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terça-feira, 13 de maio de 2014

DESEJO DE ESPERANÇA



"Geralmente as coisas não são como

queríamos; porém, seria a vitória do nosso

egoísmo se fossem,

por isso celebro que, ao menos, temos a

esperança!"

Autor: Gerson N. L. Schulz

sábado, 10 de maio de 2014

ERNST BLOCH: A ESPERANÇA



Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia


Ainda não é noite o dia todo, 
ainda há uma manhã para cada noite.

Ernst Bloch




Pode ser no "ano novo", pode ser no final de semana, na saída de uma missa, de um culto, em uma segunda-feira qualquer, depois do carnaval, depois de perder o emprego, depois de uma briga com alguém, mas há no homem e na mulher um "motor" que faz com que ele e ela se movam e se renovem: é a esperança. A esperança renova a vontade de viver, a fé (para os que têm crença religiosa), a verdade (para os que buscam-na), a cura para o doente, a razão para o louco! E para falar em "esperança" ninguém melhor do que um pensador alemão do século XX chamado Ernst Bloch (1885-1977).

Bloch foi um filósofo marxista de origem judaica. Ele lecionou na Universidade de Leipzig mas, com a ascensão de Hitler ao poder em 1933, exilou-se nos Estados Unidos e só regressou à Alemanha Oriental em 1948, porém radicou-se definitivamente na Alemanha Ocidental dez anos depois onde continuou sendo professor na Universidade de Tübingen.

O marxismo de Bloch foi influenciado pelo romantismo alemão de George Hegel (1770-1831) e pela tradição judaico-cristã. Assim, o princípio fundamental de sua filosofia é a esperança (Hoffnung, em alemão). Para Bloch a história é algo que vai se fazendo de acordo com o princípio da esperança humana. Para ele a consciência é "consciência antecipadora" das coisas, do porvir. E é em "O Princípio Esperança" (1954-1959), em três volumes, que ele define o que é esperança.

Esperança, para o filósofo, não é mera ilusão, emoção infundada e até irracional como pensavam os gregos da escola estóica (para quem o princípio de uma vida feliz estava na ataraxia). Ernst Bloch diz que a esperança é uma emoção e é sempre positiva, daí, para ele, a possibilidade de ela ser a mola da história. Isto é, ninguém comete uma ação: pensar, planejar, viver, caso não tenha "esperança" de pôr seus planos em prática. Então a esperança é uma emoção positiva porque leva alguém de um ponto zero a um ponto infinito. Ela motiva a própria existência humana a sair do que é agora para algo que ainda não é. A sair da ataraxia, do estado de conforto. Ela é responsável, assim, pela transformação.

Mas esperança para Bloch também é o principio vital para se superar a servidão e as estruturas hierárquicas injustas da sociedade contemporânea. Logo, a esperança é militante, é transformadora da sociedade, dos valores, da cultura. O princípio da esperança é que ela não é aquilo que se deixa abalar por uma decepção qualquer, pois se isso acontece, não é esperança, é ilusão, fracasso! A esperança positiva leva o homem à utopia, ao sonho, mas não a um sonho qualquer (onírico), e sim ao sonho da própria existência e de torná-la absolutamente significativa. Bloch dá à esperança o papel de militância, ela serve, assim, como instrumento que deve garantir e promover a luta contra a opressão social, contra as humilhações e ofensas que o sistema político-industrial-militar impinge aos cidadãos. A esperança deve permitir ao homem andar de cabeça ereta e confiante em si mesmo, mas sem a arrogância. A esperança é, assim, aquilo que leva a um humanismo real, e tal humanismo só pode ser concreto, juntamente com a esperança, se o outro for considerado como igual, como ser humano que tem, como todos, os mesmos direitos, porém com o respeito a sua alteridade.

Como a esperança é um sentimento, é mais fácil renová-la nas datas que servem, simbolicamente, de referência para a mudança, como é o caso do ano novo, de um aniversário, de um acontecimento importante na vida de uma pessoa. A esperança é reinício; é um rito de passagem do agora para o depois que ainda não é. Mas esperança é também a possibilidade do perdão, do amor para que daí haja o renascimento. O faminto espera o que comer. Quem não tem moradia espera o lugar para viver. O doente espera a cura.

Por fim, como a Phoenix que renasce sempre das próprias cinzas, a esperança faz os seres humanos se levantarem todos os dias em busca de uma vida melhor de acordo, porém, com aquilo que seu horizonte de esperança permitir.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

SÓCRATES E A FILOSOFIA


Gerson N. L. Schulz




Alusão a Sócrates na hora de sua morte.
Sócrates foi um filósofo grego que viveu por volta de (469 – 399 a.C). Seu lema era: "Conhece-te a ti mesmo". Ele partia da premissa de que nada sabia. Por isso incitava os jovens ao questionamento do óbvio: tinha a coragem de questionar em praça pública conceitos cotidianos como: "o que é a felicidade?" "O que é a coragem?". Muitos, arrogantemente, tentavam responder com exemplos: "coragem é enfrentar o inimigo de peito aberto em batalha!" Sócrates retrucava: "isso não é loucura, suicídio?" Outro dizia: "a felicidade é ter muito dinheiro!" Sócrates ironizava: "não há ricos que se suicidam?" E todos se calavam, pois nenhum dos interlocutores conseguia definir, claramente, esses e outros conceitos considerados inquestionáveis como a bondade, a justiça, o belo. Destarte, as aulas de Sócrates a seus discípulos trouxeram-lhe a fama, ainda mais porque ele nada cobrava de seus alunos, diferentemente dos filósofos sofistas (profissionais na arte da retórica) que cobravam altos preços por suas aulas. Sócrates, inevitavelmente, questionou as grandes verdades da sociedade grega: a política dos poderosos, a justiça dos tribunais, a venda do conhecimento praticada pelos sofistas (a quem detestava) e a religião pública controlada pelos sacerdotes. Suas perguntas ácidas e sua ironia para com os inimigos incomodaram a classe abastada de Atenas, a quem interessava manter o status quo na política e na religião, pois esses eram seus baldrames no palco do poder, por isso houve uma confabulação para levar Sócrates ao tribunal e condená-lo sob a acusação pífia de perverter a juventude e subverter a ordem estabelecida. Na prática, o que Sócrates fazia era incitar os jovens a pensar, apenas.
Enfim, por isso, ele foi obrigado a beber o venenoso sumo da cicuta aos setenta anos de idade.


