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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EXPERIMENTAL DE JEAN PIAGET


Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia




Jean Piaget
No ensino da filosofia da educação, disciplina geralmente integrante dos currículos dos cursos de licenciatura no Brasil, estudam-se as mais diversas propostas filosóficas voltadas para a escola.
Desde a Grécia Antiga, por exemplo, com Sócrates, Platão e Aristóteles os pensadores já se preocuparam com a escola. Platão fundou a academia e Aristóteles o Liceu. Antes deles, outros pensadores como Pitágoras de Samos também já tinham fundado instituições que se responsabilizaram em transmitir o conhecimento (CAMBI, 1999).
Por todo o longo período da história ocidental, então, desde a Grécia até os séculos XIX e XX, o homem se preocupou com a formação das pessoas. Com a transmissão do saber técnico, moral, religioso, filosófico e científico.
Mas dentre as várias propostas pensadas para a escola que surgiram na história ocidental, a maioria delas era de cunho especulativo. Em outras palavras, os filósofos, ao longo do exercício de reproduzir a cultura tradicional e na busca por novas formas de pensamento a partir dessa cultura, prescreveram como deveria ser a política, a ética, a sociedade e também a escola, especialmente acreditando que por meio dela (da escola) uma parcela importante da consciência dos adultos seria moldada e, assim, os valores culturais tradicionais se perpetuariam.
Apesar disso, a partir do século XIX, com a cada vez mais acentuada separação entre os diferentes ramos das ciências e a polarização entre ciências aplicadas ou técnicas (matemática, física, astronomia, engenharias diversas e etc.) e as emergentes ciências humanas (filosofia, sociologia, psicologia e etc), e seguindo o modelo positivista de "fazer" ciência, que apostava na possibilidade de se chegar à verdade por meio de um rigoroso método científico, da exatidão matemática, do experimentalismo em laboratório e do estabelecimento de leis (portanto, com validade universal), pouco a pouco a escola também foi levada a se "cientificizar".
Assim, as pessoas que viviam ao final do século XIX e início do século XX perceberam que aquele momento histórico possuía uma característica diferente da de outros séculos. Ocorria ali um progresso técnico-científico nunca antes visto. O homem produzia aparelhos elétricos que mudavam rapidamente as relações entre as pessoas e o meio social. A indústria usava cada vez mais o emprego das máquinas, da energia elétrica. Motores, bombas de pressão, combustíveis eram cada vez mais utilizados para substituir a força humana bruta. A lâmpada elétrica, o telefone e o rádio mudaram para sempre a forma de a humanidade ver o mundo. Esse tipo de sociedade mais dinâmica, com capacidade de produzir mais mercadorias e com mais possibilidade de conforto do que no passado, precisava de uma nova escola. Além disso, ainda antes dos anos 1930, a humanidade passou pela maior de todas as suas guerras, a Primeira Guerra Mundial, ocasião em que a Europa apesar de toda sua cultura e riqueza se aniquilou.
Desde o século XIX não era mais suficiente a escola e a universidade produzirem pessoas que sabiam apenas operar as novas máquinas desenvolvidas e amplamente empregadas nos países mais ricos como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica e outros. Era necessário também qualificar os operários, e criar as condições necessárias para que os novos engenheiros, cientistas, estudiosos (das mais diversas áreas do saber) pudessem exercitar livremente sua criatividade, realizar seus experimentos, demonstrar suas teorias e produzir novas tecnologias que, se acreditava, produziria mais riquezas.

Cena de "Tempos Modernos"

