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sábado, 11 de setembro de 2010

A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS


Gerson Nei Lemos Schulz



No Brasil ainda é novidade, mas nos E.U.A há o Institute for the Advancement of Philosophy for Children que se preocupa com o desenvolvimento do raciocínio infantil. Por isso Mathew Lipman se preocupou com o ensino de filosofia nas séries iniciais. Para ele, desde suas origens, a filosofia tem sido a única disciplina capaz de dar os critérios que tornam possível distinguir entre bons e maus raciocínios. Ela também se preocupa com o desenvolvimento das habilidades de raciocínio, o esclarecimento de conceitos, a análise dos significados e com o cultivo de atitudes que levam a questionar, investigar e tentar, de várias maneiras, buscar os significados e a verdade.

Mathew Lipman
1922-2010
Lipman diz que o pedagogo não pode ensinar filosofia porque há disciplinas que ele não domina como a lógica, por exemplo. Então pergunta: sem saber lógica, como alguém poderá pensar criticamente? Por isso propõe a filosofia para crianças que parte do ensino da lógica formal por meio de novelas (pequenas histórias envolvendo problemas do dia-a-dia). Essas novelas filosóficas buscam desenvolver na criança o pensamento crítico. Mas que pensamento crítico? Fazer com que a criança aprenda a comprovar seus argumentos.

Por exemplo, depois de ler e encenar uma novelinha filosófica sobre o conhecimento científico e o conhecimento de senso-comum onde os personagens são: a Terra, a Lua e o Sol, o professor pode organizar um debate e por à prova as curiosidades da turma. Quando o professor percebe que algumas opiniões são errôneas, ele não dirá ao aluno que ele está errado. Assim, algum aluno pode afirmar que: "o Sol gira em torno da Terra." E outro pode dizer: " Não, é a Terra que gira em torno do Sol." Então o professor expõe as duas opiniões à classe que refletirá com base na novela que acabou de ler. Caso não saiba responder, o professor pede ao aluno que deu a primeira resposta para comprovar o que está dizendo. O aluno pode argumentar que quando ele está com seu pai num barco no rio Amazonas, às seis da manhã, o Sol se 'levanta'. – Ok! Essa é uma boa resposta. Dirá o professor. – Afinal, há lógica aí e a humanidade pensou que isso era certo durante todo o medievo.

Por outro lado, o professor pedirá à classe para refletir sobre o argumento do colega. Enquanto solicita ao outro que disse que a Terra gira em torno do Sol que comprove. Ele poderá afirmar: "a novelinha mostrou que nos eclipses lunares é a sombra da Terra que 'tapa' a Lua." – Outra resposta excelente! Poderá arrematar o professor. E aí? Pergunta-se às crianças. "Quem tem razão?"

Outro aluno(a) pode intervir: "A minha mãe disse que é o Sol que gira em torno da Terra." Outro(a) colega pode ponderar: "Quando acontece o eclipse do Sol é a Lua que 'tapa' o Sol." E ainda outro pode cogitar: "Eu visitei um planetário e vi que todos os planetas giram em torno do Sol." Por meio do método indutivo, o professor ajuntará os argumentos favoráveis à tese, e contrários para debater.

Enfim, o professor é mediador na discussão, não senhor da verdade. A tese que tiver a seu favor mais argumentos comprovados, vence. Então, no debate filosófico, são apontadas teses e antíteses que convergem para a síntese que se abre para nova tese.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A TENDÊNCIA LIBERAL E SUAS INFLUÊNCIAS NA ESCOLA TRADICIONAL

Gerson Nei Lemos Schulz



A escola tradicional nasce com a Modernidade por volta do século XVI. Ela é profundamente influenciada pela tendência liberal de educação (liberal no sentido econômico, filosófico, social). Inicialmente a escola tradicional, como se conhece hoje, era revolucionária como é o caso da proposta de Comênio (1592-1670).
A escola tradicional que nasce com a Modernidade acusava a escola medieval de ser contemplativa, desvinculada do mundo real (do mundo moderno voltado para o comércio e para a indústria), de ser de inspiração religiosa, preocupada em formar uma classe de "nobres" que rapidamente caminhava para a falência.
Com o crescimento da classe burguesa, em ascensão, precisava-se de uma escola dinâmica, voltada para aquele mundo em rápida mudança, que formasse técnicos capacitados para o comércio e atividades industriais. Conseqüentemente surgiu também outra classe que não era proprietária dos meios de produção (os trabalhadores assalariados), e eles também precisavam de formação (mas de uma formação rasteira como o aprendizado dos rudimentos da escrita e do cálculo).
Aí aparece uma divisão na escola porque algumas se preocupam com o ensino dos ricos e outras com o ensino dos pobres. De acordo com Gadotti (História das Idéias Pedagógicas, 2005), a partir de Napoleão Bonaparte o Estado assume a educação visando fomentar o desenvolvimento das novas ciências: física, química, biologia.
Para Aranha (Filosofia da Educação, 1996) a dinâmica da escola tradicional quanto à relação professor aluno é magistrocêntrica (centrada no professor). O professor é inquestionável, detentor do conhecimento, modelo a ser seguido. Ele controla o processo de ensino e aprendizagem. O aluno é mero receptor de conteúdos. É passivo diante de um conhecimento pré-concebido e que é inquestionável porque tem valor comercial ou industrial.
A disciplina adquire grande valor e o esforço intelectual individual se sobrepõe ao coletivo, isto é, cria-se todo um conjunto de punições para castigar os perdedores (aqueles que não se saem bem nas provas) e de recompensas para premiar os mais competentes que obtém sucesso nas avaliações. Logo, esse tipo de escola é bastante seletivo e até hoje, baseado nele, tem-se o vestibular.
Quanto ao método, baseia-se em aulas expositivas. O professor ministra conteúdos e depois "cobra de volta" na prova. O modelo também privilegia a memorização de informações mais que sua crítica. Para Gadotti (2005) esse seria o principal defeito do modelo tradicional.
A escola tradicional foi adotada pelos jesuítas, protestantes, iluministas e no século XIX pelos positivistas com Augusto Comte (1798-1857) com seu cientificismo e a crença de que a ciência (racional e técnica) poderia salvar a humanidade de todos seus malefícios.
Enfim, a educação da escola tradicional ainda é muito presente e pode-se concluir que ela parte de pressupostos empiristas e indutivistas. A filosofia empirista afirma que nenhum conhecimento chega ao intelecto sem antes passar pelos sentidos, o mesmo acontece com a escola tradicional, ou seja, seu currículo, ao se preocupar com a realidade dos problemas práticos, privilegia a experiência e não a abstração. Ao mesmo tempo ela é indutiva, parte de problemas particulares para problemas universais, transmitindo a idéia que se uma teoria resolveu mil casos, poderá resolver todos os casos semelhantes, sem considerar a exceção.

domingo, 29 de agosto de 2010

GALILEU E A CIÊNCIA MODERNA

Gerson Nei Lemos Schulz



Para iniciar este artigo falando sobre os feitos de Galileu Galilei (1564-1642) e a inauguração da ciência moderna é preciso falar também em seus antecessores modernos: Nicolau Copérnico (1473-1543), Thyco Brahe (1546-1601) e Johannes Kepler (1571-1630).

