cristianismo, então, não contaria
que a negação da moral é justamente aquilo que permitia o funcionamento da
estrutura social. Em outras palavras, Nietzsche faz menção à pergunta:
"teria algum sentido o cristianismo existir caso não pensassem seus
pregadores que o mundo está doente?"
A
resposta de Nietzsche é "que não teria sentido algum". O cristianismo e os cristão
pensam que o mundo está "doente", corrompido, mas adverte Nietzsche
que pensar assim já é emitir um juízo de valor, então é mera opinião. É a
vontade de que o mundo esteja doente que faz o cristão atuar e pensar, ao agir,
que sua ação é a mais correta dentre todas. Isso, se infere, é um grande engano
porque o mundo é assim como é, nem bom, nem mal. Não há nenhuma doença nele. Essa doença é uma invenção
assim como é invenção o conceito de cura.
Nietzsche
põe em xeque as noções de "pecado original" e a ideia que afirma que
a humanidade está "doente". Para Nietzsche isso é falso, não há
pecado original algum. Nietzsche ironiza perguntando: "que deus louco é
esse que cria um doente e depois lhe oferece a cura apenas se o doente amá-lo?"
Assim
Nietzsche esvazia de sentido o cristianismo, pois não havendo pessoas que
acreditem que são más por natureza, não há necessidade alguma da existência do
cristianismo.
Nietzsche
não discute se "deus" existe ou não. Ele aponta o engano que há daqueles que consideram os padres como
"libertadores" do povo. Os únicos responsáveis por espalhar a culpa sobre a humanidade são os padres (inclusos também os
pastores cristãos). E são os padres e pastores, enquanto intérpretes dos textos
religiosos, que mantêm o poder de controlar as pessoas. Nietzsche conclui que eles, juntamente com o
cristianismo, são os verdadeiros algozes da humanidade que, falsa e hipocritamente, se
passam por "libertadores".