Esse novo horizonte social muito ligado à indústria, à produção, à rapidez e dinamicidade da circulação de mercadorias, necessitava de uma nova forma de escola. Cada vez mais aquele modelo de escola tradicional da Europa, comandada pela igreja Católica ou Protestante, com forte cunho humanista e cristão, que se preocupava com o ensino das letras clássicas e da filosofia, bem como com a transmissão de conhecimento capaz de formar o caráter das pessoas que por ela passassem, se tornava obsoleta.
Em meio à cultura da investigação científica sobre todos os assuntos e ao progresso da medicina, muitos estudiosos se deram conta que pouco se sabia sobre como o cérebro humano funcionava. Como ele era capaz de assimilar informações, de aprender?
Especialmente com os avanços da biologia e da psicologia experimental, alguns cientistas como Jean Piaget (que iniciou sua carreira na área da filosofia mas se tornou um biólogo; PIAGET, 1975), perceberam que a educação havia optado pelo caminho do "dever-ser" e pouco se sabia como, de fato, funcionava a mente humana. O problema era que a escola e o que ela ensinava parecia estar "desconectado" da realidade com a qual as pessoas tomariam contato fora da sala de aula na vida adulta.
A escola, assim, era prescritiva no sentido de postular às crianças como elas deveriam se comportar em sociedade contando que essa sociedade na qual elas cresceriam era ética, justa, praticamente perfeita. As noções prescritivas de escola trabalhavam sob a perspectiva humanista e, logo, com essa visão de sociedade idealizada. Mas na prática esse modelo sob o qual a escola preparava as crianças não existia no mundo real. Além disso, a escola, associada ao Estado, à política, à moral, à igreja se preocupava em "amoldar" o futuro cidadão sob a égide da religião judaico-cristã e da cultura greco-romana. Autores como Piaget perceberam que aquele modelo de escola deixava um espaço mínimo ou quase nenhum para o exercício da criatividade.
Outro fator importante sobre a escola tradicional era que, naquele momento (se fosse voltada para as pessoas pobres), ensinava conhecimentos profissionalizantes e as primeiras letras, além de contar. Caso fosse voltada para os mais ricos, ensinava conhecimentos clássicos (filosóficos, do âmbito do Direito, da Economia e outros). Logo, além da distinção entre as pessoas pelo quesito renda pessoal e origem social, a escola não respondia satisfatoriamente àquela sociedade em cujo seio o capitalismo necessitava, a cada novo dia, de um tipo de cidadão mais eficaz, eficiente, criativo, capaz de resolver problemas práticos, para executar toda a complexidade das tarefas burocráticas do Estado, da política, da administração mais racional e das atividades militares e industriais.
Em 1932 é que, pouco a pouco, desponta a figura de Piaget com sua obra "O juízo moral na criança". Não menos importantes são: "A gênese do número na criança" (1941), a "Representação do espaço na criança" (1948), "Introdução à epistemologia genética" (1950), "O estruturalismo" (1968) e "As ciências humanas" (1970).
Piaget inicia seus estudos em busca de uma teoria de como o homem é capaz de pensar. Quais as estruturas cerebrais são responsáveis por esse fenômeno, como o homem pode aprender as coisas? É por isso que ele foi o teórico da "epistemologia genética" "que é um ramo da psicologia que estuda as estruturas lógicas da mente humana e os processos cognitivos pelos quais elas amadurecem" (CAMBI, 1999, p. 609).
Para Piaget, na obra "Sabedoria e Ilusões da Filosofia" (1975), o conhecimento se baseia na experiência dos indivíduos. Por isso Cambi (1999, p. 610) afirma que ele dá um caráter mais técnico à pedagogia, separando-a da psicologia. Piaget se preocupa com a didática, com a aplicação das novas tecnologias à educação e com a cientificização da pesquisa educativa (Id. p, 609).



Dentre suas descobertas está a de que a mente da criança se caracteriza por uma inteligência que parte do comportamento animista e subjetivista e que, gradativamente, se adapta à objetividade e ao uso formal dos conceitos lógicos (CAMBI, 1999). A partir de suas pesquisas, Piaget descobriu que o ser humano em geral, em seu desenvolvimento, passa por quatro grandes estágios. O primeiro deles se dá nos domínios da motricidade; o segundo, na atividade representativa e o terceiro e o quarto no pensamento operatório.
Embora, nos dois últimos estágios o desenvolvimento cognitivo transcorra no âmbito do pensamento operatório, a diferença entre eles é constatada pelo fato de que no terceiro, o pensamento operatório ainda está ligado ao concreto, enquanto que no quarto, o mesmo pensamento tem ligação ao abstrato e formal. Os quatro estágios foram denominados de sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal.
Segundo Piaget a inteligência dá saltos – muda de qualidade – e cada estágio representa uma qualidade da inteligência. Os estágios significam ainda que existe uma sequência e uma sucessão no desenvolvimento da inteligência e que esse desenvolvimento passa, necessariamente, por cada um desses estágios.
Piaget descobre que as crianças (do zero aos três anos) passam pela fase "sensório-motora" que é caracterizada pelo pensamento egocêntrico e pela indistinção entre seu corpo e os objetos. Dos dois aos sete anos de idade a criança vive a fase "intuitiva". Para ele, a criança desenvolve algumas habilidades como o domínio da linguagem e do desenho. No estágio dos sete aos onze anos (chamada de "operatório-concreta"), a criança aprende a pensar logicamente, distingue entre si e o mundo, aprende a reconhecer as regras. E, por fim, há a fase "hipotético-dedutiva" (dos onze aos catorze anos) que é crucial porque é nela que a criança começa a lidar com as abstrações e raciocinar acerca do futuro, categorizar os objetos e ser capaz de elaborar hipóteses e de proceder por via dedutiva. É aí que o pensamento se torna adulto (PIAGET, 1999).
Também, na concepção piagetiana, a construção do conhecimento se dá devido à interação do sujeito com o meio físico e social. A essa teoria deu-se o nome de "Construtivismo". No Construtivismo o que mais importa não é que o aluno repita frases e fórmulas prontas para reproduzi-las, como era na escola tradicional. Importa é que ele, diante do conhecimento formal – que Piaget chama de "tradicional" – reinvente esse saber, almejando produzir e criar coisas novas. Foi essa dinâmica, segundo Piaget, que permitiu o desenvolvimento, ao longo dos séculos, da ciência. Por isso, para ele, a escola tem como dever fazer a ciência avançar por meio da pesquisa (PIAGET, 1988).


Com base em tais ideias, Piaget e seus discípulos como Montessori (1870-1952) e Claparède (1873-1940), elaboraram uma proposta filosófica no campo da educação em que o ensino deve respeitar as etapas do desenvolvimento da criança porque isso faria com que elas obtivessem melhores resultados em seu processo de aprendizagem. Mas a novidade piagetiana não se deu apenas no campo da teoria pura. A novidade está no fato de que ele teorizou exatamente como faz o cientista das áreas duras, ele investigou a partir do campo empírico (o que de fato se passava com as crianças desde sua mais tenra infância) e fez isso com o uso de um laboratório, portanto, da experimentação para, daí, estabelecer, a partir de seus experimentos, as leis universais que regem a construção do pensamento.
É daí que ele pretende garantir que suas conclusões – expostas em livros ou artigos – são, de fato, verossímeis, pois que não partem da simples especulação (como partiam todas as filosofias da educação anteriores), partem da experiência, do estabelecimento de hipóteses, de sua comprovação ou não e, se comprovadas, da formulação de leis universais.