Para Reale (História da Filosofia, 1990) Copérnico não criou sua teoria do nada, pois o próprio Copérnico descobriu que antes dele Iceta de Siracusa (séc. V a.C.), e os pitagóricos Filolau (Séc. V a.C.) e Ecfanto (séc. IV a.C.), além de Heraclides do Ponto, pensavam que a Terra girava. Além disso, Copérnico, estudando em Bolonha, entrou em contato com os neoplatônicos que, dentre outras, coisas acreditavam como Platão que o Sol equivalia a Deus, e também que o deus platônico era um deus geômetra. Então, a matemática tinha vital importância, além das meras observações valorizadas pelos aristotélicos que dominavam o pensamento filosófico e a teologia da época e acreditavam que a Terra estava imóvel no universo. Os aristotélicos também acreditavam que as órbitas dos planetas eram círculos perfeitos e que estes se sustentavam no universo com arcos de Éter, e o próprio universo estava cheio dessa substância, o que garantia a mecânica celestial.

Copérnico, insatisfeito com o modelo ptolomaico-aristotélico  - porque este não permitia prever com exatidão a posição dos astros no céu (importante para o calendário), desenvolveu outro baseado em cálculos e na geometria que publicado em De Revolutionibus Orbium Celestium, onde é o Sol que se fixa no centro e os demais planetas giram ao seu entorno.

Teologicamente, o modelo tradicional garantia a hegemonia da igreja Cristã sobre a vida dos mortais, pois com a idéia de que a Terra era o centro do Universo justificava-se o lugar especial que o homem tem dentro do mito da criação.

Para Guy Consolmagno, do Observatório do Vaticano, se acreditava que abaixo da Terra, no espaço, ficava o inferno. Já para o astrônomo de Harvard, Owen Gingerich, os cristãos, baseados no livro bíblico de Josué (10,13), acreditavam que a Terra estava parada porque, nesta passagem, Josué pede ao deus judeu para parar o Sol, a fim de os israelitas ganharem a batalha de Gideon. Por isso, a teoria copernicana contradizia a bíblia. Copérnico também afirmava que a Terra girava em volta de seu eixo a 1190 Km/h e a 50.000 km/h ao redor do Sol, de acordo com o físico teórico Julian Barbour, e por isso poucos acreditaram nele. Em valores de hoje são respectivamente: 1679 km/h e 107.244 km/h.

Já Thyco Brahe foi um opositor de Copérnico e concebeu um sistema intermediário onde a Terra continuava sendo o centro do universo, mas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno giravam em torno do Sol. Apesar de ele estar errado foi o responsável pela demonstração da não existência das esferas cristalinas que se suspeitava existir para guiar os planetas em suas órbitas, a partir da observação de um cometa cuja órbita "invadia" a de outros planetas, como, então, sua órbita não se chocaria com os arcos cristalinos? Sua conclusão óbvia foi: eles não existiam.

Mas a ciência moderna começa, de fato, com Johannes Kepler (discípulo de Brahe), astrônomo e astrólogo, que depois de dez anos, na obra Mysterium Cosmographicus, publica a fundamentação matemática do sistema copernicano. Também, estudando a olho nu - como todos até então - ele consegue explicar algo que ninguém havia explicado: o movimento irregular de Marte em sua Nova Astronomia. Kepler tentou enquadrar Marte em órbitas circulares, mas essa concepção faliu. Foi somente quando ele encaixou Marte numa órbita elíptica é que seu sistema se harmonizou, como afirma em sua obra. Para Reale (1990, p. 246), Kepler não só construiu um modelo espetacular do sistema solar onde os planetas giram ao redor do Sol em órbitas elípticas, como também inaugura um método científico que é hipotético-indutivo (observacional), ou seja, hipotético porque o cientista elabora várias hipóteses para resolver um problema e depois vai testando uma a uma (indutivamente), se alguma delas responde à questão universal, então o cientista testa essa hipótese em outras situações semelhantes, se ela funcionar, estabelece-se uma lei geral, a lei científica.

Admitindo as órbitas planetárias elípticas, Kepler pôde prever com absoluta certeza a posição dos astros no céu e essa era a prova necessária para comprovar sua teoria. Pode-se afirmar que nisso se baseia a ciência. Algo, para ser científico, carece necessariamente de comprovação empírica, norteada por uma teoria. E Kepler conseguiu isso com sucesso.

De acordo com Dava Sobel, no livro "A filha de Galileu", Foi em 1609 que Galileu aperfeiçoou um brinquedo, a luneta, e a transformou em um instrumento de ciência. Galileu teve de aprender sozinho o processo de polimento de lentes. Inicialmente, vendeu alguns exemplares dela para o Depósito Naval de Veneza. A luneta permitia observarem-se navios no mar que só seriam vistos a olho nu duas horas depois, ao se aproximar do porto. O feito era inédito porque permitia que os venezianos se preparassem para um ataque inimigo iminente. Isso rendeu a Galileu uma boa pensão. Mas seu mérito maior foi quando apontou a luneta para o céu pela primeira vez em toda a história da humanidade e, com esse ato, descobriu as luas de Júpiter jamais vistas antes. Reale diz que a luneta sofreu resistências porque até essa época as lentes eram vistas como coisas para velhos e doentes e muitas autoridades se negavam a mirar por elas por causa desse preconceito, sem dúvida, perdendo a oportunidade de olhar para o futuro da ciência.

Para Reale (1990) o mérito de Galileu foi ter inaugurado a instrumentalização da ciência. Galileu deu à ciência, além da matemática, os instrumentos necessários para sua prática. É no Siderius Nuncius que Galileu publica suas observações com a luneta que construiu e aumentou o poder do olho humano em quase mil vezes. Com ela, ele observou que a lua tem uma superfície extremamente irregular como a Terra: com vales, montanhas e crateras. Assim, ele se opôs ao sistema aristotélico que dividia o mundo em sublunar e supralunar, onde o supralunar era perfeito. Os dois mundos, para Galileu, são iguais. Ele observou ainda milhares de outras estrelas fixas no universo que não podiam ser vistas a olho nu, observou que Vênus apresenta fases como a lua terrestre, o que só podia ser explicado considerando-se a teoria de Copérnico. Com a luneta ele descobriu as manchas solares e os anéis de Saturno.

Tudo isso, de acordo com Thomas Kuhn em "A estrutura das revoluções científicas" (2009), muda radicalmente a forma do homem se ver no universo. Fica claro, a partir de Galileu, que dois sistemas de mundo estavam em conflito, o da igreja Cristã, incluindo o protestantismo que também acreditava que a Terra era o centro, contra o sistema copernicano (REALE; ANTISERI, 1990). E Galileu é copernicano porque as evidências são inegáveis, o que lhe gera dois processos por parte da inquisição católica e uma condenação à prisão perpétua em casa, e a proibição de pesquisar astronomia.