REFERÊNCIAS

PLATÃO. República. Lisboa: Gulbenkian, 1993.

REALE, Giovanni ; ANTISERI, Dario. História da filosofia: antiguidade e idade média. 6. ed. São Paulo: Paulus, 1990.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

PAULO FREIRE: PEDAGOGIA DE REBANHO?



Prof. Dr. Gerson Nei Lemos Schulz
Editor do Blog





Atualmente ainda é muito comum ouvir-se nas escolas e nas graduações, especialmente de Pedagogia nas universidades, discursos como os dos professores Saviani ou Paulo Freire. As chamadas "pedagogias críticas".

Saviani, por exemplo, afirma em "Escola e democracia" (1983), que a "pedagogia revolucionária", acredita na igualdade essencial entre as pessoas. E que essa igualdade deve ser entendida em termos reais e não apenas formais (1983, p. 68). Então, o objetivo da educação crítica e revolucionária, segundo ele, é servir de instrumento para a instauração de uma sociedade igualitária. E, com esse fim, torna-se obrigatório que as classes exploradas e oprimidas tomem consciência de que é fundamental se apropriar da escola como instrumento para a "libertação" de sua condição de oprimidos.

Assim, nessa perspectiva, é essencial impor que a escola, e também o trabalho dos professores, intente a superação do modelo de sociedade vigente para a construção de uma sociedade sem classes, a sociedade socialista (SAVIANI, Pedagogia histórico-crítica, 1991, p. 105).

Por seu turno, a pedagogia de Paulo Freire – cujo ponto alto está em palavras-chave como "opressão", "libertação", "conscientização" –, segundo a professora Maria Manuela Alves Garcia (da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas em sua tese: 'A função pastoral-disciplinar das pedagogias críticas', UFRGS, 2000), tem como proposta educacional a "pedagogia libertadora" e essa não deve propor meramente conteúdos ou conhecimentos escolares, nem meras técnicas para se chegar à alfabetização ou à especialização, a fim de obter qualificação profissional ou pensamento crítico. Esses métodos – continua ela citando Freire – devem, sim, levar os sujeitos à "intimidade da sociedade" e à "razão de ser" de cada objeto de estudo. Analisa ela que "o discurso libertador 'ilumina' a realidade no contexto do desenvolvimento do trabalho intelectual sério" e, concomitantemente, ilumina e esclarece também a razão e as consciências.

Pode-se perceber que ocorre aqui uma "iluminação" e um "esclarecimento" que resultam do exercício da reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo, "[...] do exame de consciência e do exame do mundo em que transcorre a existência daqueles que estão aprendendo" (FREIRE & SHOR, Medo e ousadia, 1987, p. 24-25).

Para a professora, a produção do cidadão racional, masculino, (auto)reflexivo e autônomo – em outras palavras – o sujeito ou a classe social plenamente desenvolvidos, a redenção e a salvação de si mesmo e da humanidade, pelo poder libertador da razão e da ação humanas, sintetizam os enunciados de pedagogias que se auto-intitulam: "pedagogias revolucionárias", "sócio-histórica", "histórico-crítica", "crítico-social dos conteúdos", "libertadora", "da conscientização", "da autonomia", e "da esperança", quando tratam das finalidades, das metas ou da teleologia da educação e do trabalho "didático-pedagógico crítico e progressista". É por isso que em sua tese a professora defende a ideia de que essas pedagogias são "pastorais" e "disciplinares".

As reflexões da professora me levam a perceber que essas pedagogias são moralizantes e moralistas, que pregam a "libertação" e a "autonomia", mas fazem justamente o contrário. Ela leva a crer que tais pedagogias são atos que tentam inculcar no indivíduo que todos são bons por natureza (tese rousseuniana do século XVIII) que também embasa as teorias marxistas do século XIX e XX. E, da mesma forma, são também a expressão tardia do Iluminismo francês do século XVIII quando pregam que há uma realidade que precisa ser desvelada, iluminada. Marx chega a afirmar que existe uma classe (geralmente chamada de burguesia) que falseia a realidade e a distorce para seu benefício em detrimento dos operários. Então é preciso revelar para as pessoas a "verdade", – o que é um ato de fé quando se acredita que existe apenas uma verdade – e qual verdade? – aquela que é propagada pela vanguarda intelectual que se dá a autoridade de "formar" o coletivo!

Outro argumento duvidoso é o que afirma que essa revelação da "verdade" se dá pela "conscientização", que é um processo pedagógico criado pelo coletivo das pessoas que se intitulam oprimidas ou excluídas. Dessa forma, a conscientização, quando ato pedagógico, pode ser adquirida na família, na igreja, mas especialmente na escola, pois é o lugar que desfruta de maior tempo obrigatório de audiência para os estudantes. É aí que o trabalho do professor é relevante ao funcionar como "guia", "pastor" (função outrora atribuída aos padres).

O guia é aquele que conduzirá os indivíduos para a "libertação" por meio da "conscientização". Então o professor/pastor, de posse do conhecimento a partir da perspectiva da luta de classes, levará – inevitavelmente – a sociedade ao socialismo, verdade "incontestável", "justa" e "absoluta" nas propostas pedagógicas libertadoras e histórico-críticas. Mas aqui pergunto: tais pedagogias não dão seguimento ao erro de Marx quando advogou a possibilidade do socialismo ser científico, acreditando que uma ideologia (o socialismo) poderia ter status de ciência?

