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terça-feira, 11 de maio de 2010

A VERDADE NÃO EXISTE

Gerson N. L. Schulz


 Pirro de Élida
(360-270 a.C.)
A afirmação que serve de título para este artigo foi feita pelo filósofo Pirro de Élida (360-270 a.C.) que divulgava a filosofia cética. Para os céticos não é possível ao homem saber a verdade, apenas ter impressões da verdade.

Como consequência, não se pode saber nada sobre o justo e o injusto, a verdade e a falsidade, em hipótese alguma. Segundo Urbano Zilles (em seu livro de Teoria do Conhecimento, 2006), ser sábio - para o cético  - consiste na sképsis, isto é, na investigação ou na busca pela verdade que não pode ser atingida pela razão humana. A conclusão lógica que se extrai daí é que esta é uma busca inglória!

O ceticismo é uma desconfiança e uma insatisfação contra todas as propostas filosóficas de se estabelecer uma verdade, por isso os céticos dizem que a verdade não existe à medida que várias são as leituras possíveis da realidade e todas parecem coerentes. Como não se pode saber qual delas está certa, então todas são abandonadas. Nesse sentido é uma atitude pessimista em relação ao mundo. Por isso a dúvida é o único método confiável, isto é, a dúvida metódica é a metodologia para a busca da sabedoria. Em outras palavras, a única coisa da qual o cético não duvida é da dúvida. Isso leva a uma contradição lógica como também é a frase que abre o artigo, pois você não acha que aquele que afirma que a verdade não existe já está afirmando uma verdade?

Apesar disso, o ceticismo continua até os dias de hoje. As ciências em geral se utilizam dele para fundamentar suas investigações. Em termos práticos, o ceticismo leva à epoché, isto é, a uma suspensão dos juízos (pré-conceitos) sobre qualquer coisa. O verdadeiro cético é aquele que busca e pratica a ataraxia ou imperturbabilidade da consciência. A ataraxia consiste em não se deixar abalar por nada, não se preocupar com nada. Em um trocadilho: o cético apenas se preocupa em não se preocupar!

Em termos éticos a felicidade cética é obtida a partir dessa indiferença com as coisas (apatia), pois à medida que a realidade não incomoda a consciência, que não existe preocupação com o bem ou o mal, com o justo ou não justo, surgem o autodomínio e a independência, causas da felicidade.

Por fim, apesar de suas contradições e do pessimismo sobre a verdade, o ceticismo apresenta algo de positivo, a tolerância. A causa da tolerância é que se não se pode conhecer a verdade e se se apresentam vários caminhos que tentam chegar a ela, isso significa que, desconhecendo-se qual é essa "verdade", todos os caminhos podem ser válidos para atingi-la. É assim que a verdade se torna uma perspectiva e não um dogma.

NIETZSCHE E AS RELIGIÕES

Gerson N. L. Schulz



Friedrich Nietzsche
1844-1900
O objetivo deste artigo é sintetizar o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), a respeito de um tema que até hoje é caro para muitas pessoas, a religião.

Nietzsche é um autor que se debruça sobre o assunto e por isso faz uma severa crítica ao mesmo, analisando especialmente a religião cristã. Ao contrapor-se a ela em pleno século XIX, ele levantou uma bandeira que buscava combater sua moral e ética.

Para Nietzsche o Ocidente, ao adotar a ética cristã, negou o mundo real. Então, segundo essa tese, a doutrina judaico-cristã, com seu conceito de um "deus castigador", moralista e juiz de homens, serviu apenas como uma espécie de cabresto para controlar e reprimir a humanidade. Jesus, com ideias como ressurreição e mundo melhor após a morte, segundo Nietzsche, apenas contribuiu para que todos se penitenciassem para escapar do suposto castigo celestial. Para o filósofo alemão o ser humano não tem alma alguma, como dizem as religiões, daí, a partir dessa perspectiva, a ideia de "pecado original" não faz mais sentido.

O homem é fruto da natureza, de acordo com ele, e sua consciência perece com a morte. Nietzsche denuncia que o que se chama "pecado" não passa de uma invenção que alimenta o medo, que por sua vez é o fundamento da moral cristã. Uma moral que se impõe aos crentes por força das pregações dos sacerdotes ao repetir uma ideia primordial da figura de Jesus, a de que "deus" pune os maus mandando-os para o inferno.