Pensa-se impossível hoje em dia não atribuir esse desfecho de Galileu à ignorância atrelada ao dogmatismo da tradição católica. Outro exemplo citado por Reale (1990) são os argumentos infundados do jesuíta Cristovan Scheiner que disse que as manchas solares eram satélites do sol ou astros próximos a ele. O que não passava de um absurdo, pois a luneta revelava que tais manchas apareciam "do nada" e sumiam para "o nada" ao longo do dia, e elas sugeriam que o Sol também se movia. Um segundo exemplo é o do jesuíta e matemático Cristovan Klau que afirmou, para salvar a idéia de que a lua era perfeita como o Sol, que ela seria coberta por uma substância cristalina, com isso ele queria salvar a esfericidade perfeita da lua e garantir a crença tradicional de que a "obra divina" era perfeita. Apenas Galileu estava correto.

Além dessas descobertas fantásticas para a época e usando instrumentos rudes, contando o tempo, fundamental para a realização de muitas experiências, no próprio pulso, porém com grande exatidão ou em hidras, mesmo assim, ele conseguiu fazer ciência. Em busca da prova concreta de que a Terra se movia, Galileu estudou o movimento desenvolvendo fórmulas matemáticas para seu cálculo que são usadas até hoje. Galileu chegou a estabelecer a relatividade do movimento, fundamental para as pesquisas de Einstein 263 anos depois quando disse que o homem não podia sentir a Terra se movendo porque a Terra passa seu movimento a todos os objetos que estão sobre ela.

Mas apesar de Galileu ser um homem de ciência, ele também tinha seus preconceitos e cometeu um grande erro ao acreditar que as marés podiam ser a prova empírica do movimento da Terra, pois ele, como astrônomo, não admitia que os astrólogos estivessem certos, ou seja, que a lua tinha algo que ver com o movimento das marés. Para provar que a Terra se movia ainda faltava nascer Sr. Isaac Newton.

Mas Galileu também desbanca a física de Aristóteles que afirmava que dois corpos de massas diferentes caem ao solo em tempos diferentes, isso Galileu demonstrou ser falso. Ele também retomou Arquimedes e as alavancas e estabeleceu valiosas leis físicas do movimento. Ao construir um laboratório onde aplicou rigorosamente outro método, o hipotético-dedutivo (REALE; ANTISERI, 1990, p. 290) ele inaugurou algo novo, a ciência que é não só a observação da natureza, mas a reconstrução de seus fenômenos em laboratório, baseados em uma teoria que o cientista vai comprovar ou não, por isso hipotético-dedutivo. Apesar de ter hipóteses particulares a comprovar, o método é racionalista (com origem em Platão) porque o cientista é quem dá as regras da observação e não a natureza, o que torna o experimento controlável. Ou seja, é o cientista quem deduz matematicamente a hipótese correta para determinado fenômeno, se ela explica este fenômeno então o cientista a aplica a outros fenômenos, tornando-a lei universal.

Galileu mostra que a ciência não é Ancilla Theologiae (escrava da teologia) cristã como era a Filosofia que estava a serviço da fé no mundo medieval, ela é algo completamente novo que se opõe a dogmas filosóficos e teológicos. As primeiras academias de ciências não foram fundadas em universidades, mas fora delas, opondo-se a elas, inclusive (KUHN, 2009).

Enfim, Galileu não inaugura a ciência moderna sozinho, sem precedentes ele não teria conseguido muito, mas entre seus méritos está o de mostrar que a tradição estava errada. Que nem tudo aquilo que os filósofos ou cientistas herdam da tradição religiosa ou metafísica é correto. Esse pensamento fundamenta a teoria de Kuhn em sua obra já citada de que de tempos em tempos os cientistas voltam à estaca zero, isto é, precisam rever seus conceitos para poder enxergar mais longe e encontrar soluções novas para novos problemas, e Galileu fez isso, alargando as fronteiras humanas acima da ignorância.

sábado, 28 de agosto de 2010

A TENDÊNCIA LIBERAL E A EDUCAÇÃO

Gerson Nei Lemos Schulz
Artigo originalmente publicado no Jornal Leia Agora



A partir do início da modernidade, que ocorreu por volta de 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, os reinos europeus adotaram uma nova forma de organização econômica que gradualmente deixou para trás o feudalismo (sistema de vassalagem submissa à nobreza onde o Estado era submisso à igreja Católica) e adotaram outro, voltado para a produção de grandes quantidades de mercadoria, para o comércio dessas mercadorias e onde retorna o uso de moedas em larga escala. Aí o lucro passou a motivar tal atividade.



Adam Smith (1723 - 1790)
Com isso surgiu uma nova classe social, a burguesia. A burguesia, tal como definiu o filósofo Karl Marx (1818-1883) é a classe oposta aos senhores feudais. Ao contrário daquela, a burguesia é uma classe urbana e burguês é quem é dono dos grandes meios de produção: fábricas, bancos, lojas. Mas é preciso dizer que o dono do mercadinho, farmácia ou lojinha não é "burguês", Marx os chamou de pequeno-burgueses, para este autor até os professores são pequeno-burgueses porque vivem o ideário econômico da burguesia.



Para Adam Smith, considerado o "pai" do capitalismo moderno, o sistema capitalista visa o lucro sobre atividades de comércio e indústria e o liberalismo é sua ideologia. Assim, liberalismo é a doutrina que admite que todos os homens são livres e a livre inciativa, o empreendedorismo e as capacidades individuais são sobrepostas ao coletivismo. Por conseguinte, o Estado liberal é burguês porque defende a propriedade privada.



Mas independentemente das discussões sobre o sistema econômico, em relação à educação e às tendências pedagógicas ocorre que o liberalismo também está presente na escola. Atualmente a tendência liberal é alicerce de outras tendências como a da escola tradicional, escola nova e escola tecnicista que serão discutidas em outra oportunidade.



Segundo Aranha (Filosofia da Educação, 1996) uma educação liberal parte do princípio que cada um dos homens é diferente do outro, portanto em uma sala de aula explica-se a diferença de notas entre um aluno e outro obtida nas provas, ou seja, a explicação para esse fato oferecida pela tendência liberal é que nem todos têm as mesmas capacidades, uns são, necessariamente, mais inteligentes que outros, daí a diferença entre as notas. É como em um concurso público, os mais capazes, mais preparados, conquistam uma vaga.



Tal como é na escola, entre as empresas, ocorre a livre concorrência onde aquelas em que seus proprietários são mais competentes se mantêm no mercado, e onde aquelas em que seus proprietários não são tão capazes fecham as portas. A tendência liberal em educação diz que na escola o professor deve incentivar a livre concorrência entre seus alunos, pois isso além de prepará-los para o mercado de trabalho altamente competitivo, faz emergir suas qualidades pessoais.



Quanto ao professor, a escola liberal afirma que ele deve se qualificar porque a competição vale para todos, independentemente de sua função. O liberalismo acredita que se todos buscarem a livre concorrência a sociedade evoluirá cada vez mais para um estado ótimo de qualidade de vida, especialmente porque com cada membro que a compõe dando o máximo de si estarão garantidos os benefícios econômicos que podem ser reinvestidos na própria sociedade.



Por fim, sabe-se hoje que este projeto deu certo em parte, pois a livre concorrência entre indivíduos proposta pelo liberalismo não leva em consideração fatores externos, um exemplo ilustrativo é o caso de um aluno brilhante que no dia do vestibular fica muito resfriado e febril, será que em tais condições ele fará uma boa prova e conquistará sua vaga na universidade? O liberalismo também não leva em consideração a origem social das pessoas partindo do princípio que todos, mesmo indivíduos com mais ou menos capital têm, necessariamente, as mesmas condições de obter sucesso em algum empreendimento, seja conquistar uma vaga na universidade, seja garantir a continuidade de uma empresa dentro da livre-concorrência. 



quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O QUE É EMPIRISMO?