A dinâmica dessas propostas implica que todos no coletivo se policiem para não cair na "tentação" de distorcer a realidade em seu benefício nem cair em algum modo de interpretar a sociedade por outro viés que não o da luta de classes e o do socialismo. Mas não é essa pedagogia um 'moralismo'? Pois, à medida que afirma que existe um "inimigo do povo" que deve ser perseguido e combatido a qualquer custo sob pena de (caso isso não ocorra) todo o projeto desabar e a sociedade "conscientizada" sofrer com a injustiça, a opressão, a desigualdade – palavras comuns tanto no discurso de Freire e de Saviani); e não é sem essa "conscientização iluminada" voltada para a igualdade das classes que se tem o "reino" das condutas da imoralidade? Condutas essas "imorais" apenas porque não são fruto da doutrina socialista? Não é também moralizante à medida que obriga todos que acreditam em seu "auto-de-fé" a se policiarem a si próprios, lutando para manter coeso e motivado o grupo (a sociedade) sob a mesma doutrinação ideológica para conseguir conquistar seu objetivo, a sociedade sem classes do socialismo? Além disso, as propostas desses autores parecem moralistas e moralizantes à medida que incorporam aos seus discursos as dicotomias presentes no binarismo das palavras "justo/injusto, "bom/mau", "pensar certo/pensar errado" e etc. Os autores não percebem que ao propor modelos de educação universalistas e totalizantes, eles seguem a mesma filosofia da educação que criticam e que provêm do Iluminismo francês. Também não percebem que suas propostas não têm qualquer possibilidade de se dizerem "melhor" ou "pior" que outras filosofias da educação porque são apenas discursos – propostas e concepções particulares de mundo – e, como tal, carregados de valorações subjetivas.


Sigo esta reflexão indagando: e o que a escola tem que ver com isso?
Ao considerar os argumentos favoráveis às teorias críticas concluo que a educação, nessa proposta, torna-se o que Nietzsche chama de "educação de rebanho". Uma educação para ovelhas, para bois...
Nietzsche, em "A genealogia da moral" (1974), faz severas críticas à moral ocidental afirmando que ela nunca deixou de ser, mesmo na modernidade racionalista, uma "moral de padres", ou como ele diz: uma "moral de rebanho". A moral de rebanho é aquela que pretende tornar os diferentes em iguais.

Assim, a escola que aplica qualquer uma das chamadas teorias críticas na sala de aula se torna uma instituição que, ao invés de permitir que o ser humano se desenvolva de acordo com seus potenciais, colabora para que haja um tipo de "castração" de ideias porque, na prática, contribui para que seja instaurado e oficializado um discurso doutrinário que promete a "libertação", porém, disfarçado de doutrinação. Quando uma escola qualquer adota tais discursos, alegando que eles são os únicos que portam a "verdade", ela deixa de ser uma instituição de formação para a pluralidade de pensamento e passa a ser um instrumento de "formação de rebanhos" porque toma indivíduos com potenciais diferentes, modos de pensar diferentes, e os padroniza por meio dos conteúdos reproduzidos pela figura da autoridade professoral. Conteúdos estes que estão de acordo com o que pensa a vanguarda que é formada pelos "intelectuais" que governam o coletivo.

Veja também

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2010/05/por-que-nietzsche-nao-e-cristao.html

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2012/12/paulo-freire-inside-out.html

http://filosofiadomarcozero.blogspot.com.br/2013/03/o-opressor-e-o-oprimido-na-perspectiva.html



Então, essas propostas falham escandalosamente porque prometem a "libertação" e a "autonomia" mas impõem (e aqui acaba a liberdade) a padronização e o pensamento único e finda a "autonomia" quando esta é substituída pela heteronomia do coletivismo.

Enfim, a escola institui e mantém assim uma "ditadura do coletivo" sobre os indivíduos. Por isso, para Nietzsche, em uma sociedade coletivista, todos são policiais de todos. Há uma vigilância ininterrupta sobre cada um, exercida por todos para que em momento algum um dos membros se desgarre – tal qual ocorre com as ovelhas que – às vezes – se desgarram da tutela do pastor – que promete as conduzir sempre ao "bom caminho".



REFERÊNCIAS




FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia; o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GARCIA, Maria Manuela Alves. A função pastoral-disciplinar das pedagogias críticas. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação da UFRGS, 2000.


NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. In: Os Pensadores. 1. ed. v. XXXII. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica; primeiras aproximações. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.

______. Escola e democracia II – para além da teoria da curvatura da vara. In: ______. Escola e democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1983, p. 62-84.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O QUE É INDIFERENÇA?



Gerson Nei Lemos Schulz
Prof. universitário



 Fonte da imagem:
http://www.gepazebem.org/
amor-versus-indiferenca.html/indiferenca1
Indiferente é a pessoa que não demonstra preocupação alguma, se comporta de forma serena em face de algo ou alguém. É a ausência de interesse, a falta de consideração. Geralmente a indiferença se dá pela falta de sentimentos ou reações aos desejos, vontades, deveres ou direitos alheios.

Mas a indiferença não é apenas uma palavra, um conceito, é uma prática que vejo aumentar todos os dias nas ruas, entre as pessoas, as famílias. E se aumenta nas ruas há uma origem que tem a ver com a educação.

Parece óbvio que desde a revolução industrial as mulheres ganharam cada vez mais o direito ao trabalho fora de casa, com isso o modelo de família em que apenas os homens garantiam o sustento do lar mudou. De lá para cá se tem outros modelos de família: pais solteiros, mães solteiras, avôs que criam seus netos, casais gays e outros. Essa reflexão de forma alguma tem o objetivo de responsabilizar a independência feminina para o trabalho às mudanças ou origens do aumento da indiferença. Mas um dos fatos que se somam a isso é que os filhos, não importando por quem são educados, estão ficando sozinhos em casa, pois seus pais tem que trabalhar não só porque é uma necessidade antropológica, mas também porque é uma necessidade econômica.

