Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia
Jean Piaget |
No ensino da
filosofia da educação, disciplina geralmente integrante dos currículos dos
cursos de licenciatura no Brasil, estudam-se as mais diversas propostas
filosóficas voltadas para a escola.
Desde a Grécia
Antiga, por exemplo, com Sócrates, Platão e Aristóteles os pensadores já se
preocuparam com a escola. Platão fundou a academia e Aristóteles o Liceu. Antes
deles, outros pensadores como Pitágoras de Samos também já tinham fundado
instituições que se responsabilizaram em transmitir o conhecimento (CAMBI,
1999).
Por todo o longo
período da história ocidental, então, desde a Grécia até os séculos XIX e XX, o
homem se preocupou com a formação das pessoas. Com a transmissão do saber
técnico, moral, religioso, filosófico e científico.
Mas dentre as várias
propostas pensadas para a escola que surgiram na história ocidental, a maioria
delas era de cunho especulativo. Em outras palavras, os filósofos, ao longo do
exercício de reproduzir a cultura tradicional e na busca por novas formas de
pensamento a partir dessa cultura, prescreveram como deveria ser a política, a
ética, a sociedade e também a escola, especialmente acreditando que por meio
dela (da escola) uma parcela importante da consciência dos adultos seria
moldada e, assim, os valores culturais tradicionais se perpetuariam.
Apesar disso, a
partir do século XIX, com a cada vez mais acentuada separação entre os
diferentes ramos das ciências e a polarização entre ciências aplicadas ou
técnicas (matemática, física, astronomia, engenharias diversas e etc.) e as
emergentes ciências humanas (filosofia, sociologia, psicologia e etc), e
seguindo o modelo positivista de "fazer" ciência, que apostava na
possibilidade de se chegar à verdade por meio de um rigoroso método científico,
da exatidão matemática, do experimentalismo em laboratório e do estabelecimento
de leis (portanto, com validade universal), pouco a pouco a escola também foi
levada a se "cientificizar".
Assim, as pessoas que
viviam ao final do século XIX e início do século XX perceberam que aquele
momento histórico possuía uma característica diferente da de outros séculos.
Ocorria ali um progresso técnico-científico nunca antes visto. O homem produzia
aparelhos elétricos que mudavam rapidamente as relações entre as pessoas e o
meio social. A indústria usava cada vez mais o emprego das máquinas, da energia
elétrica. Motores, bombas de pressão, combustíveis eram cada vez mais
utilizados para substituir a força humana bruta. A lâmpada elétrica, o telefone
e o rádio mudaram para sempre a forma de a humanidade ver o mundo. Esse tipo de
sociedade mais dinâmica, com capacidade de produzir mais mercadorias e com
mais possibilidade de conforto do que no passado, precisava de uma nova escola. Além disso,
ainda antes dos anos 1930, a humanidade passou pela maior de todas as suas
guerras, a Primeira Guerra Mundial, ocasião em que a Europa apesar de toda sua
cultura e riqueza se aniquilou.
Desde o século XIX
não era mais suficiente a escola e a universidade produzirem pessoas que sabiam
apenas operar as novas máquinas desenvolvidas e amplamente empregadas nos
países mais ricos como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica e outros.
Era necessário também qualificar os operários, e criar as condições necessárias
para que os novos engenheiros, cientistas, estudiosos (das mais diversas áreas
do saber) pudessem exercitar livremente sua criatividade, realizar seus
experimentos, demonstrar suas teorias e produzir novas tecnologias que, se
acreditava, produziria mais riquezas.
Cena de "Tempos Modernos" |
Esse novo horizonte
social muito ligado à indústria, à produção, à rapidez e dinamicidade da
circulação de mercadorias, necessitava de uma nova forma de escola. Cada vez
mais aquele modelo de escola tradicional da Europa, comandada pela igreja
Católica ou Protestante, com forte cunho humanista e cristão, que se preocupava
com o ensino das letras clássicas e da filosofia, bem como com a transmissão de
conhecimento capaz de formar o caráter das pessoas que por ela passassem, se
tornava obsoleta.
Em meio à cultura da
investigação científica sobre todos os assuntos e ao progresso da medicina,
muitos estudiosos se deram conta que pouco se sabia sobre como o cérebro humano
funcionava. Como ele era capaz de assimilar informações, de aprender?