Gerson Nei Lemos Schulz



O que é empirismo? Qual o reflexo dessa posição filosófica para a ciência?



Para fazer a relação é preciso definir o que é empirismo. Toda pessoa que acredita que o cérebro humano é como uma "tábula rasa", isto é, como uma folha de papel em branco onde alguém, munido de uma caneta, pode anotar o que quiser, é empirista. A idéia de tábula rasa é mencionada por John Locke (1632-1704) que como Francis Bacon (1561-1626) era empirista. Essa interpretação do mundo nasceu e difundiu-se na Inglaterra em contraposição ao racionalismo cartesiano que despreza a experiência empírica.



Bacon escreveu uma obra chamada "Novum Organum" em oposição a Aristóteles (384-322 a.C.). Aristóteles admitia que nada chega à mente sem antes passar pelos sentidos. A isso Bacon acrescenta algo que Aristóteles deixou de fora do processo de formação do conhecimento, a demonstração. O empirismo parte do método indutivo para chegar a proposições universais. Assim a experiência empírica realizada exaustivamente e sob rigoroso controle do método científico garante a verdade para os empiristas, essa forma de analisar a natureza é o fundamento da ciência moderna. A ciência moderna não é meramente lógica e observacional como era a epistemologia do mundo antigo e medieval, ela é empírica à medida que usa laboratórios para comprovar hipóteses e compreender as leis da natureza expressando-as em linguagem simbólica (lógica e matemática).



Bacon que foi filósofo-cientista realizou experiências empíricas a fim de descobrir um processo para conservação de carnes (já que não havia geladeiras no século XVI). Por isso ele ficou famoso quando aperfeiçoou o processo de defumação da carne de porco. Ele percebeu que uma peça de toucinho exposta à fumaça de madeiras se conservava por mais tempo. É por isso que o toucinho é também conhecido por "Bacon". A fim de guiar o cientista a fazer ciência Bacon adverte sobre os quatro erros comuns dos homens que ele chama de "ídolos". São estes: 1) Idola tribos (ídolos da tribo): os erros da raça humana fundamentados na natureza como tal (onde não se sabe o verdadeiro porquê das coisas); 2) Idola specus (ídolos da caverna): determinados pelas disposições subjetivas de cada pessoa; 3) Idola fori (ídolos do fórum): erros que se comete no dia-a-dia (opiniões ou ambigüidade das palavras); 4) Idola theatri (ídolos do teatro): erros provenientes das escolas filosóficas que substituem o mundo real por um mundo de fantasia, de teorias.



Concluindo, tanto para Bacon quanto para Locke a natureza deve ser dominada e para isso é preciso o homem, por meio da ciência, entendê-la e representá-la com teorias guiadas pela matemática e fundamentas pela experiência, ou seja, comprovadas empiricamente. A grande novidade da ciência é que as experiências realizadas pelos cientistas, se controladas metodicamente, podem ser universalizadas, repetidas a qualquer tempo, desde que nas mesmas condições, por qualquer pessoa e esta, necessariamente, chegará aos mesmos resultados. Mas a ciência de hoje, embora muito influenciada pelo empirismo, é empírico-formal, ou seja, extrai das experiências empíricas as leis universais que são forjadas matematicamente.

sábado, 14 de agosto de 2010

O RACIONALISMO DE RENÉ DESCARTES

Gerson Nei Lemos Schulz


Você é racionalista? Quantas vezes em seu dia-a-dia já se observou afirmando para alguém que não se precisa de nenhuma experiência para saber que determinada ação dará errado. Quantas vezes você já ouviu a famosa frase: "eu te avisei!"

Bem, quando alguém menciona a frase acima parece desprezar a experiência ou querer impedir que alguém passe por alguma situação que considera desagradável. Nesse caso essa postura pode ser considerada racionalista. E foi o filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo moderno e também o pai da filosofia moderna, quem melhor sistematizou estas idéias. Descartes queria construir uma filosofia inspirada no modelo matemático, isto é, ele desejava que a filosofia e suas respostas especulativas fossem tão exatas quanto a matemática.

Para isso ele desenvolveu uma teoria do conhecimento e também um método, o método científico. Hoje ninguém concebe qualquer ciência sem a existência do método. Por isso pode-se considerar Descartes o primeiro filósofo a agir como cientista, ou seja, o mérito cartesiano (pois seu nome em latim é Cartesius) é associar a ciência ao método de pesquisa. Antes dele outras pessoas já tinham usado métodos científicos como Galileu e Copérnico, mas ele foi o primeiro a teorizar o próprio método. E é isso que garante a cientificidade da própria ciência, o método empregado pelo cientista. Pois é a partir do método que outros cientistas podem, ao repetir experiências, chegar ou não aos mesmos resultados garantindo a universalidade do conhecimento que, então, poderá ser aceito como verdadeiro.

Mas Descartes também tem outras facetas e uma delas é defender o racionalismo. Seu método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de modo algum, a evidência sensível ou empírica. Ele diz que "os sentidos nos enganam, suas indicações são confusas e obscuras, só as idéias da razão são claras e distintas." Para ele o ato da razão que percebe diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular a evidência intuitiva das naturezas simples. Logo, a dedução nada mais é do que uma intuição continuada.

Por exemplo, para Descartes não é preciso uma pessoa experimentar açúcar para saber que é doce, pois é o próprio homem quem afirma que o açúcar é doce porque antes de experimentá-lo já traz em sua "alma" (no cogito - no pensamento) a ideia de doce. O mesmo se dá com o salgado e os outros sabores ou odores. Então, no cartesianismo, as idéias têm total supremacia sobre a realidade, a própria realidade é formada apenas pelas idéias que temos dela. Descartes inaugura a subjetividade moderna em oposição à objetividade antiga e medieval. Agora é o homem quem diz o que é a realidade e não a realidade que diz o que é o homem.

Por fim, no cotidiano, grosso modo, qualquer postura que afirme que as idéias superam a realidade ou que elas têm supremacia sobre o real, pode ser considerada uma postura racionalista.

sábado, 24 de julho de 2010

PAULO FREIRE ÀS AVESSAS



Gerson Nei Lemos Schulz

Publicado originalmente no jornal impresso "Leia Agora"
de Macapá - Amapá




Paulo Freire
Uma das grandes dúvidas que o alunado tem em relação à escola é quanto à avaliação. Perguntam-me: avaliar é justo ou não?

E a maioria dos argumentos invocam Paulo Freire (1921-1997). Leitor de Marx, ele que se dizia pós-moderno, porém, não sem referenciais, segundo Gomercindo Ghiggi, Dr. da Universidade Federal de Pelotas – RS que tem tese de doutorado sobre ele. Freire acreditava que alfabetizar não é apenas ser "caridoso" com o próximo e ensinar-lhe mecanicamente as letras, é possibilitar ao próximo ser livre. Mas de que liberdade ele falava?