No Brasil, segundo o Painel Nacional de Televisores (Ibope, 2011), as crianças entre 4 e 11 anos permanecem três horas na escola e cinco horas em frente à televisão, o que significa que quem as está educando é a programação da TV aberta que, acredito, tenha poucas qualidades pedagógicas levando-se em consideração as quatro maiores emissoras concorrentes. Nesse sentido ainda se pode comparar a escola à TV no quesito financiamento. Enquanto no Rio Grande do Sul um professor com treze anos de trabalho ganha RS 1300,00/mês, um apresentador de programa dominical ganha entre R$ 1.000.000,00 e R$ 2.000.000,00/mês. Enquanto a escola ganha parcos recursos públicos que muitas vezes não chegam ao destino carcomidos pela corrupção, um espaço no horário nobre da Rede Bandeirantes custa R$ 1.000.000,00 e este espaço nunca está vago. Quem está mais motivado a trabalhar, o professor ou o apresentador de TV?

Em relação à proposta pedagógica, quem interage mais, a escola com aulas semelhantes aos tempos do nascimento da Filosofia na Grécia Antiga onde o mestre falava a uma plateia entre cinquenta ou mais pessoas? Onde o mestre pedia exercícios de fixação a seus discípulos ou como no período medieval em que a escolástica pedia aos alunos que fossem incansáveis repetindo até memorizar todo o conhecimento? Ou a TV, em que as mensagens são transmitidas por comunicadores profissionais, onde as cores, bem ao gosto das crianças, são exuberantes, os sons são agradáveis, os olhos e os ouvidos são super-estimulados, onde, nos adolescentes, se estimula o consumo de mercadorias, às vezes inúteis e com forte apelo sexual, objetificando geralmente o corpo feminino?

A escola parece que perde no quesito interesse frente a TV! E a internet? Suas possibilidades são várias, inclusive ela pode conter todo o conhecimento humano. Vários grupos defendem que a rede mundial poderá abolir os professores e que ela será um ambiente onde cada um poderá se auto-instruir praticamente sem custos. Muito bem, é discutível afirmar isso, uma vez que se pergunta: será que os "alunos" conseguirão relacionar A e B sem a intermediação do professor?

Mas e a indiferença? Um dos lugares em que ela se manifesta mais frequentemente é no trânsito. O Brasil é o quarto país do mundo onde as pessoas são mais violentas no trânsito. Com um terço dos carros que circulam nos E.U.A, o Brasil supera aquele país no número de mortos em acidentes onde a principal causa é a imprudência. A indiferença está quando alguém troca de pista sem alertar os demais condutores da via, quando alguém não respeita os limites de velocidade, quando alguém bebe e pega o volante, quando alguém dirige com sono. E esse alguém não é "ninguém", esse alguém é você, posso ser eu! É o cientista, o policial, o médico, o pedreiro, o pintor, o professor, o desempregado! Esse alguém tem nome, endereço e profissão. Não é o "alguém" abstrato do conceito, da teoria, é alguém real! E esse alguém deixa mortos, deixa feridos irrecuperáveis, deixa tristeza, deixa injustiça pelas ruas e estradas. Por que um motorista ultrapassa em lugar proibido ou em uma curva? Por que um motorista assume este risco? Por que alguém põe em prática essa indiferença pelos demais condutores que circulam no sentido contrário da estrada? Por que esse alguém joga lixo em lugar proibido, mesmo sabendo que tal ato gera e espalha doenças para outras pessoas e até para si mesmas? Mesmo sabendo que isso contamina árvores e fontes de água?

Na prática esse alguém é um criminoso. Mais: não será essa indiferença o sintoma de uma doença? Não será a própria indiferença a doença?

Como classificar o sujeito que estaciona na vaga dos deficientes físicos sem o ser? O caminhoneiro que ultrapassa em uma curva?

Mas o que tem que ver com isso a TV e a escola? A TV promove propaganda de carros velozes, promove a imagem de masculinidade ainda associada à velocidade e ousadia no trânsito. Cria uma irrealidade a partir de fragmentos: a um comercial de carros segue-se um de doces ou refrigerantes e outro de cerveja. Os comerciais de publicidade sempre associam a compra à satisfação do indivíduo e nunca da coletividade. Tais comerciais são fragmentos porque não mantém qualquer relação de causa e efeitos uns com os outros. Fazem os desaviados pensar que o mundo está aí somente para eles. Para satisfazer suas necessidades animais. Os comerciais, bem como a educação midiática, mostram um mundo em que o indivíduo paira absoluto na esfera isolada acima do coletivo. É esse mecanismo que põe em funcionamento dentro da mente do desavisado um alerta que soa somente em seu cérebro ingênuo que lhe faz pensar que ele tem, como nos comerciais da TV, todo o direito sobre o mundo. Que o faz pensar que ele está sozinho para usufruir das coisas do mundo. É esse pensamento ingênuo e falso que "autoriza" alguém a jogar lixo em lugares proibidos. Essa falsa premissa permite que os desavisados se autorizem a reclamar por um falso direito que é aquele que eles usam para "encher a boca" alegando que jogam o seu lixo em lugar proibido, em frente à casas alheias porque o Poder Público não lhes dá o que eles merecem: o descarte correto do lixo. Assim, essa prática se perpetua e o falso direito prevalece em detrimento àqueles que gostariam de lutar pelo direito coletivo.

Por isso a situações parecem desconectadas, sem relação! Os desavisados não conseguem fazer a relação do uso do carro com as regras de trânsito ao dirigir. Não conseguem relacionar que o fato de descartarem o lixo em local proibido os põe contra o bom-senso e contra aqueles que desejam um ambiente saudável. Não conseguem perceber que são eles quem estão alijados e marginalizados pelo Poder Público que lhes cobra impostos pesados, mas lhes é indiferente. A inverídica premissa agindo dentro da mente dos desavisados lhes dá a falsa sensação de esperteza, mas o que ocorre é que eles é que são os maiores prejudicados porque, além de serem marginalizados pela autoridade competente, são eles que correm o risco de se tornarem mais doentes com as bactérias do lixo além de sua indiferença.

