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domingo, 18 de setembro de 2022
domingo, 7 de agosto de 2022
sexta-feira, 28 de junho de 2019
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO EXPERIMENTAL DE JEAN PIAGET
Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia
Jean Piaget |
No ensino da
filosofia da educação, disciplina geralmente integrante dos currículos dos
cursos de licenciatura no Brasil, estudam-se as mais diversas propostas
filosóficas voltadas para a escola.
Desde a Grécia
Antiga, por exemplo, com Sócrates, Platão e Aristóteles os pensadores já se
preocuparam com a escola. Platão fundou a academia e Aristóteles o Liceu. Antes
deles, outros pensadores como Pitágoras de Samos também já tinham fundado
instituições que se responsabilizaram em transmitir o conhecimento (CAMBI,
1999).
Por todo o longo
período da história ocidental, então, desde a Grécia até os séculos XIX e XX, o
homem se preocupou com a formação das pessoas. Com a transmissão do saber
técnico, moral, religioso, filosófico e científico.
Mas dentre as várias
propostas pensadas para a escola que surgiram na história ocidental, a maioria
delas era de cunho especulativo. Em outras palavras, os filósofos, ao longo do
exercício de reproduzir a cultura tradicional e na busca por novas formas de
pensamento a partir dessa cultura, prescreveram como deveria ser a política, a
ética, a sociedade e também a escola, especialmente acreditando que por meio
dela (da escola) uma parcela importante da consciência dos adultos seria
moldada e, assim, os valores culturais tradicionais se perpetuariam.
Apesar disso, a
partir do século XIX, com a cada vez mais acentuada separação entre os
diferentes ramos das ciências e a polarização entre ciências aplicadas ou
técnicas (matemática, física, astronomia, engenharias diversas e etc.) e as
emergentes ciências humanas (filosofia, sociologia, psicologia e etc), e
seguindo o modelo positivista de "fazer" ciência, que apostava na
possibilidade de se chegar à verdade por meio de um rigoroso método científico,
da exatidão matemática, do experimentalismo em laboratório e do estabelecimento
de leis (portanto, com validade universal), pouco a pouco a escola também foi
levada a se "cientificizar".
Assim, as pessoas que
viviam ao final do século XIX e início do século XX perceberam que aquele
momento histórico possuía uma característica diferente da de outros séculos.
Ocorria ali um progresso técnico-científico nunca antes visto. O homem produzia
aparelhos elétricos que mudavam rapidamente as relações entre as pessoas e o
meio social. A indústria usava cada vez mais o emprego das máquinas, da energia
elétrica. Motores, bombas de pressão, combustíveis eram cada vez mais
utilizados para substituir a força humana bruta. A lâmpada elétrica, o telefone
e o rádio mudaram para sempre a forma de a humanidade ver o mundo. Esse tipo de
sociedade mais dinâmica, com capacidade de produzir mais mercadorias e com
mais possibilidade de conforto do que no passado, precisava de uma nova escola. Além disso,
ainda antes dos anos 1930, a humanidade passou pela maior de todas as suas
guerras, a Primeira Guerra Mundial, ocasião em que a Europa apesar de toda sua
cultura e riqueza se aniquilou.
Desde o século XIX
não era mais suficiente a escola e a universidade produzirem pessoas que sabiam
apenas operar as novas máquinas desenvolvidas e amplamente empregadas nos
países mais ricos como Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica e outros.
Era necessário também qualificar os operários, e criar as condições necessárias
para que os novos engenheiros, cientistas, estudiosos (das mais diversas áreas
do saber) pudessem exercitar livremente sua criatividade, realizar seus
experimentos, demonstrar suas teorias e produzir novas tecnologias que, se
acreditava, produziria mais riquezas.
Cena de "Tempos Modernos" |
Esse novo horizonte
social muito ligado à indústria, à produção, à rapidez e dinamicidade da
circulação de mercadorias, necessitava de uma nova forma de escola. Cada vez
mais aquele modelo de escola tradicional da Europa, comandada pela igreja
Católica ou Protestante, com forte cunho humanista e cristão, que se preocupava
com o ensino das letras clássicas e da filosofia, bem como com a transmissão de
conhecimento capaz de formar o caráter das pessoas que por ela passassem, se
tornava obsoleta.
Em meio à cultura da
investigação científica sobre todos os assuntos e ao progresso da medicina,
muitos estudiosos se deram conta que pouco se sabia sobre como o cérebro humano
funcionava. Como ele era capaz de assimilar informações, de aprender?
