GERSON NEI LEMOS SCHULZ
Professor de
Filosofia na Rede
Pública Federal no Rio Grande do Sul
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA CONHECIMENTO PRÁTICO
FILOSOFIA - EDIÇÃO N. 51. O título original era: Um Ícone do Conservadorismo. Ele foi alterado, arbitrariamente e sem o meu conhecimento, pelo editor da extinta revista, para Um gênio conservador... Nem de longe eu considero Burke um gênio.
EM:
Você é um conservador?
O Dicionário Brasileiro Globo da língua portuguesa afirma
que conservador é o adjetivo que deriva do latim "conservatore" e que é aquilo que: "conserva; que ajuda a
conservar; que se opõe a mudanças políticas; sm. Aquele que conserva [...];
aquele que, em política, é pela conservação da situação vigente, opondo-se a
inovações que venham modificar a ordem social" (1992, p. 434).
Essa tradição vem desde o início dos Estados modernos,
especialmente a partir dos escritos do filósofo Edmund Burke (1729-1797) que
foi secretário do Primeiro-Ministro, e líder do partido Whig. O conservadorismo
– enquanto filosofia política e corrente de pensamento filosófico – aparece no
século XVIII na Inglaterra como uma reação específica à Revolução Francesa que
espalhou grande instabilidade política na França e, após, se lavrou pela Europa,
perturbando diversos regimes monárquicos cujos reis se preocuparam com o fim
dado ao rei Luis XVI, decapitado na guilhotina. De acordo com o historiador
gaúcho, Voltaire Schilling (2014), no dia 21 de janeiro de 1793, um dia de
inverno, Luís XVI foi levado ao cadafalso para ser decapitado por Charles Henri
Sanson, o carrasco oficial da república convencional francesa.
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Decapitação do Rei Luis XVI |
A decapitação do rei, após um julgamento levado a cabo por
seus opositores, mas não apenas simples opositores e sim, também pessoas de
todas as classes sociais unidas por uma vontade comum – a luta contra o regime
monárquico despótico, e cujo julgamento foi arquitetado no calor de uma
revolução armada que lutava contra a tirania absolutista em toda a Europa – fez
estremecer todos os reis do continente cujos conselheiros temiam que o
movimento impulsionado pelo grito de liberdade, igualdade e fraternidade para
todos, "contaminasse" também cidadãos de outras nações. Para Schilling,
"a cabeça cortada e sangrada do rei, erguida na praça pública lotada, foi
o aviso que a França revolucionária enviou aos soberanos do velho continente,
junto com o grito 'Morte aos tiranos!'" (2014).
Outra possível vertente que incentivou posturas
conservadoras na política, especialmente inglesa, foi o período do "Terror",
imposto à França revolucionária pelos jacobinos, liderados por Maximilien
François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794) ou simplesmente Robespierre,
advogado e deputado francês. Conforme diz Furet (1978) esse grupo era uma
organização política criada no ano de 1789 na França durante o processo da
Revolução. Os jacobinos inicialmente adotaram uma postura "moderada" no
que diz respeito à Revolução, mas com o passar do tempo, Robespierre determinou
posições muito mais radicais às diretrizes do grupo. A maioria das pessoas que
compunha os jacobinos era de pequenos comerciantes, profissionais liberais e
pessoas pertencentes às classes mais desfavorecidas econômica e politicamente, daí
suas diretrizes pregarem premissas dirigidas para essas pessoas como, por
exemplo, a eliminação da monarquia na França, a abolição da escravidão em todas
as colônias francesas, a educação para todos, a garantia do uso da força bruta
contra os opositores da revolução; o fim de todos os privilégios do clero e da
nobreza, a ajuda econômica aos mais necessitados, o controle dos preços dos
produtos de primeira necessidade. Medidas que agradavam ao povo em geral mais
pobre, mas que, por outro lado, desagradava aos girondinos, liderados por Jacques
Pierre Brissot (1754-1793) e que era formado por membros da alta burguesia
francesa.
Os Girondinos eram um grupo político "moderado"
durante a Revolução Francesa e seus integrantes faziam parte da classe que
financiou boa parte da revolução, a burguesia antimonarquista. Eram chamados de
Girondinos porque derivavam do partido político conhecido como Gironda. Os Girondinos
compunham também o chamado "Terceiro Estado", juntamente com os Jacobinos
e os Cordeliers.