O que fazer quando a lei é amplamente ignorada? Ficar indiferente a ela? Adequar-se à situação? É o que o próprio sistema, que tem a indiferença inerente, faz com as pessoas. Esse modo de vida atual que associa sucesso à produção e à rapidez e deixa cada vez mais mortos, leva a sociedade ao colapso onde as leis de convivência social não funcionam mais, justamente porque as pessoas, para poder atender à demanda pessoal, as ignoram como se elas fossem obsoletas e não uma salvaguarda do respeito a todos. Essa dinâmica leva o interesse privado a superar o interesse coletivo. Como a TV afirma o tempo todo que o interesse do indivíduo está acima do coletivo, o "imperativo categórico da sobrevivência" dentro desse modelo de civilização fica, assim, comprometido porque é impossível a auto-crítica. Também se torna impossível a crítica ao próprio modelo que é tomado pela maioria das pessoas como o mais perfeito.

Fonte desta imagem e arte:
http://natrilhadocastelo.blogspot.com.br/
2012/12/assassinato-de-indio-galdino.html
Outro exemplo de indiferença que gostaria de relembrar é o caso do índio pataxó, o índio "Galdino", morto com 95% do corpo queimado por cinco jovens em Brasília há dezesseis anos, aos 44 de idade. Dos sete condenados, todos já estão soltos. Alguns hoje ocupam cargos públicos, inclusive. Na ocasião, em 1997, os assassinos alegaram que apenas queriam brincar com a vítima. Será que atear fogo a uma pessoa que está dormindo, sem direito à defesa, é "brincar"?


O mais curioso é que este crime ocorreu na capital federal e os condenados não ficaram presos mais do que cinco anos. Em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 2012, um mendigo foi amarrado a uma pilastra de uma caixa d'água pública, empalado e depois queimado vivo. Na cidade de Pelotas a notícia ganhou pouco destaque nos jornais. Após alguns dias, um cachorro foi morto por um cidadão que defendia uma criança de seu ataque. A população pelotense se indignou com o "assassinato" do animal e organizou passeatas pedindo justiça ao animal morto. Um vereador até propôs a criação de uma comissão especial municipal de defesa dos animais. O homem que matou o cão está respondendo por crime contra os animais. O mais estranho é que ninguém protestou pedindo justiça ao homem que foi empalado, sem chance de se defender, e depois queimado vivo! Pelotas tem 350.000 habitantes, não é no mínimo estranho que seus cidadãos não tenham se indignado também com esse assassinato crudelíssimo?



Será a indiferença um novo valor social?
Mas caso a indiferença seja reconhecida como um novo valor será, então, um direito! O direito à indiferença?

Em caso afirmativo é, no mínimo curioso, pois seria um direito contraditório porque levaria ao colapso a sociedade em função de que se todos forem indiferentes uns aos outros e a tudo, a própria sociedade que, para funcionar, necessita de um mínimo de cordialidade e solidariedade, se extinguirá.

Por fim, parece que se a indiferença for novo valor estará estabelecido aquele jogo em que se um ganhar todos perdem porque à medida que um tiver direito de ser indiferente, todos terão e então as regras de convivência e a lei, a cordialidade e a boa convivência serão banidas.

Voltar-se-ia ao estado de natureza, como diz o filósofo Thomas Hobbes, àquele estágio de selvageria que havia antes da existência da civilização como a conhecemos.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O QUE É DIALÉTICA EM MARX?



Prof. Gerson Nei Lemos Schulz

Editor



1 O Conceito Geral de Dialética



Pode-se afirmar, de forma geral, que a dialética é um jogo de oposições, uma forma de dialogar com coerência e com lógica. Para Zanotelli (Orçamento Participativo: pressupostos ético-críticos para a participação popular, 2003) ela pode ser também o caminho para o consenso e para a verdade.

Então, o discurso, tentando unificar num todo lógico os níveis formais, encontra oposições que resultam da finitude do sujeito ou da multiplicidade e contingência do objeto.  Ao intentar a unidade no centro das oposições, o discurso se torna dialético. Dialético é tudo o que se refere à discussão.


Para Zanotelli (2003), todo aquele que fala pretende que o objeto apresentado possa encontrar sentido de consenso no interlocutor e isso se dá por meio de argumentos os quais o interlocutor poderá opor seus contra-argumentos. Já para Habermas (Pragmática Universal), a ação comunicativa que pretende um "por-se de acordo sobre algo" que se apresente, supõe que o objeto apresentado sintetize os argumentos para o consenso. Ele é o consenso da discussão.

Mas é importante perceber que a identidade e a negação acontecem na síntese. Assim a tese só é tese na síntese. A "anti-tese" só é e ganha sentido de antítese na síntese. A análise, como exame do desdobramento dos opostos, e enquanto opostos, tem na síntese seu horizonte, sua raiz e seu "telos". Mas, de onde vem a síntese?




Tudo, se é síntese, desde a menor partícula da matéria até a forma de vida mais plena (animal, homem), não é justaposição de oposições, anulação de oposição, fuga da oposição. É a possibilidade da oposição enquanto oposição. Recolhe, guarda os opostos em sua identidade de opostos desde e a partir de sua superação.

A síntese, portanto, não é apenas resultado da oposição e sua negação. É ela que possibilita a oposição e a negação como ultrapassagem que recolhe a ambas e as eleva, mantendo-as em sua identidade e negatividade.