Por conseguinte, para Piaget, mais importante que o intelectualismo é a atividade experimental porque é por meio dela que se pode investigar a verdade e chegar à universalidade, modus operandi que se configura exatamente dentro da prática das ciências formais.
Para encerrar, Piaget chama essa proposta de "escola ativa" porque, ao contrário da "escola passiva" (que é como ele se refere à escola tradicional), sua metodologia serviria para toda a vida da criança e não apenas para essa criança "passar" com sucesso pelo sistema escolar. Em síntese, o ensino de qualquer assunto deve ir do experimental ao conceito e jamais vice-versa. Em última instância, a escola deve não só ensinar a ciência a todas às pessoas, o método, mas também respeitar as fases biológicas pelas quais passa qualquer ser humano a caminho do que há, para Piaget, de mais alto na escala evolutiva da humanidade, o desenvolvimento da racionalidade.

Referências:


CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1988.

______. Seis Estudos de Psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.


______. Sagesse et illusions de la philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 1969. Sabedoria e ilusões da filosofia. Traduzido por Zilda Abujamra Daeir. Coleção Os Pensadores. v. LI. São Paulo: Abril, 1975.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

PORQUE SOU CONTRA O ENSINO OBRIGATÓRIO DE FILOSOFIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO


SEÇÃO PERGUNTARAM PARA MIM



Gerson Nei Lemos Schulz
Professor de filosofia no Brasil


E eu respondi...
Quando me perguntaram se eu era contra ou a favor dessa ideia de ensinar filosofia de forma obrigatória no ensino superior (assim como é obrigatório no ensino médio), eu respondi: "sou contra porque penso que só se 'aprende' filosofia fora de um curso de graduação em filosofia se for 'na prática' (se aprende a ser ético sendo ético, se aprende política sendo cidadão, se aprende lógica usando-se o bom-senso). O aporte teórico é importante, mas não me parece fazer sentido se for simplesmente teórico e essa disciplina meramente 'decorativa' na matriz curricular de qualquer curso que seja.

Filosofia, supostamente, é reflexão. Logo, não se pode forçar alguém a pensar. Para pensar, a pessoa deve querer pensar. Além disso, estudar as ideias de Platão, Aristóteles, Agostinho, Descartes, Kant, Nietzsche não é estudar filosofia, muito menos aprender filosofia.

Filosofia é saber dar 'vida' aos textos daqueles autores e, para isso, não basta técnica, é preciso ter experiência de vida e tempo; e os jovens, não porque sejam incapazes de modo geral – embora alguns o sejam por vários motivos, por exemplo, para entender filosofia, assim como outros o são para entender matemática –, mas porque não têm tempo e estão preocupados em ter uma profissão que lhes garanta o pão.

É certo que a filosofia 'pura' no mundo pós-moderno não garante o pão, a não ser para poucos professores de filosofia ou para poucos filósofos profissionais. Mas daí a obrigar alguém a estudar filosofia na universidade – fora do curso de graduação em filosofia onde, suponho, os alunos estejam porque escolheram estudar naquele curso –, vai contra o princípio de qualquer doutrina filosófica que é a liberdade de pensamento.

Assim, não se espantem amigos! Só terá chances reais de saber algo de filosofia quem – sendo de curso alheio à filosofia – escolher cursar alguma disciplina dessa área. Repito: escolher.


Para concluir, é por isso que a universidade só poderá, na
Nietzsche - 1844-1900
melhor das 'boas intenções', ofertar disciplinas optativas de filosofia; destarte, em doses homeopáticas e não como se fosse tratar um 'paciente com câncer terminal' em que o medicamento também pode matar, mesmo que ainda dê um alento a mais de vida, que é o que me parece que acontece quando se despeja – indiscriminadamente – sobre um aluno comum mais de dois mil e quinhentos anos de história da filosofia (e Nietzsche já alertava, desde o final do século XIX, que mesmo as graduações em filosofia na Europa, para ele, não passavam de cursos de história da filosofia), porque se for mesmo assim como alertava Nietzsche, a filosofia se torna qualquer outra coisa, menos filosofia."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

QUEM É O ALUNO MEDÍOCRE?


SEÇÃO "CRÍTICA AO COTIDIANO"



Gerson N. L. Schulz

Professor



O aluno universitário medíocre é, por excelência hoje, aquele que não sabe escrever. Ele é um analfabeto funcional e pensa que o professor é obrigado a relevar todos os seus erros de português quando lhe pede para escrever uma redação de uma página onde, inclusive, tais erros, prejudicam a compreensão do texto apresentado.

O aluno universitário medíocre de hoje se comporta sempre como o "coitado", o excluído, a vítima do sistema. Ele pensa que geralmente sua condição material e a origem humilde sempre garantirão a ele as benesses de não precisar se submeter a horas de estudos como os colegas que mais se destacam no curso. Ele despreza os colegas que sabem que o mercado de trabalho está cada vez mais exigente e acusa aqueles de serem "coniventes" e puxa-sacos.

