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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PAULO FREIRE: PEDAGOGIA DE REBANHO?



Prof. Dr. Gerson Nei Lemos Schulz
Editor do Blog





Atualmente ainda é muito comum ouvir-se nas escolas e nas graduações, especialmente de Pedagogia nas universidades, discursos como os dos professores Saviani ou Paulo Freire. As chamadas "pedagogias críticas".

Saviani, por exemplo, afirma em "Escola e democracia" (1983), que a "pedagogia revolucionária", acredita na igualdade essencial entre as pessoas. E que essa igualdade deve ser entendida em termos reais e não apenas formais (1983, p. 68). Então, o objetivo da educação crítica e revolucionária, segundo ele, é servir de instrumento para a instauração de uma sociedade igualitária. E, com esse fim, torna-se obrigatório que as classes exploradas e oprimidas tomem consciência de que é fundamental se apropriar da escola como instrumento para a "libertação" de sua condição de oprimidos.

Assim, nessa perspectiva, é essencial impor que a escola, e também o trabalho dos professores, intente a superação do modelo de sociedade vigente para a construção de uma sociedade sem classes, a sociedade socialista (SAVIANI, Pedagogia histórico-crítica, 1991, p. 105).

Por seu turno, a pedagogia de Paulo Freire – cujo ponto alto está em palavras-chave como "opressão", "libertação", "conscientização" –, segundo a professora Maria Manuela Alves Garcia (da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas em sua tese: 'A função pastoral-disciplinar das pedagogias críticas', UFRGS, 2000), tem como proposta educacional a "pedagogia libertadora" e essa não deve propor meramente conteúdos ou conhecimentos escolares, nem meras técnicas para se chegar à alfabetização ou à especialização, a fim de obter qualificação profissional ou pensamento crítico. Esses métodos – continua ela citando Freire – devem, sim, levar os sujeitos à "intimidade da sociedade" e à "razão de ser" de cada objeto de estudo. Analisa ela que "o discurso libertador 'ilumina' a realidade no contexto do desenvolvimento do trabalho intelectual sério" e, concomitantemente, ilumina e esclarece também a razão e as consciências.

Pode-se perceber que ocorre aqui uma "iluminação" e um "esclarecimento" que resultam do exercício da reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo, "[...] do exame de consciência e do exame do mundo em que transcorre a existência daqueles que estão aprendendo" (FREIRE & SHOR, Medo e ousadia, 1987, p. 24-25).

Para a professora, a produção do cidadão racional, masculino, (auto)reflexivo e autônomo – em outras palavras – o sujeito ou a classe social plenamente desenvolvidos, a redenção e a salvação de si mesmo e da humanidade, pelo poder libertador da razão e da ação humanas, sintetizam os enunciados de pedagogias que se auto-intitulam: "pedagogias revolucionárias", "sócio-histórica", "histórico-crítica", "crítico-social dos conteúdos", "libertadora", "da conscientização", "da autonomia", e "da esperança", quando tratam das finalidades, das metas ou da teleologia da educação e do trabalho "didático-pedagógico crítico e progressista". É por isso que em sua tese a professora defende a ideia de que essas pedagogias são "pastorais" e "disciplinares".

As reflexões da professora me levam a perceber que essas pedagogias são moralizantes e moralistas, que pregam a "libertação" e a "autonomia", mas fazem justamente o contrário. Ela leva a crer que tais pedagogias são atos que tentam inculcar no indivíduo que todos são bons por natureza (tese rousseuniana do século XVIII) que também embasa as teorias marxistas do século XIX e XX. E, da mesma forma, são também a expressão tardia do Iluminismo francês do século XVIII quando pregam que há uma realidade que precisa ser desvelada, iluminada. Marx chega a afirmar que existe uma classe (geralmente chamada de burguesia) que falseia a realidade e a distorce para seu benefício em detrimento dos operários. Então é preciso revelar para as pessoas a "verdade", – o que é um ato de fé quando se acredita que existe apenas uma verdade – e qual verdade? – aquela que é propagada pela vanguarda intelectual que se dá a autoridade de "formar" o coletivo!

Outro argumento duvidoso é o que afirma que essa revelação da "verdade" se dá pela "conscientização", que é um processo pedagógico criado pelo coletivo das pessoas que se intitulam oprimidas ou excluídas. Dessa forma, a conscientização, quando ato pedagógico, pode ser adquirida na família, na igreja, mas especialmente na escola, pois é o lugar que desfruta de maior tempo obrigatório de audiência para os estudantes. É aí que o trabalho do professor é relevante ao funcionar como "guia", "pastor" (função outrora atribuída aos padres).