Nietzsche diz que esse medo gera angústia diante da vida e o homem que acredita nas "verdades" religiosas, sedento do alívio da ira de "deus", procura na religião o perdão de "deus". Mas essa dinâmica religiosa não se completa sem a existência dos padres, pastores, reverendos em geral. Nietzsche mostra que há um "administrador" do perdão de "deus", e esse administrador é o sacerdote. Assim a lei divina, quando proclamada pela boca do sacerdote, se transforma na moral vigente. Há uma máscara sobre "deus" porque o sacerdote ganha para si o poder da lei, personificando "deus". E como o crente professa que a lei vem de um "deus" e que este "deus" precisa de intérpretes, os homens reconhecem o sacerdote como o mensageiro e o juiz de "deus". Logo, o sacerdote se torna quem controla o divino (porque interpreta a lei e 'sabe' o que 'deus' quer dos homens), controlando as coisas do mundo terreno e o comportamento das pessoas por meio da moral.

Por conseguinte, o crente se deixa guiar passionalmente, acreditando que o sacerdote o levará ao paraíso com a graça de "deus". Para Nietzsche, esse "deus" é falso porque ele só existe na boca dos sacerdotes e na letra de seu suposto "livro sagrado". Consequentemente, "deus" é uma muleta que serve para o homem amenizar sua fraqueza carnal diante do mundo real onde se adoece, se sofre, se passa frio, fome e, finalmente, morre-se. Com esses argumentos, o filósofo alemão rejeita a doutrina cristã, chamando-a de "moral de rebanho". Essa moral, para ele, é uma moral de fracos que se unem para louvar "deus" (que não passa de um tipo de cabresto) e pedir seu perdão. A verdade da filosofia de Nietzsche aponta que a moral cristã, que alega arrebanhar crentes para cultuar seu "deus", na prática, recruta pessoas que se sentem culpadas para que esse "deus" seja reconhecido como o libertador. Então, o homem, ao desprezar a si mesmo, eleva seu "deus" e torna-o algoz do próprio homem. Foi por isso que Nietzsche lançou a frase: "Deus está morto". Ele quis dizer com ela que "deus" foi desmascarado. O conceito foi "genealogizado". Nietzsche buscou a origem do conceito e percebeu que ele nada tem de origem divina. Sua origem é terrena e pertence ao campo do imaginário mais primitivo da raça humana. O conceito "deus" é uma invenção da humanidade que, com o tempo, institucionalizou esse conceito e criou as religiões para fundamentar a moral, as leis de um grupo, clã ou tribo. Ao longo do tempo esse fundamento não foi mais questionado e passou a ser aceito por todas as gerações subsequentes, tornando-se a cultura geral que determinou o pensamento, o comportamento, a economia, a política, não só de um povo, mas com o surgimento do cristianismo e sua aceitação pelo ocidente, essa mesma invenção se tornou universal.

Nietzsche denuncia que o cristianismo parte de premissas que têm grande chance de serem falsas. Uma delas é a ideia da existência de uma entidade superior que pune todos os homens. Outra é a existência de uma figura humana que supostamente ressuscitou dentre os mortos (Jesus). Além disso, o autor aponta que há uma classe sacerdotal que usa a religião para se beneficiar da boa fé alheia.

Apesar de Nietzsche criticar o darwinismo em sua obra "Vontade de Potência", ele aceita a premissa de que o homem é um ser da natureza e, como tal, é um animal. É por isso que Nietzsche considera um erro alguém tentar "melhorar" o homem, assim como faz a doutrina cristã, quando quer mudá-lo para algo "melhor". O filósofo suspeita de toda e qualquer doutrina que deseja "melhorar" algo ou alguém pois, para ele, quando se anuncia tal desejo, isso significa que se aceita o princípio que afirma que o objeto ou ser precisa ser "melhorado", ensinado. Pressupõe que o mesmo aceite também sua condição de inferioridade e, como se isso não bastasse, necessário se faz que seja aceito o intermédio de um "melhorador" que, no caso das religiões, se trata do guia, do profeta, do padre ou do pastor.

