Gerson Nei Lemos Schulz
Outro dia, nas férias de dezembro, estava na casa da minha mãe, uma pessoa que ama animais e que tem nada mais que cinco cães, sete gatos e um casal de frangos. Bom, assim como ela há milhares, talvez milhões de pessoas que fazem a mesma coisa, criam animais em casa, convivem com eles e os tratam como membros da família. É difícil até imaginar alguém que, quando criança, não tenha tido o seu "Totó"! Mas esse fato, não fosse tão cotidiano, causou uma situação que merece uma análise filosófica, e me levou a refletir que os animais não têm cultura, história ou língua.
Para a filósofa Marilena Chaui, cultura é aquilo que é produzido pelo homem, o que não é natural no mundo. Podemos dizer que é a rede de significados que dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, tudo aquilo que a sociedade em geral produz. Essa rede engloba crenças, valores, costumes, leis, moral, línguas etc.
A História, grosso modo, é a memória; aquilo que dá significado ontológico aos fatos (o Ser dos fatos), o que permite relacionar o antes e o depois, criar referências para que o homem se situe no mundo, envolve a noção de tempo e espaço.
Já a língua é o conjunto de regras e sinais que determinadas comunidades usam para se comunicar. São as regras gramaticais em geral. A língua é local, pertence a determinado povo. Por exemplo, o idioma inglês só é entendido pelo povo inglês, ou por quem estude e domine a gramática dessa língua. E isso difere de linguagem que pode ser verbal ou não-verbal. E os animais tem linguagem, pois, assim como você (se for homem) pode sorrir para uma mulher bonita na fila do ônibus, um cão abana sua cauda para o dono que chega, isso é linguagem, usada em contextos e para fins diferentes, mas tem o mesmo significado, representa ou indica uma situação agradável para quem a expressa.
Mas você deve estar curioso para saber porque pensei e escrevi sobre estes conceitos complexos e o que isso tem que ver com as férias! Por causa de uma cena que, caso não fosse triste até certo ponto, seria engraçada. Uma das cadelinhas morreu devido a uma doença comum aos nossos amigos caninos, a parvovirose. Era a "Preta" e ela morreu diante de seus progenitores. Sobrou para mim fazer o enterro, já que alguém tinha que cavar o buraco no jardim, embaixo da goiabeira. Durante os funerais, enquanto eu descia o corpo da morta ao fundo da cova, o progenitor macho da família descansava cochilando sobre a grama fresca olhando o enterro apático. Fechado o sepulcro, ele permaneceu lá, amorfo, descansando. Aí me perguntei: o que faria um pai humano na mesma situação?
Certamente espernearia, choraria, se revoltaria, sentiria uma tristeza profunda. Por quê?
Porque o ser humano tem cultura, história e língua. Tem memória. Sabe a diferença entre o ontem e o hoje. É capaz de dar significado ontológico às coisas, até mesmo inanimadas, humaniza o que não é humano. O animal não é capaz de fazer isso, pelo menos não por si mesmo, e aqueles que fazem algo diferente de sua natureza são adestrados pelos humanos.
Concluindo, ainda resta uma pergunta a ser respondida: quem é mais feliz, quem tem cultura, história e língua ou quem não tem? Achou que eu daria a resposta? Não darei, não, porque eu não sei [...]