Assim, um ente só é si próprio, idêntico a si mesmo, se oposto a todos os outros entes (que são sua negação). Um cão é cão porque não é árvore, homem, mesa, etc. A árvore é árvore enquanto não é cão. Mas o que determina a árvore e o cão não é um ou outro, nem ambos juntos como soma (não somam porque são opostos), mas são referidos, vinculados, ligados um ao outro enquanto opostos, pela síntese (vida, ser) que os antecede, penetra e ultrapassa. Assim, a vida não é o cão, nem a árvore, nem a soma de todos os entes vivos: a vida identifica a cada vivente enquanto idêntico a si e diverso de todos os outros, a vida os vincula e diferencia, a vida os ultrapassa e garante. A própria vida faz sínteses, é o que conclui Zanotelli (2003).


2 A Dialética para Marx e Engels


Até aqui este ensaio sintetizou o conceito de dialética de forma geral. Cabe agora tratar-se da dialética de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) e das três leis da Dialética.
Marx e Engels estudam os fenômenos da natureza (incluindo os fenômenos sociais) para deduzir suas leis de funcionamento e para compreender a essência delas. É isso o que Engels faz em sua obra "O Anti-Dühring" de 1878.
Porém, para compreender essas leis é necessário compreender antes (e aceitar como tais) três pressupostos ou, como chama o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Augusto Triviños (em seu livro "Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais, 1987), categorias, que são:

1) A matéria: incriada, indestrutível e eterna, forma a realidade objetiva (o mundo, o universo), fora da mente humana sendo por pela apenas interpretada, copiada e sentida;

2) A consciência: é uma propriedade da matéria altamente organizada e que, por possuir propriedades muito especiais como as capacidades lógicas, a representação, a sensação, as formação dos juízos, a reflexão, produz imagens do mundo real. A consciência também é formada pela linguagem e pelo mundo do trabalho organizado que só é possível aos seres humanos;

3) A prática: é toda atividade humana material destinada a transformar a natureza e a vida social. Ela pode ser mais bem expressa na Décima Primeira Tese de Marx e Engels contra Feuerbach: "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de formas diferentes, cabe transformá-lo".

Aceitas essas teses, parte-se para a dedução material das leis. A Primeira Lei, de acordo com o prof. Sílvio Sant'Anna (em seu ensaio: A cosmovisão dialético-materialista da história, 2009) é a da Passagem da Qualidade à Quantidade e Vice-versa. Ela diz que tudo muda na natureza ou na cultura humana, mas em ritmos quantitativamente diferentes. Já o professor Triviños exemplifica dizendo que os objetos têm propriedades e isso é sua qualidade que só pode ser conhecida quando se sabe suas propriedades, sua estrutura, sua função e a finalidade do objeto.

A água serve de exemplo quando se aumenta sua temperatura de zero a cem graus. Nesse caso, há uma mudança quantitativa na água, mas ela mantém as mesmas propriedades. Já quando atinge os cem graus, ela transforma-se em vapor se tornando uma substância com outras propriedades devido a alterações de quantidade (de temperatura). Da mesma forma, atingindo o ponto de gelo, ela não dissolve mais outras substâncias, transformando-se em algo completamente novo.

É daí que, em termos sociais, Marx e Engels defendem que a sociedade, quando quantitativamente seus índices de violência, desigualdade entre as classes sociais, aumento de operários sem condições de vida digna, mas também diminuição do analfabetismo e da condição de subnutrição, variarem, haverá a passagem do capitalismo para o socialismo, que é uma sociedade com propriedades completamente diferentes das do capitalismo.

Aqui é preciso observar que no pensamento de Marx e Engels é importante que se diminua as condições de subnutrição das pessoas e os índices de analfabetismo porque é só ocorrendo a seguinte condição material sine qua non que é: "o homem precisa vestir-se, abrigar-se e comer para depois fazer política, filosofia e religião", que poderá refletir sobre a sociedade.

Caso o capitalismo sofresse essa transformação quantitativa, a situação chegaria ao ponto de transformação assim como a água que ferve se transforma em vapor. O capitalismo, então, se tornaria outra coisa. Para Marx e Engels essa outra coisa é o socialismo em que há provisão de saúde, moradias, emprego e educação para todos, aumento da produção industrial e diminuição ou inexistência da divisão das classes sociais.

A Segunda lei é a "Lei da Contradição" e diz que todo objeto tem seu contrário e que concorrem ambos para a transformação. Esta lei é a essência do materialismo porque afirma que tanto na natureza quanto na cultura, a matéria está em movimento que é a propriedade para transformação, para a superação e para a mudança de qualquer fenômeno.

Ao se partir desse pressuposto de que toda a matéria e todo objeto, incluso o homem, são condicionados por seus horizontes históricos e que todas as sociedades conhecidas sempre estão divididas em classes sociais, cujo critério é o fator econômico, então toda classe também gera sua contraditória (senão se quer ferir as convenções da lógica formal, o melhor termo seria antagônico ou contrário porque contraditório é aquilo que não concorda com parte de um todo e não com a totalidade do mesmo). Por exemplo, é a classe dos capitalistas que possui, dentre outras, a propriedade de ser rica enquanto dona dos meios de produção, sua contrária é a classe operária em que uma de suas muitas propriedades é ser pobre e explorada pela outra. Nesse sentido, não existiria a classe capitalista sem a classe trabalhadora.


A Terceira Lei é a Lei da Negação da Negação e ela é essencial para a mudança de um estágio para outro. Como exemplo, pode-se pensar que a matéria evoluiu desde os aminoácidos até o complexo cérebro humano. Da mesma forma a sociedade, no mundo primitivo, não possuía a propriedade privada dos meios de produção, tudo era coletivo. Foi somente com sua evolução para organizações maiores como as cidades e para o Estado que surgiu a divisão do trabalho e a propriedade privada, ficando os frutos da produção nas mãos de poucos e surgindo, pouco a pouco, a desigualdade social.

Como para Marx e Engels toda classe gera sua contrária, o mundo Antigo escravocrata gerou a idade Média cujas classes eram os senhores feudais e os servos da gleba, e a Modernidade gerou os capitalistas e os trabalhadores assalariados e pobres.