O aluno medíocre de hoje "acha" "legalzinho" ser de "esquerda" porque isso pega bem. Adora dizer que não é capitalismo e sim "capetalismo", mas evita andar de "busão" tanto quanto pode. Admira carros caros que sonha em ter um dia e gosta de roupas de marca que compra em doze vezes no cartão de crédito universitário com o salário da bolsa pesquisa ou extensão que algum professor "bonzinho" lhe concedeu para parecer "humanista" e "solidário". Para o aluno medíocre, qualquer um que discorde dele é de "direita", portanto, mau!

Para o aluno medíocre é essa "fachada identitária" de "pobre" (que não passa do fato de ter pena de si mesmo), que deve obrigar os professores a lhe dar notas, a facilitar as avaliações e a abonar suas faltas.

O aluno universitário medíocre de hoje tem a mediocridade como algo estético e que deve ser vivenciado em sua máxima plenitude nos anos em que ele passa praticamente em branco (porque se comporta como um inútil), dentro da universidade, ocupando o lugar de outro aluno que queria estar ali e que talvez não fosse tão medíocre quanto ele.

O aluno universitário medíocre pensa que ele vive no reino do Gondor (o reino fictício do "Senhor dos Anéis") ou em Hogwarts (de Harry Potter), que são lugares por onde anda, geralmente, a mente do universitário medíocre. Lugares em que sempre tem um vilão que o persegue que, para ele é sempre o professor – mas é um tipo especial de professor, é aquele que exige dele que estude, leia e produza trabalhos de qualidade e não plágios de ideias alheias ou cópias da internet.

Esse tipo de aluno (cuja parcela está diluída nas turmas universitárias) pensa isso porque sua mente vive uma ilusão, a de acreditar na fantasia de que a universidade é um reino encantado onde tudo e todos estão à disposição dele. Onde o professor é seu empregado. Onde se ele faltar para uma prova (porque não estudou) é fácil comprar um atestado 'frio' de um médico que vende logo ali na esquina – porque é também um médico medíocre que não é capaz de ganhar dinheiro com a medicina de forma mais refinada que vendendo atestados.

O aluno universitário medíocre de hoje faz a prova de segunda chamada confiante que o professor lhe deve o favor de deixá-lo fazer. Para ele a universidade é um reino onde até o almoço deve ser eternamente de graça e no dia em que não for, ele esperneia, berra e grita aos quatro cantos que o sistema o está oprimindo, discriminando.

O aluno universitário medíocre pensa que a universidade é lugar para fumar maconha ou se entregar às bebedeiras porque para ele essa instituição é sinônimo de status social e de lugar onde se pode fazer tudo o que se quer. Há alunos tão medíocres que trocam de curso várias vezes apenas para continuar ganhando a bolsa que lhes permite morar na casa do estudante por anos. Assim não precisam pagar aluguel, trabalhar e deixar de parasitar, coisa que é sua especialidade.

Há alguns alunos universitários medíocres que se candidatam (e vencem!) para ocupar um ou outro cargo nos DCEs e DAs para aparentar que são "intelectuais políticos" dentro da universidade e para ter mais uma desculpa para faltar às aulas, além de aumentar as chances de namorar as meninas que se atraem por este tipo de "caras".

O aluno universitário medíocre pensa que a sala de aula é uma extensão do seu quarto porque ele entra sem bater, chega a hora que quer, sai sem pedir licença, escuta música, fala ao celular. Não respeita o professor, e quando o professor pede silêncio, diz para todos que é seu direito de expressão que está sendo cerceado.

No banheiro não sabe nem usar a privada porque acredita que a faxineira terceirizada (paga pela empresa que a contratou com parte do dinheiro público do Estado – que para ele é sempre mau e opressor) está ali para limpar sua sujeira.

O aluno medíocre comemora quando um professor falta a uma aula porque ganha mais uma oportunidade de parasitar a sociedade que paga a vaga que ele ocupa na universidade. Esse tipo de aluno também comemora quando há greve, quando falta energia elétrica à noite em dia de prova. O aluno universitário medíocre é aquele que sempre paga com "outros favores" quando os membros medíocres do grupo de trabalho ao qual está vinculado em sala de aula assinam por ele – na hora da entrega – mesmo sem ele ter participado do desenvolvimento das atividades.

O aluno universitário medíocre é aquele que se vangloria do que não fez e não assume as coisas que realmente faz. É aquele que pede a um colega solícito e ingênuo que assine seu nome na lista de frequência quando não está na sala de aula. É aquele que quando é reprovado, pensa que é seu direito falar o que bem entende para quem quer que seja, mandando e-mails desaforados para o professor ou denegrindo-o nos grupos de facebook da turma onde só entra quem a turma permite.

Outra especialidade desse tipo de aluno é construir discursos sempre positivos sobre si mesmo, alegando que sempre foi um aluno exemplar ao longo do semestre e que não merece ser reprovado. Ele esperneia por seus direitos e afirma que é sempre perseguido pelos professores, pela instituição, pelo governo, pelo Estado e até pela polícia que, para ele, bate nele apenas por um motivo: porque ele é estudante!

O aluno universitário medíocre se intitula "estudante profissional" mesmo que isso não seja profissão alguma e nada signifique no mundo real das pessoas vivas (onde estamos você e eu), mundo que para quem vive em Gondor ou Hogwarts é, sim, uma quimera.