Freire acreditava que ser livre é ter consciência de suas possibilidades. Por isso, saber ler e escrever, conforme afirma em sua "Pedagogia do Oprimido", não é suficiente. Pois este é apenas o início para se aprender a contar a própria história. A proposta freiriana não é um sistema, embora muitos chamem assim, como diz Gadotti (2005), ela é a luta de classes dentro da escola. Freire toma de Marx o conceito de opressores e oprimidos. Mas ele não quer que os oprimidos (os trabalhadores) se tornem opressores, quer que os opressores também se conscientizem de que oprimem. É claro, uma perspectiva utópica de Freire!

Entretanto, é preciso ter em mente que ao ler-se Freire não se pode tomá-lo como bandeira romântica para realizar-se a "revolução" na escola. Embora o senso-comum acredite que ele advoga a abolição da avaliação, isso é uma leitura apressada. Freire critica a escola Positivista. Nela, para ele, há mera reprodução da ideologia dominante capitalista e a avaliação é o instrumento opressor que reprova os menos "aptos" para alimentar o sistema. Aqui é preciso lembrar que Freire dizia-se socialista. Mas mesmo assim ele também afirma em "conscientização" que o trabalhador, se quiser adotar uma postura capitalista, pode, desde que possa escolhê-la. É por isso que Freire defende a conscientização como primeiro passo para a emancipação social. Essa postura tem um problema grave que pode ser exposto na seguinte pergunta: "se ser consciente é criticar o capitalismo e substituí-lo por um sistema social mais "justo" (que seria o socialismo), quem faz a crítica ao socialismo? 

É claro que ele tem razão ao constatar que em um sistema social que preza a desigualdade econômica a criança com acesso a um bom café da manhã, a um bom almoço e a recursos de aprendizagem terá melhor rendimento que a criança que não tem isso! Mas é importante também lembrar que Freire não propôs uma "escola formal". Ao contrário, sua proposta é para ser executada em qualquer lugar em que pessoas tenham interesse em aprender. Já, na escola formal, a avaliação existe como forma de quantificar e qualificar a aprendizagem. A avaliação, portanto, não visa julgar a pessoa, mas verificar o aproveitamento do aluno frente ao que o professor ensinou. Por outro lado, se a avaliação for ignorada enquanto processo como saber quem re-significou o conteúdo? Deixar o aluno interpretar o conhecimento de acordo com sua "opinião ingênua" (como diz o próprio Freire) é deixá-lo no senso-comum, justamente de onde a escola quer tirá-lo.


Muitos não querem ver...
Muitos discentes confundem o ato de avaliar com medir a pessoa do aluno. O que é um engano. Para Demo (2002), a negação da marca classificatória da avaliação implica desconhecer o contexto da escola. Isso acontece quando se evita avaliar, porque também é avaliar. Para ele, dispensar a avaliação é imaginar que todos sejam iguais na sociedade e esta é a classificação mais autoritária que existe.

A mesma coisa ocorre quanto à frequência obrigatória em sala de aula. Essa é determinada pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que afirma que o aluno(a) deve ter, no mínimo, setenta e cinco por cento de presenças em um curso formal para que seu aprendizado possa ser considerado válido. Embora discutido por alguns, é isso que a Lei determina. E, da mesma forma, vários são os alunos(as) que sempre pressionam o professor para passar-lhes um "trabalho" para compensar as faltas que por ventura tiveram ao longo do semestre sem entender que aprendizado é algo diferente de estar presenta às aulas. Frequência não é aprendizado, é a prova de ter estado presente a uma carga horária mínima para se considerar um curso válido para o próprio educando. Embora não seja avaliação, a presença mínima a um curso possibilita ao professor conhecer de perto o aluno ou aluna, a auxiliar-lhe nas dificuldades com o conteúdo trabalhado em sua disciplina e garante (dependendo do tipo de avaliação solicitada aos alunos) que o professor tenha certeza de estar sendo justo com todos que compareceram às aulas e mais, assim o professor pode também emitir seu parecer sobre o aprendizado efetivo do alunado considerando todos os seus pontos fortes e aqueles em que deve melhorar o desempenho. Além disso, a assiduidade do aluno garante em alguns casos (na era da internet) que o trabalho assinado pelo alunado seja realmente uma produção dele, pois por mais modesta que seja esta, é melhor do que um plágio.

Karl Marx
Enfim, avaliação e frequência andam juntas não só porque a lei determina, mas porque não parece justo que o aluno que se esforçou, compareceu às aulas e participou do curso demonstrando interesse seja desvalorizado perante àquele que não teve o mesmo desempenho. Mas qual a solução provisória para o debate? Adoto Masetto (2005) perguntando-me: o que meus alunos precisam aprender para se tornarem cidadãos profissionais na contemporaneidade? Certamente que não ler Freire às avessas como muitos fazem!





Referências

DEMO, Pedro. Mitologias da Avaliação: de como ignorar, em vez de enfrentar problemas. 2. ed. Campinas: Editora Autores Associados, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 

GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática: 2005.

MASETTO, Marcos. Docência da Universidade. Campinas: Papirus, 2005.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acessado em: 22 de julho de 2010, 03:44:38.


terça-feira, 11 de maio de 2010

A VERDADE NÃO EXISTE

Gerson N. L. Schulz


 Pirro de Élida
(360-270 a.C.)
A afirmação que serve de título para este artigo foi feita pelo filósofo Pirro de Élida (360-270 a.C.) que divulgava a filosofia cética. Para os céticos não é possível ao homem saber a verdade, apenas ter impressões da verdade.

Como consequência, não se pode saber nada sobre o justo e o injusto, a verdade e a falsidade, em hipótese alguma. Segundo Urbano Zilles (em seu livro de Teoria do Conhecimento, 2006), ser sábio - para o cético  - consiste na sképsis, isto é, na investigação ou na busca pela verdade que não pode ser atingida pela razão humana. A conclusão lógica que se extrai daí é que esta é uma busca inglória!

O ceticismo é uma desconfiança e uma insatisfação contra todas as propostas filosóficas de se estabelecer uma verdade, por isso os céticos dizem que a verdade não existe à medida que várias são as leituras possíveis da realidade e todas parecem coerentes. Como não se pode saber qual delas está certa, então todas são abandonadas. Nesse sentido é uma atitude pessimista em relação ao mundo. Por isso a dúvida é o único método confiável, isto é, a dúvida metódica é a metodologia para a busca da sabedoria. Em outras palavras, a única coisa da qual o cético não duvida é da dúvida. Isso leva a uma contradição lógica como também é a frase que abre o artigo, pois você não acha que aquele que afirma que a verdade não existe já está afirmando uma verdade?

Apesar disso, o ceticismo continua até os dias de hoje. As ciências em geral se utilizam dele para fundamentar suas investigações. Em termos práticos, o ceticismo leva à epoché, isto é, a uma suspensão dos juízos (pré-conceitos) sobre qualquer coisa. O verdadeiro cético é aquele que busca e pratica a ataraxia ou imperturbabilidade da consciência. A ataraxia consiste em não se deixar abalar por nada, não se preocupar com nada. Em um trocadilho: o cético apenas se preocupa em não se preocupar!

Em termos éticos a felicidade cética é obtida a partir dessa indiferença com as coisas (apatia), pois à medida que a realidade não incomoda a consciência, que não existe preocupação com o bem ou o mal, com o justo ou não justo, surgem o autodomínio e a independência, causas da felicidade.