Aqui se precisa compreender a diferença que Marx e Engels estabelecem entre evolução e revolução. Na primeira, não se alteram as qualidades quando ocorre uma mudança, seja na água que apenas ferve ou na sociedade que se agita. Na segunda, ocorre uma mudança completa na qualidade, pois o objeto se transforma em outra coisa completamente diferente do que era como a água que vira vapor ou uma sociedade que se revolta e estabelece, por exemplo, o fim da propriedade privada dos grandes meios de produção.

Conforme o professor Sant'Anna (2009) "a negação da negação" é como o movimento contrário de duas engrenagens que, girando para lados opostos garantem algo essencial para cumprir seu objetivo, o movimento. É a negação da negação entre duas teses (como as engrenagens) que gera o movimento (a síntese) que é a superação da contrariedade.


3 Há regras práticas para a análise dialética?


Sim, pelo menos é o que propõe o filósofo Henri Lefèbvre em sua obra "Lógica Formal, Lógica Dialética". Apesar de parecer uma redução da análise proposta por Marx, faz-se aqui de forma 'livre' tal síntese:

Diz ele que:

1) Deve o pesquisador dirigir-se à própria coisa. É a análise objetiva;

2) É preciso apreender o movimento interno da coisa;

3) Apreender as contradições da coisa;

4) Analisar as tendências das contradições da coisa;

5) Ter no horizonte que tudo é interdependente e, portanto, um mínimo detalhe sem importância em algum momento poderá ser fundamental em outro contexto;

6) Captar as transformações entre as contradições tendo em vista que sempre há um devir na história;

7) Ter em mente que a síntese é apenas outra tese e que, por isso, a verdade obtida nunca é absoluta;

8) Apreender as conexões e o movimento da ação;

9) Deve-se manter a dialeticidade do próprio ato da análise, ou seja, o pesquisador deve dar passos à frente, mas também para trás em sua análise, deve "reanalisar" todas as etapas e interpretações que fez na busca da verdade.



Disso tudo resulta que não se chega à "Verdade", mas a verdades. O pesquisador que se propõe analisar determinada realidade social do ponto de vista dialético deve também ter em mente que, como o próprio Marx já disse em sua "Crítica da Economia Política", esse ponto de vista é o do trabalhador.
Em última instância, não há um critério todo poderoso de garantia de que se chegará à Verdade por se usar a dialética, o que se pode endossar nesse sentido é que, como diz Moacir Gadotti em "Concepção dialética da educação" (2006), Marx adverte que toma esse ponto de vista porque é mais "nobre" por ser o contrário da classe burguesa (capitalista) dominante que precisa "mascarar", por meio da propaganda na mídia, periodicamente que atingiu seu status quo trabalhando sem explorar ninguém, honestamente e dentro da mais correta e ilibada moral.

Já o trabalhador não precisa mentir, pois ele não esconde de ninguém que seu objetivo na luta (na greve, na revolução) é a tomada dos meios de produção para a coletividade dos trabalhadores, um ponto de vista político, mas também ideológico, sem dúvida, que Marx nunca deixou de admitir.

Para encerrar, ficam as perguntas de sempre: mesmo que o socialismo seja apenas um momento histórico para o comunismo, o que garantirá que este virá se as experiências que se tiveram até hoje sempre mostraram um Estado poderoso que se construiu a partir de um "socialismo estatal" em que os trabalhadores tomaram parcialmente os meios de produção? O que garantirá que, uma vez realizada a revolução, todos os homens ficarão conscientes de que se deverá suprimir o egoísmo de uma parcela da população pela divisão consciente e justa dos bens conquistados?

O que garante que o critério de justiça (dar a cada um de acordo com sua necessidade) é justo, uma vez que há na essência humana e em sua história, pessoas que foram (e são) talentosas para o invento de coisas novas? Como estimular um cientista a desenvolver tecnologia apenas dizendo a ele que "ele será lembrado como o nome de uma rua ou escola?" Não é justo também dar-lhe uma motivação econômica? Mas fazendo isso, novamente, não se estimulará a concorrência, propriedade do objeto capitalista? Estará correta a visão antropológica, em geral, marxista que acredita que a essência humana é "boa", ao modo de Rousseau e que o socialismo poderia resgatá-la?

Por fim, o socialismo pressupõe uma tomada da consciência de que não é possível que uns tenham mais bens que os outros. Como evitar a prisão ou o assassinato dos discordantes do sistema?

O Comunismo é o fim das instituições existentes no Socialismo, até mesmo do Estado, mas como gerenciar a sociedade e seus produtos sem chefias ou, se as tiver, não permitir que essas se tornem gananciosas e, consequentemente, injustas?

Perguntas que incomodam os 'socialistas utópicos' e os 'socialistas acadêmicos' como chamava o próprio Marx, e aqueles que são socialistas anti-dialéticos em sua própria prática crítica.

sábado, 6 de abril de 2013

DITADURA, NÃO!

OPINIÃO POLÍTICA

Por: Gerson Nei Lemos Schulz
Prof. universitário de Filosofia

"Não sou favorável a qualquer tipo de ditadura, 
seja de 
'direita', seja de 'esquerda'. 
Ditadura, não!"




Nessa semana, alguns círculos comemoram o golpe militar orquestrado por um grupo de oficiais do exército brasileiro na madrugada do dia 31 de março para o dia 1° de abril de 1964. Esse grupo era contrário ao governo, em estilo populista, do presidente João Goulart. Também, de acordo com documentos secretos norte-americanos, liberados em 2004 pelo "The National Security Archives", dos E.U.A, o golpe teve amplo apoio dos Estados Unidos, por meio de seu embaixador aqui no Brasil, Lincoln Gordon. Os norte-americanos liberaram dinheiro e montaram uma operação chamada "Brother Sam" que disponibilizou uma frota (pronta para invadir o Brasil) e apoiar o golpe - golpe este que os militares insistem em chamar de "revolução", coisa que não é - porque uma revolução é a mudança radical da cultura, da estrutura política, econômica e social, algo que não aconteceu no Brasil que já havia sofrido a ditadura civil-militar do governo Vargas. 