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Robespierre |
Opositores ferrenhos dos Jacobinos os Girondinos defenderam,
durante o processo da Revolução Francesa, a instalação de uma monarquia
constitucional na França após a queda do absolutismo. Assim eram, logicamente,
opostos ao radicalismo dos Jacobinos.
Mas os girondinos também usaram a violência para reagir às
medidas radicais tomadas pelos Jacobinos durante a fase da "Convenção
Nacional". Eles também promoveram perseguições políticas, conspirações e
assassinatos de seus opositores. Em contraposição aos Jacobinos, os Girondinos
– em termos econômicos e políticos – eram a favor da grande liberdade das
atividades econômicas sem a intervenção governamental nessas atividades. Num
segundo momento eles se tornaram defensores de um sistema republicano moderado,
sendo também favoráveis à exclusão dos mais pobres das eleições por meio da
implantação do voto censitário que era baseado na renda dos cidadãos franceses.
Foi entre 1792 e 1794 que os Jacobinos tomaram a frente do processo
revolucionário na França. E este período se denomina "Terror" em
função dos assassinatos de opositores políticos, principalmente de monarquistas
e Girondinos. Robespierre, principal líder dos jacobinos, era defensor da
violência como forma de garantir a continuidade da Revolução e um de seus
principais objetivos era garantir a transformação da França em uma república
baseada nos princípios da igualdade e da virtude com forte apelo social. Seu
projeto, porém, não foi a cabo visto que em 1794 o próprio Robespierre foi
preso por seus inimigos e executado na guilhotina.
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A Queda da Bastilha |
Além dessa "revolução marcante", especificamente
Edmund Burke, também viveu em um mundo que passava por outras revoltas. Ele teve
a oportunidade de vivenciar indiretamente quatro revoluções – a Americana (que
levou a formação dos Estados Unidos da América em 1776), a revolta dos Bengalis
(na Índia), as revoltas dos católicos irlandeses e a Revolução Francesa. Além disso,
em seu próprio território, Burke (que era líder
dos Whigs, o grupo que, na ocasião, era considerado 'pró-esquerda' por ser
progressista e contrário a intervenção do Rei na Política) enfrentava os Tories.
Mas o que seria um conservador? E se Burke era partícipe de
um grupo considerado progressista, o que o leva a ser conhecido como autor
conservador e de "direita"?
Em filosofia política o conservadorismo, de forma geral,
aposta nas diretrizes opostas as dos Jacobinos em termos políticos e sociais.
Assim, para Abbagnano (2007), para um conservador, a sociedade e suas
instituições são o resultado de um processo de crescimento cumulativo ao longo do
tempo onde a ordem social vigente é mero produto dessa interação entre as instituições,
os costumes, os hábitos, a Lei e as forças sociais impessoais que regem os
períodos sociais. Dessa forma, não se pode tolerar uma revolução que, para os
conservadores como Burke, se trata de um momento de rompimento com as
estruturas já estabelecidas e "maduras" de determinada sociedade que
não são ações arbitrárias, mas culturais, fruto de discussões amplas, das leis
e da tradição.
Em uma revolução há vários grupos e pessoas, inclusive
agindo por meio da violência, lutando para transtornar arbitrariamente toda a organização
social pré-existente, isso, para Burke, é errado e imoral, porque favorece a
arbitrariedade e, ademais, é um equívoco porque as revoluções sempre se propõem
modelos para todos os povos, algo impossível na visão do filósofo porque os
povos são diferentes devido a sua cultura e costumes.
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Immanuel Kant |
Na Filosofia clássica se têm alguns exemplos de autores famosos
considerados "conservadores" como o próprio Edmund Burke, George
Hegel e Immanuel Kant. O pensamento desses autores endossa a tradição das
instituições políticas, econômicas, sociais que – para eles – tem por essência defender
a ordem social, consequentemente, manter as classes sociais dentro de
fronteiras bem distintas e propagar que o Estado deve, de alguma forma, ser
preponderante sobre o indivíduo por ser aquele não uma manifestação qualquer,
mas a solidificação de toda a vontade soberana de um povo e de suas tradições.