Mas apesar de estar cheio de alunos universitários medíocres por aí, há um saldo positivo para quem não é um aluno medíocre: é que o aluno universitário medíocre de hoje dificilmente escapará de sua mediocridade porque ele a tem como "cultura". Ele é um parasita que vive flutuando na corrente térmica como os urubus, e jamais saberá bater asas para alçar voos maiores, diferentemente do que fazem aqueles que não se dedicam à mediocridade.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

AS COSMOVISÕES DA FILOSOFIA



SEÇÃO: ESQUEMA 1


Dr. Gerson N. L. Schulz
Professor do Ensino Superior no Brasil




Você sabe o que é uma "cosmovisão"? Já ouviu falar em "positivismo", "materialismo-histórico", "fenomenologia", "genealogia" e "perspectivismo"? Não? Então, na "seção esquema 1" de hoje, tenha acesso a um vídeo sobre o assunto e a um quadro comparativo.

E, após assistir ao vídeo e ler o quadro, analise seus filmes prediletos, seus livros, desenhos e outros, e descubra baseado em qual das teses abaixo os autores se inspiraram para escrever, produzir e pintar.







POSITIVISMO
MATERIALISMO HISTÓRICO

FENOMENOLOGIA

GENEALOGIA
PERSPECTIVISMO

COMTE – DÜRKEIM

HEGEL – MARX

HUSSERL – WEBER

NIETZSCHE – FOUCAULT

LEIBNITZ – NIETZSCHE

Funcionalismo

Dialética

Estruturalismo

Hermenêutica

Ontologia

* A sociedade é natural, representa a natureza das relações humanas;
* A sociedade evolui naturalmente de acordo com as leis naturais coercitivas em relação aos sujeitos;
* Para conhecer a sociedade o cientista deve empregar o método científico de forma neutra, o sujeito que investiga apreende a verdade;
* As leis específicas de evolução da sociedade determinam as funções sociais de cada fato social, grupo ou instituição. Problemas sociais como a fome, a miséria ou o desemprego são disfunções sociais e precisam ser corrigidos para que o organismo funcione bem.

* A sociedade é histórica, resulta do movimento contraditório dos sujeitos em relação às estruturas sociais;
* A sociedade se transforma pela ação contraditória dos grupos sociais que agem condicionados por estruturas sociais historicamente dadas;
* Todo objeto está inserido numa totalidade histórica dada;
* Todo sujeito está limitado na apreensão do objeto pelo horizonte histórico que compartilha;
* A sociedade esta estruturada a partir das relações econômicas e sociais correspondentes a cada período histórico;
* Um dado desenvolvimento tecnológico e uma dada relação de produção comum geram distintas classes sociais;
* A luta das classes sociais está condicionada pelo horizonte histórico destas relações sociais sob o qual se realiza;
* A sociedade chegará ao grau máximo de desenvolvimento histórico, humano, social quando, finalmente, a luta de classes ficar insuportável entre proletários e burgueses e os primeiros tomarem os meios de produção, gerando o socialismo e depois, o último estágio, o comunismo.

* A sociedade é cultural, conforma-se de acordo com a vontade dos sujeitos;
* É inerente à sociedade a existência de uma estrutura própria de desenvolvimento cuja descoberta de sua dinâmica cabe ao cientista social ou ao filósofo;
* As alterações dos processos sociais são resultantes das ações de sujeitos ou grupos que se associam para fazer prevalecer sua vontade;
* Para cada objeto e para cada sujeito há inúmeras possibilidades de apreensão, não há verdade, mas interpretações relativas a cada sujeito sob seu ponto de vista;
*A relação entre sujeitos e grupos sociais é permeada pelas disputas de poder que determinam a realização dos projetos do grupo vencedor;
* A forma de funcionamento da sociedade resulta destas disputas.

* A sociedade é aquilo que se interpreta de si mesma;
* As alterações dos processos sociais são o resultado dos discursos que a própria sociedade produz, então não existem essências de classes ou estamentos sociais;
*A genealogia busca o valor da origem e a origem do valor;
* O poder não está na riqueza ou na pobreza de alguém porque o poder não é algo que se possua, que se venda, ele é uma relação;
* Tanto ricos e pobres podem exercer poder, a sociedade então se configura e se divide entre aqueles que exercem mais ou menos poder não sendo, necessariamente e o tempo todo, sempre apenas o grupo mais rico o grupo dominante;
* A genealogia não se preocupa em saber o que é certo ou errado do ponto de vista moral, lógico ou epistemológico, entende que a verdade é um discurso que é aceito por determinado período de tempo e que há várias verdades que se enfrentam podendo prevalecer uma ou várias delas, dependendo do poder do grupo que a elabora e do poder do discurso de verdade produzido. 