Por fim, apesar de suas contradições e do pessimismo sobre a verdade, o ceticismo apresenta algo de positivo, a tolerância. A causa da tolerância é que se não se pode conhecer a verdade e se se apresentam vários caminhos que tentam chegar a ela, isso significa que, desconhecendo-se qual é essa "verdade", todos os caminhos podem ser válidos para atingi-la. É assim que a verdade se torna uma perspectiva e não um dogma.

NIETZSCHE E AS RELIGIÕES

Gerson N. L. Schulz



Friedrich Nietzsche
1844-1900
O objetivo deste artigo é sintetizar o pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), a respeito de um tema que até hoje é caro para muitas pessoas, a religião.

Nietzsche é um autor que se debruça sobre o assunto e por isso faz uma severa crítica ao mesmo, analisando especialmente a religião cristã. Ao contrapor-se a ela em pleno século XIX, ele levantou uma bandeira que buscava combater sua moral e ética.

Para Nietzsche o Ocidente, ao adotar a ética cristã, negou o mundo real. Então, segundo essa tese, a doutrina judaico-cristã, com seu conceito de um "deus castigador", moralista e juiz de homens, serviu apenas como uma espécie de cabresto para controlar e reprimir a humanidade. Jesus, com ideias como ressurreição e mundo melhor após a morte, segundo Nietzsche, apenas contribuiu para que todos se penitenciassem para escapar do suposto castigo celestial. Para o filósofo alemão o ser humano não tem alma alguma, como dizem as religiões, daí, a partir dessa perspectiva, a ideia de "pecado original" não faz mais sentido.

O homem é fruto da natureza, de acordo com ele, e sua consciência perece com a morte. Nietzsche denuncia que o que se chama "pecado" não passa de uma invenção que alimenta o medo, que por sua vez é o fundamento da moral cristã. Uma moral que se impõe aos crentes por força das pregações dos sacerdotes ao repetir uma ideia primordial da figura de Jesus, a de que "deus" pune os maus mandando-os para o inferno.

Nietzsche diz que esse medo gera angústia diante da vida e o homem que acredita nas "verdades" religiosas, sedento do alívio da ira de "deus", procura na religião o perdão de "deus". Mas essa dinâmica religiosa não se completa sem a existência dos padres, pastores, reverendos em geral. Nietzsche mostra que há um "administrador" do perdão de "deus", e esse administrador é o sacerdote. Assim a lei divina, quando proclamada pela boca do sacerdote, se transforma na moral vigente. Há uma máscara sobre "deus" porque o sacerdote ganha para si o poder da lei, personificando "deus". E como o crente professa que a lei vem de um "deus" e que este "deus" precisa de intérpretes, os homens reconhecem o sacerdote como o mensageiro e o juiz de "deus". Logo, o sacerdote se torna quem controla o divino (porque interpreta a lei e 'sabe' o que 'deus' quer dos homens), controlando as coisas do mundo terreno e o comportamento das pessoas por meio da moral.

Por conseguinte, o crente se deixa guiar passionalmente, acreditando que o sacerdote o levará ao paraíso com a graça de "deus". Para Nietzsche, esse "deus" é falso porque ele só existe na boca dos sacerdotes e na letra de seu suposto "livro sagrado". Consequentemente, "deus" é uma muleta que serve para o homem amenizar sua fraqueza carnal diante do mundo real onde se adoece, se sofre, se passa frio, fome e, finalmente, morre-se. Com esses argumentos, o filósofo alemão rejeita a doutrina cristã, chamando-a de "moral de rebanho". Essa moral, para ele, é uma moral de fracos que se unem para louvar "deus" (que não passa de um tipo de cabresto) e pedir seu perdão. A verdade da filosofia de Nietzsche aponta que a moral cristã, que alega arrebanhar crentes para cultuar seu "deus", na prática, recruta pessoas que se sentem culpadas para que esse "deus" seja reconhecido como o libertador. Então, o homem, ao desprezar a si mesmo, eleva seu "deus" e torna-o algoz do próprio homem. Foi por isso que Nietzsche lançou a frase: "Deus está morto". Ele quis dizer com ela que "deus" foi desmascarado. O conceito foi "genealogizado". Nietzsche buscou a origem do conceito e percebeu que ele nada tem de origem divina. Sua origem é terrena e pertence ao campo do imaginário mais primitivo da raça humana. O conceito "deus" é uma invenção da humanidade que, com o tempo, institucionalizou esse conceito e criou as religiões para fundamentar a moral, as leis de um grupo, clã ou tribo. Ao longo do tempo esse fundamento não foi mais questionado e passou a ser aceito por todas as gerações subsequentes, tornando-se a cultura geral que determinou o pensamento, o comportamento, a economia, a política, não só de um povo, mas com o surgimento do cristianismo e sua aceitação pelo ocidente, essa mesma invenção se tornou universal.

Nietzsche denuncia que o cristianismo parte de premissas que têm grande chance de serem falsas. Uma delas é a ideia da existência de uma entidade superior que pune todos os homens. Outra é a existência de uma figura humana que supostamente ressuscitou dentre os mortos (Jesus). Além disso, o autor aponta que há uma classe sacerdotal que usa a religião para se beneficiar da boa fé alheia.

Apesar de Nietzsche criticar o darwinismo em sua obra "Vontade de Potência", ele aceita a premissa de que o homem é um ser da natureza e, como tal, é um animal. É por isso que Nietzsche considera um erro alguém tentar "melhorar" o homem, assim como faz a doutrina cristã, quando quer mudá-lo para algo "melhor". O filósofo suspeita de toda e qualquer doutrina que deseja "melhorar" algo ou alguém pois, para ele, quando se anuncia tal desejo, isso significa que se aceita o princípio que afirma que o objeto ou ser precisa ser "melhorado", ensinado. Pressupõe que o mesmo aceite também sua condição de inferioridade e, como se isso não bastasse, necessário se faz que seja aceito o intermédio de um "melhorador" que, no caso das religiões, se trata do guia, do profeta, do padre ou do pastor.

No caso do povo de Israel, desde a consolidação do deus Javeh e sua aceitação por todos, esse "deus" e sua doutrina, por meio do que diziam os sacerdotes, passou a determinar a vida cotidiana dos cidadãos e seu comportamento sobre o qual se desenvolveu a ideia de que o homem deve buscar, constantemente, sua evolução moral enquanto indivíduo. A mesma coisa fez a figura de Jesus quando instituiu sua "nova moral". Ele o fez em nome do "deus-cabresto", acusa Nietzsche (é como se dissesse: siga meus ensinamentos ou o meu deus, que é o deus verdadeiro, te punirá). Na visão de Nietzsche, Jesus prometia um tipo de "libertação", mas o que trouxe não passou de outra "prisão", pois para ser "salvo", de acordo com a nova doutrina, o crente precisa aceitar as regras da religião de Jesus e acreditar que ele era o filho de "deus".

Faço algumas perguntas a partir das reflexões nietzscheanas: "se perdoar é contentar um "deus" ou cumprir sua lei para escapar de uma possível punição na vida após a morte, há valor ético no perdão?" Caso o homem perdoe por conta do medo da punição divina, há sinceridade no perdão?