O conservadorismo político, de forma geral, não aceita a
intervenção do Estado na economia, pois pensa que a economia deve, também
enquanto instituição social, se mover por si mesma de acordo com os agentes que
nela operam. Em suma, o Estado não representaria, na visão conservadora, indivíduos,
mas grupos; ele seria a síntese de outras instituições, por isso Burke simpatizava
com a parte do programa do partido que propalava o liberalismo econômico.
Edmund Burke e o conservadorismo
Edmund Burke nasceu em 12 de janeiro de 1729 em Dublin na Irlanda
e faleceu em 9 de julho de 1797 em Beaconsfield na Inglaterra. Este autor do
campo da Filosofia Política foi um parlamentar e pensador político do século
XVIII que desempenhou importante papel nos principais temas políticos por cerca
de 30 anos depois de 1765. Burke era irlandês, o pai era advogado protestante e
sua mãe uma católica praticante. Burke ingressou no Trinity College, em Dublin,
em 1744 e foi para Londres no ano de 1750. Em 1757 ele se casou com Jane Burke
Nugent, a filha de um médico católico irlandês.
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Edmund Burke |
A carreira política do filósofo iniciou-se no ano de 1765,
quando se tornou secretário particular do marquês de Rockingham. Desde o início,
Burke se envolveu na controvérsia constitucional na Grã-Bretanha sob o governo
do rei James III, que na época estava tentando estabelecer um poder mais incisivo
para a coroa e, por isso, enfrentava descontentamentos severos por parte dos
colonos britânicos nos territórios de além-mar, especialmente na colônia norte-americana
da Grã-Bretanha. Burke se preocupou com estes temas em sua filosofia política
dando razão a algumas alegações dos colonos americanos que se negavam a pagar
impostos para a Inglaterra cuja criação e cobrança não tinham chance de debater
e impedir no Parlamento Britânico por não terem lá representação concreta, e os
americanos alegavam tal direito porque embora colonos, eram ingleses também.
O autor discorreu longamente sobre o tema no panfleto "Thoughts
on the Cause of the Present Discontents" de 1770, no qual argumenta que,
embora as ações de James tivessem bases legais porque não estavam contra a Constituição,
elas foram infelizes porque iam contra o espírito liberal britânico. Nesse
mesmo panfleto Burke elabora uma nova definição de partido político: "[...]
o Partido é um grupo de homens unidos para a promoção, pelo seu esforço
conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual todos
concordam" (BURKE. 1982b, p. 29).
A principal polêmica que afligia os políticos e a monarquia
britânica naquele ano era a questão do tratamento dispensado às Colônias de
ultramar. O filósofo argumentou a respeito que o governo britânico tinha agido
de forma imprudente e até mesmo pouco consistente para dirimir os problemas. Na
concepção de Burke, a forma de a Grã-Bretanha tratar a questão colonial era
estritamente legal, porém não moral.
Para Burke, os britânicos precisavam oferecer mais respeito
e consideração pelas reivindicações dos colonos da América do Norte. O autor chamou
a isso de "razão legislativa" em dois de seus discursos parlamentares
sobre o assunto, um chamado "On American Taxation", de 1774; e o outro
de "On Moving His Resolutions for Conciliation With America", de 1775
(BURKE, 1982b). Mesmo assim, a política imperial britânica seguiu não sabendo
resolver os problemas com suas colônias.
As ideias de Edmund Burke
As ideias de Edmund Burke estão
espalhadas em discursos no Parlamento Inglês, cartas e em alguns opúsculos. Em
termos políticos uma de suas obras mais conhecidas é: "Reflexões sobre a
revolução na França e sobre o comportamento de certas comunidades em Londres
relativo a esse acontecimento" de 1790. Traduzido no Brasil em duas
versões: "Reflexões Sobre a Revolução na França", traduzido por Francisco
Eduardo Alves e publicado pela editora Topbooks e "Reflexões sobre a
Revolução em França" [1790], editora da UnB.
Para entender as "Reflexões sobre a Revolução em França"
é imprescindível compreender um pouco da vida política e algumas das razões que
o levaram a escrever o livro. Burke, particularmente, mantinha certa "aversão"
ao exercício do chamado "poder arbitrário". Assim, o objetivo da obra
é, antes de tudo, criticar os defensores ingleses da Revolução Francesa, entre
os quais estava o pastor dissidente da Igreja Anglicana, Richard Price (1723-1791),
defensor da liberdade de pensamento e do ideal de governo do "povo pelo
povo".