Especialmente com os
avanços da biologia e da psicologia experimental, alguns cientistas como Jean
Piaget (que iniciou sua carreira na área da filosofia mas se tornou um biólogo;
PIAGET, 1975), perceberam que a educação havia optado pelo caminho do
"dever-ser" e pouco se sabia como, de fato, funcionava a mente
humana. O problema era que a escola e o que ela ensinava parecia estar
"desconectado" da realidade com a qual as pessoas tomariam contato
fora da sala de aula na vida adulta.
A escola, assim, era
prescritiva no sentido de postular às crianças como elas deveriam se
comportar em sociedade contando que essa sociedade na qual elas cresceriam era
ética, justa, praticamente perfeita. As noções prescritivas de escola
trabalhavam sob a perspectiva humanista e, logo, com essa visão de sociedade
idealizada. Mas na prática esse modelo sob o qual a escola preparava as
crianças não existia no mundo real. Além disso, a escola, associada ao Estado,
à política, à moral, à igreja se preocupava em "amoldar" o futuro
cidadão sob a égide da religião judaico-cristã e da cultura greco-romana.
Autores como Piaget perceberam que aquele modelo de escola deixava um espaço
mínimo ou quase nenhum para o exercício da criatividade.
Outro fator
importante sobre a escola tradicional era que, naquele momento (se fosse
voltada para as pessoas pobres), ensinava conhecimentos profissionalizantes e
as primeiras letras, além de contar. Caso fosse voltada para os mais ricos,
ensinava conhecimentos clássicos (filosóficos, do âmbito do Direito, da
Economia e outros). Logo, além da distinção entre as pessoas pelo quesito renda
pessoal e origem social, a escola não respondia satisfatoriamente àquela
sociedade em cujo seio o capitalismo necessitava, a cada novo dia, de um tipo de
cidadão mais eficaz, eficiente, criativo, capaz de resolver problemas práticos,
para executar toda a complexidade das tarefas burocráticas do Estado, da
política, da administração mais racional e das atividades militares e
industriais.
Em 1932 é que, pouco
a pouco, desponta a figura de Piaget com sua obra "O juízo moral na
criança". Não menos importantes são: "A gênese do número na
criança" (1941), a "Representação do espaço na criança" (1948),
"Introdução à epistemologia genética" (1950), "O estruturalismo"
(1968) e "As ciências humanas" (1970).
Piaget inicia seus
estudos em busca de uma teoria de como o homem é capaz de pensar. Quais as
estruturas cerebrais são responsáveis por esse fenômeno, como o homem pode
aprender as coisas? É por isso que ele foi o teórico da "epistemologia
genética" "que é um ramo da psicologia que estuda as estruturas
lógicas da mente humana e os processos cognitivos pelos quais elas
amadurecem" (CAMBI, 1999, p. 609).
Para Piaget, na obra
"Sabedoria e Ilusões da Filosofia" (1975), o conhecimento se baseia
na experiência dos indivíduos. Por isso Cambi (1999, p. 610) afirma que ele dá
um caráter mais técnico à pedagogia, separando-a da psicologia. Piaget se
preocupa com a didática, com a aplicação das novas tecnologias à educação e com
a cientificização da pesquisa educativa (Id. p, 609).
Dentre suas
descobertas está a de que a mente da criança se caracteriza por uma
inteligência que parte do comportamento animista e subjetivista e que,
gradativamente, se adapta à objetividade e ao uso formal dos conceitos lógicos
(CAMBI, 1999). A partir de suas pesquisas, Piaget descobriu que o ser humano em
geral, em seu desenvolvimento, passa por quatro grandes estágios. O primeiro
deles se dá nos domínios da motricidade; o segundo, na atividade representativa
e o terceiro e o quarto no pensamento operatório.
Embora, nos dois
últimos estágios o desenvolvimento cognitivo transcorra no âmbito do pensamento
operatório, a diferença entre eles é constatada pelo fato de que no terceiro, o
pensamento operatório ainda está ligado ao concreto, enquanto que no quarto, o
mesmo pensamento tem ligação ao abstrato e formal. Os quatro estágios foram
denominados de sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório
formal.