Quando os seres humanos afirmam que a vontade de "deus" deve ser concretizada, eles negam a si mesmos porque negam sua vontade pessoal (em se tratando do homem que deseja vingança, que teve o orgulho ou a honra feridos e etc.) pelo medo de "deus" e, assim, perdoam! Ao mesmo tempo, faz perceber o filósofo Nietzsche, o homem se reprime, reprime seus instintos, suas características vingativas e, com isso, se volta para seu interior com medo do mundo. Torna-se, em alguns casos, um covarde que necessita da figura de "deus" para lhe proteger contra os outros homens; que ele acredita estarem sempre sob o domínio do mal! A consequência direta é que essa fuga para seu próprio interior cria pessoas conformistas com seus infortúnios no mundo. Pessoas que são fáceis de manipular e enganar, pois o sacerdote, para o filósofo, cria a doença (a angústia diante do mundo, a ideia de que o homem precisa se aperfeiçoar, a ideia do homem pecador, desgraçado e etc.) e, ao mesmo tempo, esse mesmo sacerdote, apresenta o remédio para a cura de seus problemas, a quem é chamado de "salvador" (deus, Jesus, religião).

A partir das ideias de Nietzsche, comparo o sacerdote a um médico pouco honesto que convence um indivíduo que ele está doente (sem estar) e depois oferece a esse pseudo-enfermo, a cura para seus males. Esse pseudo-doente, para a filosofia nietzscheana, não consegue questionar as afirmações que o médico (sacerdote) lhe faz porque renuncia ao pensamento crítico.

Por fim, para superar isso é que Nietzsche propõe uma ética a ser praticada por aqueles que têm coragem de enfrentar a vida sem se ajoelhar diante dos deuses e das ameaças de seus sacerdotes. Por quem não considera verdadeiras as crenças na existência do "reino dos céus" nem espera as "recompensas" no mundo de além. Essa ética pergunta: "um homem que deseja vingança, apesar disso, não pode optar pelo perdão, caso isso lhe cause mais bem-estar que o ato de matar outrem? Será que uma pessoa está proibida de praticar a caridade apenas porque não teme a ira divina? Um ateu ou agnóstico não pode ajudar outrem pelo simples ato de ter prazer de ver seu semelhante em boa situação?

Em outras palavras, posso dizer que "existe vida" fora da religião e de sua moral. Quem se põe fora delas vive em um universo onde se perdoa alguém ou não, de acordo com o grau de satisfação que esse perdão ou atitudes altruístas lhe causam (é o sentimento de bem estar consigo) e não com a moral vigente ou com a vontade de alguma igreja. Para Nietzsche o homem faz escolhas de acordo com suas tendências naturais. Por isso algumas vezes ele decide ser altruísta, outras praticar a maldade contra alguém. Assim, pode-se concluir que, sob certo aspecto, até mesmo os sacerdotes pregam a existência de um ser superior porque têm prazer nisso. Alguns (os sacerdotes que compreendem a dinâmica de círculo vicioso da religião) porque gostam de perverter, controlar ou são sádicos com as pessoas que se subordinam a eles nas igrejas; outros porque são ingênuos quando não percebem essa dinâmica e nem que são úteis funcionários a alimentar a máquina que produz o medo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O poder da imprensa

Gerson N. L. Schulz




O que a imprensa tem que ver com a filosofia? Muita coisa, principalmente o fato de divulgar o pensamento laico. Segundo o site da Associação Nacional de Jornais (ANJ), a "Acta Diurna", surgida em 59 a.C. em Roma é o mais antigo jornal do mundo e foi criado por César para divulgar os atos de seu governo. As notícias eram escritas em grandes placas brancas e expostas em lugares públicos bastante populares, tais como as salas de banho e os mercados. As "Acta" mantinham os cidadãos informados sobre escândalos no governo, campanhas militares, julgamentos e execuções. Também na China do século VIII (em 713) surgiram os primeiros jornais de Beijing escritos à mão. lá também inventou-se (em 1040) os blocos móveis de madeira que na Europa de 1447 Gutenberg iria aperfeiçoar para os tipos de chumbo (reutilizáveis) causando a "revolução" da leitura e da escrita no mundo Ocidental e difundindo o conhecimento até então sob a égide da igreja Católica Romana.

Uma rápida história da imprensa mostra que em 1501 o Papa Alexandre VI decretou que qualquer impresso deveria ser censurado pelas autoridades do clero e quem cometesse heresias ao escrever publicamente seria punido. Algo que foi definitivamente ineficaz durante o período dos filósofos iluministas na França com a publicação da Enciclopédia (periódico) que causou, definitivamente, a laicização do pensamento Ocidental e o triunfo da "palavra livre" do obscurantismo sectário da religião dogmática e dos governos tirânicos.

Segundo a "World Association of Newspaper", por volta de 1556 o governo de Veneza (Itália) publicou o "Notizie scritte", pelo qual os leitores pagavam com uma pequena moeda conhecida como "gazetta", desde então muitos foram os jornais que adotaram esse nome como título oficial.

Mas foi somente em 1812 que os jornais ganharam um cunho fortemente industrial tanto quanto as grandes empresas manufatureiras, quando na Inglaterra Friedrich Koenig inventou a prensa de cilindros a vapor que imprimia 1100 folhas por hora. Nos anos 1960 popularizou-se a impressão em offset e mundialmente o jornal se tornou amplamente comercial como mais um instrumento industrial para a divulgação de idéias, conforme apontam os estudos do filósofo Teodor Adorno em sua "Indústria Cultural e Sociedade".

Enfim, assim como a filosofia a imprensa trabalha com idéias e fatos e ao longo de sua história ela cobriu de guerras a olimpíadas, criou celebridades e derrubou ou ergueu governos.

domingo, 28 de março de 2010

A FILOSOFIA E O CRISTIANISMO

Gerson N. L. Schulz




Pitágoras representado por Rafael Sanzio
em sua celebrada pintura 

Escola de Atenas.
"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei." Esta famosa frase atribuída ao personagem Jesus de Nazaré aparece nos evangelhos como sendo um dos maiores ensinamentos éticos que o Ocidente recebeu da religião judaico-cristã. Entretanto, ela não é de Jesus. Esta frase faz parte dos ensinamentos do filósofo Pitágoras (segunda metade do século VI a.C.) em sua escola chamada pitagórica que ficava na região da atual Itália.

Outra influência da filosofia no cristianismo é sobre o costume comum nas missas de se rezar pela "alma" de alguém como se alma e corpo fossem separados. Essa ideia de alma e corpo separados após a morte não é original do cristianismo, mas dos cultos órficos que influenciaram a cultura e a filosofia gregas com interpretações de Pitágoras, de Sócrates (469 a.C) e sistematizadas por Platão (427 a.C.) que acreditavam na reencarnação e não na ressurreição. 

No judaísmo e, consequentemente no cristianismo, é equivocada a prática de "rezar" pela "alma" de alguém, pois não há separação entre o corpo e a alma como ocorre no espiritismo oriundo do platonismo. Tais práticas acontecem no cristianismo porque é evidente a influência da filosofia platônica e aristotélica nas crenças cristãs, especialmente por causa de Santo Agostinho (430 d.C.) leitor de Platão, e de São Tomás de Aquino (1221 d.C), leitor de Aristóteles.