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Parlamento Britânico |
As Reflexões são apresentadas inicialmente como resposta a
um sermão de 4 de novembro de 1789, feito pelo pregador por ocasião da comemoração
do centenário da Revolução Inglesa, no qual Price exaltava a luta dos
revolucionários franceses. Essa obra também estabelece o rompimento político e
ideológico com os Whigs. Burke, avesso à arbitrariedade no exercício do poder, considerou
o que acontecia na França como a encarnação daquele. Preocupado também com o
que poderia acontecer na Inglaterra após a chegada das notícias sobre a Revolução
na França, o filósofo tenta, no livro, mostrar os malefícios que algo
semelhante traria a seu país, pois ele sabia que na Inglaterra havia muitos simpatizantes
da Revolução Francesa. É por isso que essa obra de Burke é um marco histórico,
pois ele é o primeiro filósofo que se propõe analisar o processo revolucionário
da França e por isso é tido como o "pai" do conservadorismo.
Burke era também um cristão conservador e é por isso que ele
projeta suas crenças igualmente na política. Suas obras são, antes de tudo, a
reação de um cristão conservador à política revolucionária que se espalhava
pelo mundo. Ele acreditava que a monarquia deveria existir (e que de fato
existia) devido também ao poder divino. Para ele, a religião pode ser
considerada a base da sociedade civil e a fonte de todo bem e de toda
felicidade dos homens (BURKE 1982a, p. 112-113). Ele advoga que o homem é, por
natureza, um animal religioso; o ateísmo não só é contra a razão, mas é
contrário aos nossos instintos mais elementares (Idem). "A religião é não
só a fonte de nossa glória e do nosso orgulho, isto é, é a fonte da glória e do
orgulho dos ingleses, mas é também fonte de grande civilização entre nós e de
muitas outras nações" (BURCKE, 1982a; 2004).
Assim, qualquer mudança sem discussão, sem levar em conta a
cultura de determinado povo, e, especialmente, a vontade de grupos (e na visão
de Burke a vontade de um grupo está acima da vontade dos indivíduos particulares
que o compõem) é imoral porque busca o poder pelo poder como satisfação não da
política ou da vontade da maioria, mas está cooptado pela vontade de líderes
"vaidosos".
Burke via na manutenção de instituições já consagradas como
a família, o Estado, a Igreja, os costumes – a garantia de continuidade da
sociedade e de sua harmonia. O autor não era radicalmente contra
"mudanças", mas defendia que elas acontecessem em escalas que
deveriam ser amplamente discutidas por grupos e confrontadas no Parlamento. É
por isso que ele critica veementemente o Estado revolucionário. A Revolução,
segundo ele, era uma prática contra as esferas legitimadas pela autoridade e
pela vontade dos grupos em prol da vontade particular, e por isso ilegítima, de
poucas pessoas que se autoafirmavam como portadoras da verdade.
Burke não admite mudanças na sociedade?
Para Burke, partindo da ideia que cada sociedade é diferente
porque tem culturas e leis diferentes, qualquer proposta de revolução realizada
por um determinado povo não pode servir de modelo para todos os outros. Além
disso, Burke considera que não se pode partir da premissa que a política seja
feita apenas com a razão e por entes que têm a razão a plenos poderes, o homem
é também formado por sentimentos. O autor leva em consideração o fato que na
política nem sempre as decisões são racionais, mas elas estão ligadas às
necedades diretas dos indivíduos em determinado período histórico, porém Burke
não admite, com isso, que então a história seja a grande determinante da vida
dos indivíduos, o que ele admite é que a história está ligada à natureza e que,
portanto o que acontece com a vida humana e as suas instituições, é
"natural" e não deve ser questionado, muito menos por revolucionários
que tentam estabelecer uma "contraordem" social e, por isso – por ser
um "transtorno" das convenções estabelecidas ao longo do tempo – é
que são antinaturais.
Se os princípios da Revolução estão inscritos em algum lugar,
certamente, este lugar será o estatuto chamado Declaração de Direitos. Nesta
declaração cheia de sabedoria, moderação e prudência, elaborada por grandes
juristas e grandes estadistas, e não por mornos e inexperientes entusiastas,
não há nenhuma palavra, nenhuma alusão que se relacione a um direito geral de
escolher nossos próprios governantes, de depô-los por indignidade e de
estabelecer um governo para nós mesmos (BURKE, 1982a, p. 57).