* A sociedade e todas as instituições dela derivadas são apenas uma invenção;
* A sociedade é fruto daquilo que é capaz de interpretar sobre si mesma e o parâmetro para isso é o poder de interpretação dos indivíduos;
* Qualquer das teorias científicas, filosóficas, históricas, sociológicas são apenas um ponto de
vista;
* A verdade é o ponto de vista do expectador e depende dos parâmetros que ele toma para elaborá-la;
*As ciências humanas e naturais são apenas construções culturais sujeitas ao contexto ontológico dos indivíduos.
* Não há certo e errado em campo algum do saber, o que há são interpretações;
* O próprio conhecimento é uma invenção;
* Não há fatos, somente interpretações;
* Não há mais sujeito, somente indivíduos;
* O perspectivismo não trabalha com a ideia de "normal" e "patológico", o "moral" e o "imoral", pois eles também são invenções;
* Aquilo que se chama "verdade" é sempre aquilo que se presta para resolver um problema até que apareça outra solução melhor;
* Para o perspectivismo é inútil tentar compreender a totalidade, pois o conhecimento é sempre um fragmento. É sempre "mutatis mutandis".


terça-feira, 25 de agosto de 2015

A ILUSÃO DA MAIS-VALIA




Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia no Brasil




Apiacás com João Ramalho - SP
Foto do arquivo pessoal de Gerson Schulz

Era julho de 2015, meio dia. Eu estava tomando um café com sanduíche num bar popular na esquina da rua Apiacás com a João Ramalho, nas Perdizes, em São Paulo. Estava calor. Apesar de ser inverno, o dia estava ensolarado e com nuvens esparsas.

Eu admirava – com a perspectiva de um cliente – a destreza e a rapidez com que o garçom preparava lanches, servia coxinhas, pães de queijo, aquecia esfirras no micro-ondas e, quase ao mesmo tempo em que cortava laranjas para espremer e preparar o suco que eu havia pedido, conversava com seus clientes conhecidos que iam chegando para o almoço. Outro colega dele cortava limões para preparar bebidas. Outro cozinhava atrapalhado pelos vapores quentes que saiam das panelas.

De repente as mesas vazias se encheram rapidamente. Duas mulheres jovens, com uniformes azuis que pareciam ser comerciárias, solicitaram sanduíches para levar. Induzi que estavam em horário de almoço e não teriam sequer tempo para comer ali.

Os trabalhadores no bar Nova Lisboa - SP
Foto do arquivo pessoal de Gerson Schulz


Havia umas trinta mesinhas de quatro lugares naquele estabelecimento que rapidamente ficaram cheias. As pessoas que as ocuparam não eram muito diferentes. Eram, na maior parte, pessoas vestindo uniformes. Entregadores de gás, vendedores, operários de fábrica e oficinas mecânicas, garis. E eu estava lá e, por um momento, me perguntei: o que fazia ali? Uma vez que aquele não era meu universo!

Não por preconceito, mas porque não sou paulistano, não sou operário de serviço pesado e não deveria estar comento sanduíches gordurosos de boteco que fazem mal para a saúde de qualquer um, mas foi circunstancial...

O mais estranho era estar ali pensando que não devia estar ali e analisando, ao mesmo tempo, as cenas. Pensava sobre quem eram aquelas pessoas e como suportavam sua rotina de trabalho. Então me lembrei de Karl Marx (1818-1883) que afirmava que o capitalismo era nefasto porque espoliava os trabalhadores, ao explorar o único bem que eles têm, sua força de trabalho.

A teoria de Marx diz que os donos dos meios de produção (os capitalistas), detêm o capital e como eles detêm os modos de produção (as máquinas, os implementos, as terras e etc.), eles pagam o salário ao trabalhador que, em troca, vende sua força de trabalho (barata) ao capitalista. Barata porque, para Marx, ninguém ganha o quanto merece!

Assim, na esteira de Marx, eu me perguntei, por exemplo: em quanto tempo um pedreiro, um entregador de mercadorias, um motorista, um lixeiro, um empregado qualquer daqueles ali, naquele dia, precisava trabalhar para produzir seu salário?

Marx, em "O Capital", calculou que o tempo da metade de um dia é o tempo necessário que qualquer operário leva para produzir a riqueza para o capitalista pagar o seu salário. Dessa forma, o restante do dinheiro do tempo trabalhado (da outra metade do dia), fica com os donos dos meios de produção. A esse excedente Marx chamou de "mais-valia".

Por isso, de acordo com Marx, quando a classe trabalhadora tomasse consciência dessa espoliação – do fato de que o patrão fica com o resto da produção de um dia de trabalho e com a produção de todos os outros dias de trabalho do mês inteiro, faria uma revolução e tomaria para si os meios de produção. Momento em que deixariam de existir as classes sociais e adviria o regime socialista. As fábricas e os comércios iriam para as "mãos" de seus "donos legítimos", os trabalhadores; e a exploração desapareceria da face da Terra porque se acabariam as classes sociais, desapareceriam ricos e pobres.

Mas hoje essa teoria soa romântica e me soou também quando eu olhei para aquelas pessoas no bar da esquina da Apiacás com a João Ramalho. As mãos endurecidas, a conversa sobre um de seus maiores lazeres (futebol), mas também sobre o quanto já tinham trabalhado naquela manhã antes do almoço. Suas vidas rotineiras que tinham por objetivo ganhar seu salário para pagar aluguel, alimentos, transporte, roupas, mandar os filhos para a escola, certamente ruim, da periferia onde moram.

Trabalhadores do Brasil! Gente que passa (como em São Paulo) horas dentro de ônibus e metrôs lotados, em pé, suados! Será que sonham? Perguntei-me naquele meio dia. Sonham, sim, pois em uma mesa havia um trabalhador que sonhava em comprar um par de alianças a prestações e se casar.