O guia é aquele que conduzirá os indivíduos para a "libertação" por meio da "conscientização". Então o professor/pastor, de posse do conhecimento a partir da perspectiva da luta de classes, levará – inevitavelmente – a sociedade ao socialismo, verdade "incontestável", "justa" e "absoluta" nas propostas pedagógicas libertadoras e histórico-críticas. Mas aqui pergunto: tais pedagogias não dão seguimento ao erro de Marx quando advogou a possibilidade do socialismo ser científico, acreditando que uma ideologia (o socialismo) poderia ter status de ciência?

A dinâmica dessas propostas implica que todos no coletivo se policiem para não cair na "tentação" de distorcer a realidade em seu benefício nem cair em algum modo de interpretar a sociedade por outro viés que não o da luta de classes e o do socialismo. Mas não é essa pedagogia um 'moralismo'? Pois, à medida que afirma que existe um "inimigo do povo" que deve ser perseguido e combatido a qualquer custo sob pena de (caso isso não ocorra) todo o projeto desabar e a sociedade "conscientizada" sofrer com a injustiça, a opressão, a desigualdade – palavras comuns tanto no discurso de Freire e de Saviani); e não é sem essa "conscientização iluminada" voltada para a igualdade das classes que se tem o "reino" das condutas da imoralidade? Condutas essas "imorais" apenas porque não são fruto da doutrina socialista? Não é também moralizante à medida que obriga todos que acreditam em seu "auto-de-fé" a se policiarem a si próprios, lutando para manter coeso e motivado o grupo (a sociedade) sob a mesma doutrinação ideológica para conseguir conquistar seu objetivo, a sociedade sem classes do socialismo? Além disso, as propostas desses autores parecem moralistas e moralizantes à medida que incorporam aos seus discursos as dicotomias presentes no binarismo das palavras "justo/injusto, "bom/mau", "pensar certo/pensar errado" e etc. Os autores não percebem que ao propor modelos de educação universalistas e totalizantes, eles seguem a mesma filosofia da educação que criticam e que provêm do Iluminismo francês. Também não percebem que suas propostas não têm qualquer possibilidade de se dizerem "melhor" ou "pior" que outras filosofias da educação porque são apenas discursos – propostas e concepções particulares de mundo – e, como tal, carregados de valorações subjetivas.


Sigo esta reflexão indagando: e o que a escola tem que ver com isso?
Ao considerar os argumentos favoráveis às teorias críticas concluo que a educação, nessa proposta, torna-se o que Nietzsche chama de "educação de rebanho". Uma educação para ovelhas, para bois...
Nietzsche, em "A genealogia da moral" (1974), faz severas críticas à moral ocidental afirmando que ela nunca deixou de ser, mesmo na modernidade racionalista, uma "moral de padres", ou como ele diz: uma "moral de rebanho". A moral de rebanho é aquela que pretende tornar os diferentes em iguais.

Assim, a escola que aplica qualquer uma das chamadas teorias críticas na sala de aula se torna uma instituição que, ao invés de permitir que o ser humano se desenvolva de acordo com seus potenciais, colabora para que haja um tipo de "castração" de ideias porque, na prática, contribui para que seja instaurado e oficializado um discurso doutrinário que promete a "libertação", porém, disfarçado de doutrinação. Quando uma escola qualquer adota tais discursos, alegando que eles são os únicos que portam a "verdade", ela deixa de ser uma instituição de formação para a pluralidade de pensamento e passa a ser um instrumento de "formação de rebanhos" porque toma indivíduos com potenciais diferentes, modos de pensar diferentes, e os padroniza por meio dos conteúdos reproduzidos pela figura da autoridade professoral. Conteúdos estes que estão de acordo com o que pensa a vanguarda que é formada pelos "intelectuais" que governam o coletivo.

Veja também

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2010/05/por-que-nietzsche-nao-e-cristao.html

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2012/12/paulo-freire-inside-out.html

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2013/03/o-opressor-e-o-oprimido-na-perspectiva.html



Então, essas propostas falham escandalosamente porque prometem a "libertação" e a "autonomia" mas impõem (e aqui acaba a liberdade) a padronização e o pensamento único e finda a "autonomia" quando esta é substituída pela heteronomia do coletivismo.

Enfim, a escola institui e mantém assim uma "ditadura do coletivo" sobre os indivíduos. Por isso, para Nietzsche, em uma sociedade coletivista, todos são policiais de todos. Há uma vigilância ininterrupta sobre cada um, exercida por todos para que em momento algum um dos membros se desgarre – tal qual ocorre com as ovelhas que – às vezes – se desgarram da tutela do pastor – que promete as conduzir sempre ao "bom caminho".



REFERÊNCIAS




FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia; o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GARCIA, Maria Manuela Alves. A função pastoral-disciplinar das pedagogias críticas. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação da UFRGS, 2000.


NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. In: Os Pensadores. 1. ed. v. XXXII. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica; primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.

______. Escola e democracia II – para além da teoria da curvatura da vara. In: ______. Escola e democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1983, p. 62-84.