Com tal postura, pode-se inferir porque Burke é considerado um
político aristocrático e conservador. Em política ele defendia a monarquia e a
autoridade do Rei, porém o Rei reina, mas não governa porque é limitado pelos poderes
do Parlamento.
Ao analisar a "Assembleia" estabelecida na França
pós-revolucionária ele critica abertamente o que chama de "abolição das ordens",
pois sem a ordem social não há nada que a possa frear o exercício do poder (BURKE,
1982a; 2004).
[...] a França tivera a possibilidade de aproveitar o exemplo
britânico, de ter: uma Constituição livre, uma monarquia poderosa, um exército
disciplinado, um clero reformado e venerado, uma nobreza menos orgulhosa, mas
mais digna, capaz de lhes ensinar a virtude e não de abafá-la, uma burguesia
liberal imitando esta nobreza e oferecendo-lhes recrutas, um povo, enfim,
protegido, satisfeito, laborioso e obediente, habituado a procurar e a apreciar
a felicidade (BURKE, 1982a, p. 72).
A Grã-Bretanha, para ele, se tratava do modelo a ser seguido
e a França, em sua visão, tomara o "caminho errado" porque: "os
franceses possuíam todas estas vantagens em seus antigos Estados [...], mas
preferiram agir como se nunca tivessem sido moldados em uma sociedade civil,
como se pudessem tudo refazer a partir do nada" (ibid., p. 71).
Por fim, para Burke o que garantiria a liberdade de um povo é
a existência de um Rei e de um Parlamento. Ele abominava, assim, o argumento
sobre a existência de "direitos inatos". Para ele a liberdade deveria
ser conquistada e a classe que mais tinha, naturalmente, conquistado a
liberdade (e a merecia) era a aristocracia, para ele era essa classe que
garantiria a ordem social. É por aí também que ele aproveita para criticar o
ceticismo racionalista do cientificismo francês adotado pelos revolucionários
do continente que, segundo ele, traria mais dúvidas (ao questionar as
autoridades e seu poder) do que certezas – e as certezas segundo ele – são
imprescindíveis para um bom governo e para a manutenção da ordem.
Para Burke a herança é uma manifestação da natureza e se a
manutenção da aristocracia se dá por herança, sua extinção pode ser vista como
uma usurpação. Assim, a exclusão do povo da vida política e a submissão ao rei
e à aristocracia são sentimentos naturais e muito antigos ligados aos
ancestrais que devem ser preservados. Para o autor, o que não é natural é a
indignação dos revolucionários e a igualdade que poderia subverter a ordem das
coisas acabando com um hábito criado naturalmente pela história. Portanto, as
transformações, mesmo que lentas, são naturais e a declaração dos direitos do
homem, a supressão da nobreza, a nacionalização dos bens eclesiásticos e todas
as demais alterações trazidas pela Revolução Francesa demonstram a pressa e a
desconfiança dos políticos franceses quanto à marcha da natureza. Ou seja,
Burke alega que questionar a ordem estabelecida pelos ancestrais, pela cultura,
pelos costumes é antinatural e levará o Estado à ruína o que, consequentemente,
levará, também, a civilização e o homem à destruição. Eis os motivos que
fizeram Edmund Burke se tornar um filósofo conservador.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
FERNANDES,
Francisco et al. Dicionário Brasileiro
Globo. São Paulo: Globo, 1992.
FURET,
François. Penser la Révolution française. Paris: Gallimard, 1978.
BURKE, Edmund. Reflections on The Revolution In France And On The Proceedings In
Certain Societies In London Relative to that Event In a Letter Intended To Have
Been Sent To a Gentleman In Paris. 1790. Disponível em:<
http://portalconservador.com/edmund-burke>, 2004. Acesso em: 25 de agosto de
2014, 12:45:43.
______.
Reflexões sobre a Revolução em França
[1790]. Brasília: Ed. UnB, 1982a.
______. Thoughts In The Cause Of The Present Discontents (1770). In:
CHARLOT, Jean. Os Partidos Políticos. Brasília: UnB, 1982b.
SCHILLING,
VOLTAIRE. A revolução é salva.
Disponível em:
<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/rev_francesa_dois4.htm>.
Acessado em: 04 de agosto de 2014, às 15:09:45.