Segundo Piaget a
inteligência dá saltos – muda de qualidade – e cada estágio representa uma
qualidade da inteligência. Os estágios significam ainda que existe uma
sequência e uma sucessão no desenvolvimento da inteligência e que esse
desenvolvimento passa, necessariamente, por cada um desses estágios.
Piaget descobre que
as crianças (do zero aos três anos) passam pela fase
"sensório-motora" que é caracterizada pelo pensamento egocêntrico e
pela indistinção entre seu corpo e os objetos. Dos dois aos sete anos de idade
a criança vive a fase "intuitiva". Para ele, a criança desenvolve
algumas habilidades como o domínio da linguagem e do desenho. No estágio dos
sete aos onze anos (chamada de "operatório-concreta"), a criança
aprende a pensar logicamente, distingue entre si e o mundo, aprende a
reconhecer as regras. E, por fim, há a fase "hipotético-dedutiva"
(dos onze aos catorze anos) que é crucial porque é nela que a criança começa a
lidar com as abstrações e raciocinar acerca do futuro, categorizar os objetos e
ser capaz de elaborar hipóteses e de proceder por via dedutiva. É aí que o
pensamento se torna adulto (PIAGET, 1999).
Também, na concepção
piagetiana, a construção do conhecimento se dá devido à interação do sujeito
com o meio físico e social. A essa teoria deu-se o nome de "Construtivismo".
No Construtivismo o que mais importa não é que o aluno repita frases e fórmulas
prontas para reproduzi-las, como era na escola tradicional. Importa é que ele,
diante do conhecimento formal – que Piaget chama de "tradicional" –
reinvente esse saber, almejando produzir e criar coisas novas. Foi essa
dinâmica, segundo Piaget, que permitiu o desenvolvimento, ao longo dos séculos,
da ciência. Por isso, para ele, a escola tem como dever fazer a ciência avançar
por meio da pesquisa (PIAGET, 1988).
Com base em tais
ideias, Piaget e seus discípulos como Montessori (1870-1952) e Claparède
(1873-1940), elaboraram uma proposta filosófica no campo da educação em que o
ensino deve respeitar as etapas do desenvolvimento da criança porque isso faria
com que elas obtivessem melhores resultados em seu processo de aprendizagem.
Mas a novidade piagetiana não se deu apenas no campo da teoria pura. A novidade
está no fato de que ele teorizou exatamente como faz o cientista das áreas
duras, ele investigou a partir do campo empírico (o que de fato se passava com
as crianças desde sua mais tenra infância) e fez isso com o uso de um
laboratório, portanto, da experimentação para, daí, estabelecer, a partir de
seus experimentos, as leis universais que regem a construção do pensamento.
É daí que ele
pretende garantir que suas conclusões – expostas em livros ou artigos – são, de
fato, verossímeis, pois que não partem da simples especulação (como partiam
todas as filosofias da educação anteriores), partem da experiência, do
estabelecimento de hipóteses, de sua comprovação ou não e, se comprovadas, da
formulação de leis universais.
Por conseguinte, para
Piaget, mais importante que o intelectualismo é a atividade experimental porque
é por meio dela que se pode investigar a verdade e chegar à universalidade, modus operandi que se configura
exatamente dentro da prática das ciências formais.
Para encerrar, Piaget
chama essa proposta de "escola ativa" porque, ao contrário da
"escola passiva" (que é como ele se refere à escola tradicional), sua
metodologia serviria para toda a vida da criança e não apenas para essa criança
"passar" com sucesso pelo sistema escolar. Em síntese, o ensino de
qualquer assunto deve ir do experimental ao conceito e jamais vice-versa. Em
última instância, a escola deve não só ensinar a ciência a todas às pessoas, o
método, mas também respeitar as fases biológicas pelas quais passa qualquer ser
humano a caminho do que há, para Piaget, de mais alto na escala evolutiva da
humanidade, o desenvolvimento da racionalidade.
Referências:
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1988.
______. Seis
Estudos de Psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
______. Sagesse et illusions de la
philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 1969. Sabedoria e ilusões da filosofia.
Traduzido por Zilda Abujamra Daeir. Coleção Os Pensadores. v. LI. São Paulo:
Abril, 1975.