É, mas, na prática, a teoria de Marx e Engels não aconteceu. O que ocorreu foi uma experiência malfadada sob a alegada "ditadura do proletariado". A "ditadura do proletariado" de Marx (esse domínio da sociedade por parte dos trabalhadores e o fim das classes sociais) é um sonho que, na prática, se transformou em pesadelo para milhões no mundo real pela falta de liberdade, de democracia, pela insistência na ideia de economia planificada dos socialismos! E, na antiga União Soviética, até por escassez de alimentos e produtos de primeira necessidade.

Mas a minha principal reflexão ali sentado junto àquele balcão de bar foi sobre o grau de justiça que há (ou não há) nos argumentos de Marx quando ele se preocupa com os trabalhadores. Então lembrei que se tem um grande problema em seus argumentos quando ele fala da mais-valia e lembrei também de um autor chamado Eugen Von Böhm-Bawerk (1851-1914) e de outro chamado Ludwig von Mises (1881-1973) que, separadamente, refutaram Marx e mostraram porque a mais-valia é um argumento falacioso.

Para ambos, Marx não considerou que o capitalista tem que investir na produção, nas máquinas, nas matérias primas e pagar os salários dos empregados, tudo isso antes de receber o possível "lucro". Na prática, não há qualquer garantia de que o empregador receberá aquilo que investiu e mais um pouco (o capital necessário para continuar mantendo a produção). Assim, mesmo que o trabalhador fosse explorado e oprimido, ele já recebeu seu salário antes mesmo do capitalista iniciar a venda de suas mercadorias. Mas há exploração?

Eu penso que Marx acusa os capitalistas de apenas explorarem os trabalhadores, mas não diz que os capitalistas também precisam trabalhar, senão braçalmente, intelectualmente – realizando negócios para vender seus produtos a outros capitalistas, viajar para encontrar matérias-primas mais baratas, investir, se arriscar no mercado e pagar os impostos que os governos exigem para permitir que alguém inicie um negócio.

A teoria de Marx me levou a um exemplo incomum, mas não impossível. Vamos imaginar um pequeno produtor rural que tem um sítio onde produz hortaliças juntamente com sua família (esposa e filhos). Esse pequeno produtor precisa conseguir a terra (que pode ser sua por herança ou pode ser arrendada). Para produzir, ele precisa comprar as sementes, o adubo, os herbicidas, irrigar a lavoura. Suponhamos que em determinado período a safra foi maior do que ele pôde colher com a ajuda de seus próprios braços, da esposa e filhos e ele precise contratar um empregado para ajudá-lo. Ele negocia com o empregado um valor de $ 50,00 dinheiros por dia de serviço e lhe paga ao final da semana o combinado, ou seja, $ 250,00 dinheiros. Esse trabalhador, embora tenha trabalhado de segunda-feira a sexta-feira, ao fim da semana terá recebido seu pagamento, o pequeno produtor, não. Ele terá que esperar até o dia da feira-livre (no sábado) na cidade (onde geralmente ele vende seus produtos). Transportá-los (e, com isso, gastar tempo, combustível, dinheiro para alimentação de sua família durante o período de estadia fora de casa e etc.), e ainda torcer para conseguir vender todas as hortaliças na feira-livre. Ele assume algo que o trabalhador não pode assumir devido a sua condição (e não assume, porque não precisa), o risco.

O feirante poderá ou não conseguir vender todos os seus produtos. E mais, e se os outros concorrentes feirantes também tiveram superprodução naquele período? Isso significa que o preço das hortaliças, devido a grande oferta, será menor que na safra anterior, o lucro corre, assim, o risco de ser menor.

Ao seguir o raciocínio do feirante que contrata um empregado, seria possível dizer que um gerente de banco privado é um "oprimido" porque recebe salário e o pequeno produtor rural é um capitalista, algo que é um disparate porque um gerente de banco detém um poder de compra muito maior que o pequeno produtor rural, nesse exemplo.

Tênis de marcas famosas
fabricados em países que usam mão de obra
sabidamente escrava ou semi-escrava
como Cambodia e Vietnã
Fonte: arquivo pessoal de
Gerson Schulz

Mises aponta que, de acordo com Marx, todos os bens são fruto apenas do tempo gasto para produzi-lo e do trabalho do operário. Em outras palavras, Marx diz que uma mercadoria custa, por exemplo, $ 10,00 dinheiros apenas porque nela o trabalhador empregou um tempo socialmente gasto para produzi-la, mas há, para Mises nessa premissa, um erro. Nenhum produto vale apenas pelo tempo socialmente gasto pelo trabalhador para fabricá-lo. Pois se fosse assim, como poderíamos comparar o trabalho de um escultor com o trabalho de alguém que limpa a sarjeta? As pessoas pagam muito mais pela arte do escultor (como também pagam por uma garrafa de vinho raro ou por um quadro) do que a um faxineiro ou jardineiro que limpe suas casas ou gramado e, ao contrário do que diz Marx, isso nada tem que ver com o tempo socialmente gasto para produzir uma mercadoria ou prestar um serviço. Isso tem que ver com a relação psicológica que as pessoas mantêm com as mercadorias.

Marx também afirma em "O Capital" que a exploração existe porque a mercadoria rende ao capitalista muito mais além dos valores que ele gastou para produzi-la, mas Mises faz notar que ele esquece que a forma como as mercadorias são consumidas se transforma ao longo do tempo (e um dos fatores que lembro para mudar isso é a inflação), de forma que o preço de uma mercadoria hoje não será o mesmo amanhã. Marx, aqui, toma a parte pelo todo e quer forçar a conclusão a se tornar universal, mas ela continua valendo apenas para o âmbito particular.