De acordo com o documentário de Flávio e Camilo Tavares - "O dia que durou 21 anos", Lincoln Gordon enviou dezenas de relatórios para Washington, para alertar sobre o "perigo" de se formar um governo comunista no Brasil. Perigo que só existia, na época, na fantasia de lideranças da igreja católica e de poucos círculos militares, tanto que o golpe começou em Juiz de Fora - MG, uma cidade periférica do centro de poder das decisões nacionais. Jango poderia ter esmagado o movimento, mas preferiu fugir para o Uruguai. Questões como: "ele fugiria se sentisse que, de fato, tinha apoio para implantar aqui um regime socialista?" Ou: "caso sentisse que tinha consigo o apoio incondicional dos poucos movimentos sociais da época, não teria ele, Jango, dado o "golpe" comunista como alguns temiam? Além disso, inclusive, Jango tinha o apoio de boa parte dos oficiais do exército na ocasião, (do Brigadeiro Rui Moreira Lima; do Comandante do III Exército, José Machado Lopes; do Sr. Ivan Proença, oficial da Guarda Presidencial e etc.), especialmente no que tangia às reformas de base, como a reforma agrária (que até hoje presidente algum realizou com competência no Brasil) que poderiam levar o país, a médio prazo, a uma posição econômica respeitável.

Como professor de filosofia não posso aceitar uma ditadura de qualquer natureza, nem, supostamente de "direita", como foi no Brasil, Chile, Argentina; como é em Myanmar; Arábia Saudita - onde a mesma família está no poder desde 1932 -; Angola; Irã - que na prática é liderada pelo poder teocrático - ou Zimbábue. Nem, supostamente, de "esquerda" como ocorre em Cuba, Laos, China, Coréia do Norte. Assim, penso que o golpe de Estado de 1964 é uma mancha vergonhosa na história do Brasil. Supressão de liberdades, torturas, prisões, condenações sem julgamento, assassinatos, atos Institucionais da idade da pedra - especialmente o AI-5.

Mancha porque, na época, as forças armadas e policiais foram usadas por um grupo de pessoas que as viam como vassalos acéfalos dentro da hierarquia militar. Em qualquer país civilizado onde o exército já se profissionalizou, as forças armadas sabem que não são feitas para comandar governos. Que são feitas para servir ao povo e não massacrar seus próprios compatriotas desarmados! Será que a hierarquia militar subordina o sujeito a "não pensar por si", tornando-o "acéfalo"? Será que se os militares subalternos pudessem pensar, naquela ocasião, não teriam - em sua maioria - impedido o disparate de seu comandante, Olímpio Mourão Filho, de marchar até o Rio de Janeiro?

Na Alemanha atual é expressamente proibido tocar o hino do partido nazista, o hino da juventude hitlerista, fazer qualquer menção direta ao nome de Hitler e usar ou divulgar símbolos nazistas pela Lei N° § 86a StGB. O mesmo se dá no Brasil quanto ao nazismo, no texto da Lei Nº 9.459, de 13 de maio de 1997, em seu Artigo 20, § 1º. O nazismo não ocorreu no Brasil, não tivemos holocausto, mas tivemos torturas, violação dos direitos humanos e, usando palavras de hoje, terrorismo de Estado, por que, então, não lançar aqui uma lei para proibir a comemoração do golpe de 1964, bem como seus símbolos, como faz a Alemanha democrática atualmente? A Alemanha faz isso para garantir seu futuro como nação no mundo civilizado, a participação efetiva de seus cidadãos e a liberdade individual. Não devíamos proibir aqui também qualquer menção positiva ao 1964?

Condenar o golpe militar de 1964, e qualquer outro, é dignificar a democracia e consolidá-la.
É falacioso o argumento que diz que fazer isso é antidemocrático porque um golpe de Estado, necessariamente, assassina a democracia quando impede a maioria de expressar o que pensa, pois a democracia é para a maioria, não para um grupo. Então, embora com limitações, dentro de nosso modelo democrático, é lícito, sim, abafar o pequeno grupo que comemora o golpe. Como é também lícito publicar e julgar os crimes cometidos naquele período, pois até hoje há famílias que não enterraram seus mortos, assassinados por militares daquela época. Além de civis, há também militares que foram assassinados naquele período por se opor ao regime.
Seria uma omissão do poder público negar ou esquecer tais crimes assim como é uma omissão dos militares de hoje não revelarem os crimes cometidos, caso tenham em seu poder algum documento ou informação sobre o paradeiro de vítimas. Do ponto de vista moral, ético e do Direito, torturador deve ser punido, não importando a idade que tenha, porque continua sendo criminoso. Cabe ao Estado, por meio de seu poder judiciário, investigar e esclarecer os fatos.

Em respeito às vítimas de 1964, este texto é curto, pois as imagens a ele vinculadas falam mais que mil palavras e condenam todos aqueles que ainda insistem em apoiar um golpe.
Nada contra os militares de hoje - que não tomaram parte naquilo - mas os de 1964 sempre serão lembrados com indignação e como fantoches manipuláveis e acéfalos. O golpe de 1º de abril foi dado no dia dos bobos! Bobo foi quem acreditou que derrubando Jango, estava defendendo o Brasil e que Castelo Branco cumpriria a palavra que deu, ao dizer - no Congresso - que defenderia a democracia, entregando, depois de passada a crise, o poder de volta aos civis, algo que ele nunca fez, como provou a história. 
Quem ganhou com o golpe? Alguns oficiais, os Estados Unidos da América, os grandes investidores estrangeiros, cujas empresas lucravam aqui até 900%. Já o militar da "base", o soldado sem estrelas que teve que cumprir ordens e fazer o "serviço sujo", ficou "a ver o navio da história a atropelá-lo".