Gerson N. Lemos Schulz
Filósofo
O cenário de um velório me gerou esta reflexão sobre a
morte. Ali, observando os túmulos (alguns abandonados outros
imponentes) no cemitério, imóveis, cercados por flores murchas, secas,
mortas... o choro, a tristeza da perda, o cheiro fúnebre das velas me
penetrando as narinas... pensei no lugar que a morte ocupa no cotidiano e o
espaço que damos a ela. Muitos a temem, mas ninguém pode afirmar absolutamente
o que ela é. Para a ciência trata-se do fim das atividades de um organismo
vivo. O fim das atividades cerebrais, já que o cérebro é
responsável pelo comando das ações do organismo.
Mas ao contrário do que se pensa, não vejo a morte como experiência teológica. A vejo como experiência estética. Empiricamente, ninguém provou ainda que o homem
possua uma alma imortal que sobreviva, e ainda mantendo sua identidade
(pensamentos, lembranças, etc.). Muito menos determinou que haja um
"lugar" para esta alma após a morte. Isso é, ainda, teologia. A estética é a parte da Filosofia que estuda os conceitos de beleza, belo, puro e seus contrários e se fundamenta num sentimento resultante de um conjunto de sensações internas ou orgânicas caracterizadas pelo bem ou mal-estar, tratando-se de um fundamento cenestésico. Você pode perguntar-me: "mas o que tem de belo no ato de morrer?" Respondo: depende do ponto de vista. E, ademais, não pode haver a "estética do feio"? Quando alguém afirma que algo é "feio" é porque tem algum juízo estético, o que nos permite pensar que o feio é também estético, porém, apenas, não se encaixa nos parâmetros estéticos de quem classifica algo como feio. E quanto ao "depende do ponto de vista" em considerar-se a morte passível de alguma beleza, é possível dizer que ela é bela no sentido do uso que a ela é possível dar. Por exemplo, o herói que morre para salvar outrem, sua morte (em si é 'feia'), mas no uso é "bela" quando alguém diz que o ato foi de um altruísta, heroico, exemplar! Assim, em termos filosóficos, me parece que a morte é uma
experiência do corpo tal como a dor ou o prazer; e é a última, por sinal. De fato, morte é
dor e é aí que ela se torna também estética.
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Buda afirmou que tudo é dor. Mas talvez nem tudo. A vida
também é prazer, e dor e prazer se relacionam com beleza e feiura, portanto:
estética. E não é por acaso que castigo infrinja dor (é caminho para a morte),
e recompensa incentive prazer, lembre uma "vida boa", uma vida bela.
Igualmente, não se deve confundir prazer sempre com sexo. Ler, escrever, falar,
comer, trabalhar, pensar e até rezar podem ser prazer para uns e outros.
Os conteúdos da vida são experiências estéticas: nascer,
aprender, sentir dor ou alegria, saudade, raiva, tristeza, chorar, morrer.
Nessa perspectiva, a morte não é passagem, qualquer ponte para outro lugar,
nenhuma entrada para outro mundo. Ela faz parte da vida, é um ato concreto e também
a última experiência do corpo.
Enfim, a morte é apenas a completude de um caminho iniciado
na fecundação, sendo o fim de uma linha e não de um círculo em que se chega ao
mesmo lugar de partida. A morte também é a experiência mais cruel, mais aterradora.
Aquela que causa a dor permanente pela perda de alguém que jamais voltará. Quem
fica é obrigado a viver "a" e "na" ausência do outro, além
de ver prenunciado seu próprio fim.
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Convivemos no mundo de hoje com essa perspectiva o tempo todo, meu querido professor Gerson. Parabéns pelo texto.
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