Também, devido a exames analíticos, se sabe que - como várias foram as transcrições realizadas pelos monges copistas na idade Média - muitos equívocos e adulterações foram realizadas nos textos bíblicos - alguns acidentais - outros para atender aos costumes da época histórica, à cultura e até à censura imposta pela Igreja romana no mundo.

Vários são os autores como, por exemplo: Voltaire, Robert Taylor, Bruno Bauer, Mitchell Logan, Ferdinand Christian Baur, David Friedrich Strauss, Bronson C. Keeler, Abraham Dirk Loman, Samuel Adrianus Naber, Gerald Massey, Edwin Johnson, Rudolf Steck, Albert Schweitzer, Wilhelm Wrede, Thomas Whittaker, William Benjamin Smith, Rudolf Bultmann e Gary Courtney que não acreditam na existência histórica de Jesus Cristo, além de apontar mais de cinquenta contradições nos Evangelhos Sinóticos e a falsidade das epístolas de Paulo, suas obras têm argumentos históricos que mostram a não originalidade do cristianismo apontando as influências das religiosidades caldaica, assíria, babilônica, egípcia, grega, persa e judaica sobre o cristianismo e sobre suas crenças filosóficas como, por exemplo, a ideia da existência de um "Paraíso" para onde iriam os "bem-aventurados" após a morte e o conceito de "ressurreição" que vem do Oriente. O mesmo se dá com a concepção "virginal" de Maria, cuja origem está em um mito grego de dois séculos antes de Cristo. Assim, a maior parte dos fundamentos cristãos, ressaltam esses críticos do cristianismo, provem do Oriente.



Bultmann, idealizador da
"demitologização" do cristianismo


Alguns pesquisadores como Emílio Bossi e José Reis afirmam que a crença messiânica tornou-se muito comum no Mediterrâneo, Norte da África, Sul da Europa e Ásia a partir do século II a.C. não sendo nenhuma novidade aos tempos de Jesus, pois era algo cristalizado filosófica e culturalmente. Para estes dois pesquisadores, no Talmud (livro sagrado judaico), pode-se verificar que no Oriente Médio o nome messias foi atribuído a vários reis como Ciro (Isaias 44:1) e ao rei de Tiro (Ezequiel 28:14), além dos Salmos onde se percebe que os nomes de Jesus e de Cristo foram cominados a líderes religiosos da Antiguidade. Então os nomes "Jesus" e "Cristo" eram títulos atribuídos às autoridades religiosas importantes. Segundo eles é improvável que Jesus seja um homem, é mais provável que seja um símbolo, um ícone que não tenha existência real.



Não se sabe nem se a história da crucificação é real, pois não há relatos de qualquer historiador da época já que as mínimas referências que Flávio Josefo, Fílon de Alexandria, Tácito, Suetônio e Plínio fazem a Jesus (após um exame grafotécnico) foram consideradas falsas. Além disso, Justo de Tiberíades (que escreveu a história dos judeus desde o ano 60 a.C até 70 d.C) nada menciona a respeito de Jesus. Nem Fílon de Alexandria escreveu sobre ele. Até mesmo em relação a Pilatos, existe abundante documentação sobre seu governo na Judéia, mas não há sequer uma carta, um processo, uma ata onde conste o episódio do Gólgota. Nem nos famosos Manuscritos do Mar Morto (encontrados em 1947) existe qualquer menção a alguma figura que se pareça com o Jesus bíblico.

Enfim, o assunto é polêmico e a fé é do âmbito pessoal, mas um problema se estabelece: como não ficar com a sensação de estar cultuando algo que pode, jamais, ter existido? Daí a importância de investigar-se as origens das crenças, da tradição religiosa - que nem sempre equivale necessariamente aos fatos históricos -, e que o sacerdote seja honesto e se esforce para não repetir simplesmente para o crente o que o dogma de sua igreja determina, mas aja dialeticamente discutindo os equívocos históricos, os acertos e também os limites da própria religião.

PLATÃO E O CONHECIMENTO


 Gerson Nei Lemos Schulz



Até hoje, em filosofia, a forma do conhecimento ainda é um problema a ser investigado. Várias são as sinédoques desenvolvidas ao longo dos séculos pelos pensadores ocidentais para explicá-lo. Isto é, como o homem pode conhecer? Como se dá esse processo?


Para Platão (427-347 a.C.) o mundo material é imperfeito. Em outras palavras, Platão queria a garantia última de que aquilo que sabemos é a verdade. Para ele não é possível haver conhecimento falso, pois senão não é conhecimento. Nesse sentido ele concebe a idéia da anamnese (recordação).


Platão admite a existência em todos os homens da alma (psiché) que, em sua doutrina, além de centro de toda inteligência humana, é imortal. Outro pressuposto é que em algum momento remoto da história, antes da criação do homem (pois há um mito da criação também entre os gregos antigos), todas as almas coabitavam entre os deuses, mas quando estas quiseram se tornar como eles, foram condenadas a encarnar em corpos frágeis e mortais.


Respondendo às perguntas da introdução se pode dizer que sua doutrina do conhecimento está disposta na obra Menon. Neste diálogo há uma passagem onde Sócrates interroga um escravo que nunca estudara matemática e, por meio do método maiêutico, faz com que o escravo conclua a fórmula do teorema de Pitágoras. Interpretando esse fato à luz de sua crença na imortalidade da alma, ele conclui que o conhecimento que o escravo demonstrou só podia estar em um lugar: na alma; e esta, assim como a de todos os homens, já contemplou a verdade junto aos deuses. Então, ao encarnar, a alma passa pelo "rio do esquecimento", logo, saber é recordar, pois o homem já sabe mas precisa do professor para auxiliá-lo a recordar o que contemplou junto aos deuses. É por isso que para Platão o mundo físico é inferior ao mundo das idéias ou essências, pois o mundo material é apenas cópia da idéia.

Um exemplo para se compreender isto é citar o trabalho de um carpinteiro. Para construir uma mesa o carpinteiro precisa antes ter a idéia de mesa e pensar em seus detalhes, depois ele corta a madeira e lhe dá forma de mesa. Mas a mesa material não é perfeita como a mesa que o carpinteiro pensou, pois sua superfície, por mais polida que seja, nunca é totalmente lisa, as formas, por mais trabalhadas, jamais são perfeitas. Conclui Platão que a matéria é inferior ao mundo das idéias.


Assim, para o filósofo há duas grandes formas de conhecimento. A doxa (opinião), que ele atribui ao homem comum que vive como que "embriagado" pelos sentidos que embaçam a razão e contribuem para que ele não tenha clareza perfeita das coisas (senso comum). Este conhecimento é baseado na eikasia (imaginação) e na pistis (crença). E o conhecimento filosófico que envolve a matemática (episteme) e o conhecimento noético (essência). Este último somente o filósofo pode obter por meio da intelecção.


Por fim, para Platão, o filósofo deve fugir do mundo dos sentidos, das sombras da realidade e buscar a ciência. Ele deve subir de degrau em degrau até alcançar a idéia suprema pelo procedimento sinóptico. Assim poderá distinguir as idéias últimas (universais) que são as idéias que não possuem idéias anteriores. Esse conhecimento último é eterno e imutável para Platão.