O preço da mercadoria no mercado do futuro poderá ser maior, gerando mais dinheiro ao capitalista, mas também poderá ser, por infortúnio, menor, caso não seja vendido rapidamente. Isso, faço lembrar, sem abordar as mercadorias que são perecíveis e que precisam ser consumidas logo, mas que nem sempre são.

Marx comete outro erro quando, ideologicamente, quer instaurar o socialismo ao dizer que a exploração é a essência do capitalismo e por esse motivo ele deveria ser abolido. Isso não é verdade de acordo com um raciocínio simples e empírico. Suponhamos que um empresário que deseja abrir uma fábrica de sapatos faça o seguinte cálculo: "para abrir a fábrica eu (o empresário) preciso saber se ela dará lucro (do qual parte eu investirei na produção, parte pagarei os salários dos empregados e parte ficará para mim a fim de me sustentar juntamente com minha família). Como eu faço isso?" Ao fazer um exercício simples, por exemplo, suponha-se que para produzir um par de sapatos eu gaste $ 50 dinheiros. Para fazer esse cálculo é preciso saber ao menos os preços das matérias primas, o salário (em média) que terei que pagar a cada empregado participante do processo de produção, os meios de produção, seu desgaste natural e as matérias de produção auxiliares, preço das instalações, aluguéis e outros.

O outro fator é o capital variável que é a parte do capital usada pelo empresário para pagar os salários. O que Marx fez foi calcular o custo de produção e subtraí-lo do preço final do produto. Ele percebeu que ambos não eram iguais, pois havia um valor que aparecera como que por "mágica" sobre o produto. A esse produto, ele chamou "mais-valia". Porém, se na prática o empresário que quer montar uma fábrica de sapatos fizer o cálculo e, supomos que o cálculo apresente o resultado positivo de lucro como $ 20,00 dinheiros e eu somar a isso os $ 50,00 dinheiros, eu terei $ 80,00 dinheiros. O que Marx questiona é o surgimento dos $ 20,00 dinheiros e ele afirma que esse "plus" é força de trabalho não paga pelo capitalista e que é produzida pelo trabalhador. Isso na prática não é verdade porque nem sempre se terá $ 20,00 dinheiros para pagar o trabalho do assalariado, isso vai depender de uma série de condições independentes da vontade do capitalista como intempéries, custos de transporte, armazenamento; no caso dos sapatos, a moda, as tendências e etc. Outra variável que eu acrescento é o fato que todo empreendedor sabe, que por meses ou anos uma empresa costuma não dar lucro e, muitas vezes, o empreendedor tem que recorrer a empréstimos para cobrir até mesmo custos de produção ou salários. De certa forma, a mais-valia pode ocorrer, mas ela não é uma regra como Marx postulou, ela é algo que pode ou não ocorrer dentro do sistema capitalista.

Outro argumento que pode rebater a crítica marxiana à exploração capitalista quanto à mais-valia (considerando que Marx afirmou que o aumento da riqueza se dava em relação à exploração dos trabalhadores) é o fato empírico de que, nos dias atuais, se percebe que as empresas que mais têm lucro no mercado não são aquelas que dispõem de grande montante de empregados (cuja força de trabalho, supostamente, geraria mais-valia para o capitalista), mas, sim, as que dispõem de poucos empregados.

Ora, se são as empresas que dispõem de poucos empregados são as que mais dão lucro, não tem sentido, hoje, o argumento de Marx porque se demonstra aí que o capital gerado não advém de uma suposta exploração do trabalho do operário, o lucro tem, isto sim, outra fonte.

Nessa perspectiva, está certo, em parte, Böhm-Bawerk quando diz que "os socialistas desejam que os trabalhadores recebam mais do que trabalharam" e "mais do que receberiam se fossem empresários".

Eu divagava – sozinho ali no balcão – sobre esse assunto quando percebi que o garçom servia, apressado, uma bebida amarela em pequenos copos de vidro. Percebi que em todas as mesas estava presente aquela bebida, que cada vez mais ela era pedida. Fiquei curioso. Vendo-o apressado servindo, perguntei o que era aquilo. Ele me disse que era "batidinha", uma mistura de água, cachaça, suco de maracujá e açúcar. Eu disse: "ah...". Foi ali que percebi também que, esteja Marx errado ou não, os trabalhadores (especialmente aqueles que 'pegam no pesado') precisam se "drogar", bebendo álcool para aguentar o serviço a que estão submetidos todos os dias. Mas também pensei que os ricos também se drogam, só que com drogas mais caras como uísque doze anos e outras coisas... O fato é que nem o socialismo como conhecemos e nem o capitalismo nos fizeram felizes. Mas a pergunta que fica é: "o que nos faria felizes?"

Diante daquelas mãos calejadas dos trabalhadores. Dos rostos cansados. Da situação miserável de pobreza, espera por dias melhores e mais felizes e rotina monótona que assola nossas vidas medíocres, penso que naquele dia os operários no bar da Apiacás com a João Ramalho materializavam diante deste professor que vos escreve a situação prática que condiz com a frase predileta de um velho amigo meu que dizia: "só bebendo".


Referências

CARCANHOLO, Reinaldo. Sobre a Ilusória Origem da Mais-valia. In: Revista Crítica Marxista. São Paulo: v.16, p.76-95, 2003.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 1, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.