No caso do povo de Israel, desde a consolidação do deus Javeh e sua aceitação por todos, esse "deus" e sua doutrina, por meio do que diziam os sacerdotes, passou a determinar a vida cotidiana dos cidadãos e seu comportamento sobre o qual se desenvolveu a ideia de que o homem deve buscar, constantemente, sua evolução moral enquanto indivíduo. A mesma coisa fez a figura de Jesus quando instituiu sua "nova moral". Ele o fez em nome do "deus-cabresto", acusa Nietzsche (é como se dissesse: siga meus ensinamentos ou o meu deus, que é o deus verdadeiro, te punirá). Na visão de Nietzsche, Jesus prometia um tipo de "libertação", mas o que trouxe não passou de outra "prisão", pois para ser "salvo", de acordo com a nova doutrina, o crente precisa aceitar as regras da religião de Jesus e acreditar que ele era o filho de "deus".

Faço algumas perguntas a partir das reflexões nietzscheanas: "se perdoar é contentar um "deus" ou cumprir sua lei para escapar de uma possível punição na vida após a morte, há valor ético no perdão?" Caso o homem perdoe por conta do medo da punição divina, há sinceridade no perdão?

Quando os seres humanos afirmam que a vontade de "deus" deve ser concretizada, eles negam a si mesmos porque negam sua vontade pessoal (em se tratando do homem que deseja vingança, que teve o orgulho ou a honra feridos e etc.) pelo medo de "deus" e, assim, perdoam! Ao mesmo tempo, faz perceber o filósofo Nietzsche, o homem se reprime, reprime seus instintos, suas características vingativas e, com isso, se volta para seu interior com medo do mundo. Torna-se, em alguns casos, um covarde que necessita da figura de "deus" para lhe proteger contra os outros homens; que ele acredita estarem sempre sob o domínio do mal! A consequência direta é que essa fuga para seu próprio interior cria pessoas conformistas com seus infortúnios no mundo. Pessoas que são fáceis de manipular e enganar, pois o sacerdote, para o filósofo, cria a doença (a angústia diante do mundo, a ideia de que o homem precisa se aperfeiçoar, a ideia do homem pecador, desgraçado e etc.) e, ao mesmo tempo, esse mesmo sacerdote, apresenta o remédio para a cura de seus problemas, a quem é chamado de "salvador" (deus, Jesus, religião).

A partir das ideias de Nietzsche, comparo o sacerdote a um médico pouco honesto que convence um indivíduo que ele está doente (sem estar) e depois oferece a esse pseudo-enfermo, a cura para seus males. Esse pseudo-doente, para a filosofia nietzscheana, não consegue questionar as afirmações que o médico (sacerdote) lhe faz porque renuncia ao pensamento crítico.

Por fim, para superar isso é que Nietzsche propõe uma ética a ser praticada por aqueles que têm coragem de enfrentar a vida sem se ajoelhar diante dos deuses e das ameaças de seus sacerdotes. Por quem não considera verdadeiras as crenças na existência do "reino dos céus" nem espera as "recompensas" no mundo de além. Essa ética pergunta: "um homem que deseja vingança, apesar disso, não pode optar pelo perdão, caso isso lhe cause mais bem-estar que o ato de matar outrem? Será que uma pessoa está proibida de praticar a caridade apenas porque não teme a ira divina? Um ateu ou agnóstico não pode ajudar outrem pelo simples ato de ter prazer de ver seu semelhante em boa situação?

Em outras palavras, posso dizer que "existe vida" fora da religião e de sua moral. Quem se põe fora delas vive em um universo onde se perdoa alguém ou não, de acordo com o grau de satisfação que esse perdão ou atitudes altruístas lhe causam (é o sentimento de bem estar consigo) e não com a moral vigente ou com a vontade de alguma igreja. Para Nietzsche o homem faz escolhas de acordo com suas tendências naturais. Por isso algumas vezes ele decide ser altruísta, outras praticar a maldade contra alguém. Assim, pode-se concluir que, sob certo aspecto, até mesmo os sacerdotes pregam a existência de um ser superior porque têm prazer nisso. Alguns (os sacerdotes que compreendem a dinâmica de círculo vicioso da religião) porque gostam de perverter, controlar ou são sádicos com as pessoas que se subordinam a eles nas igrejas; outros porque são ingênuos quando não percebem essa dinâmica e nem que são úteis funcionários a alimentar a máquina que produz o medo.