Especialmente com os
avanços da biologia e da psicologia experimental, alguns cientistas como Jean
Piaget (que iniciou sua carreira na área da filosofia mas se tornou um biólogo;
PIAGET, 1975), perceberam que a educação havia optado pelo caminho do
"dever-ser" e pouco se sabia como, de fato, funcionava a mente
humana. O problema era que a escola e o que ela ensinava parecia estar
"desconectado" da realidade com a qual as pessoas tomariam contato
fora da sala de aula na vida adulta.
A escola, assim, era
prescritiva no sentido de postular às crianças como elas deveriam se
comportar em sociedade contando que essa sociedade na qual elas cresceriam era
ética, justa, praticamente perfeita. As noções prescritivas de escola
trabalhavam sob a perspectiva humanista e, logo, com essa visão de sociedade
idealizada. Mas na prática esse modelo sob o qual a escola preparava as
crianças não existia no mundo real. Além disso, a escola, associada ao Estado,
à política, à moral, à igreja se preocupava em "amoldar" o futuro
cidadão sob a égide da religião judaico-cristã e da cultura greco-romana.
Autores como Piaget perceberam que aquele modelo de escola deixava um espaço
mínimo ou quase nenhum para o exercício da criatividade.
Outro fator
importante sobre a escola tradicional era que, naquele momento (se fosse
voltada para as pessoas pobres), ensinava conhecimentos profissionalizantes e
as primeiras letras, além de contar. Caso fosse voltada para os mais ricos,
ensinava conhecimentos clássicos (filosóficos, do âmbito do Direito, da
Economia e outros). Logo, além da distinção entre as pessoas pelo quesito renda
pessoal e origem social, a escola não respondia satisfatoriamente àquela
sociedade em cujo seio o capitalismo necessitava, a cada novo dia, de um tipo de
cidadão mais eficaz, eficiente, criativo, capaz de resolver problemas práticos,
para executar toda a complexidade das tarefas burocráticas do Estado, da
política, da administração mais racional e das atividades militares e
industriais.
Em 1932 é que, pouco
a pouco, desponta a figura de Piaget com sua obra "O juízo moral na
criança". Não menos importantes são: "A gênese do número na
criança" (1941), a "Representação do espaço na criança" (1948),
"Introdução à epistemologia genética" (1950), "O estruturalismo"
(1968) e "As ciências humanas" (1970).
Piaget inicia seus
estudos em busca de uma teoria de como o homem é capaz de pensar. Quais as
estruturas cerebrais são responsáveis por esse fenômeno, como o homem pode
aprender as coisas? É por isso que ele foi o teórico da "epistemologia
genética" "que é um ramo da psicologia que estuda as estruturas
lógicas da mente humana e os processos cognitivos pelos quais elas
amadurecem" (CAMBI, 1999, p. 609).
Para Piaget, na obra
"Sabedoria e Ilusões da Filosofia" (1975), o conhecimento se baseia
na experiência dos indivíduos. Por isso Cambi (1999, p. 610) afirma que ele dá
um caráter mais técnico à pedagogia, separando-a da psicologia. Piaget se
preocupa com a didática, com a aplicação das novas tecnologias à educação e com
a cientificização da pesquisa educativa (Id. p, 609).
Dentre suas
descobertas está a de que a mente da criança se caracteriza por uma
inteligência que parte do comportamento animista e subjetivista e que,
gradativamente, se adapta à objetividade e ao uso formal dos conceitos lógicos
(CAMBI, 1999). A partir de suas pesquisas, Piaget descobriu que o ser humano em
geral, em seu desenvolvimento, passa por quatro grandes estágios. O primeiro
deles se dá nos domínios da motricidade; o segundo, na atividade representativa
e o terceiro e o quarto no pensamento operatório.
Embora, nos dois
últimos estágios o desenvolvimento cognitivo transcorra no âmbito do pensamento
operatório, a diferença entre eles é constatada pelo fato de que no terceiro, o
pensamento operatório ainda está ligado ao concreto, enquanto que no quarto, o
mesmo pensamento tem ligação ao abstrato e formal. Os quatro estágios foram
denominados de sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório
formal.
Segundo Piaget a
inteligência dá saltos – muda de qualidade – e cada estágio representa uma
qualidade da inteligência. Os estágios significam ainda que existe uma
sequência e uma sucessão no desenvolvimento da inteligência e que esse
desenvolvimento passa, necessariamente, por cada um desses estágios.
Piaget descobre que
as crianças (do zero aos três anos) passam pela fase
"sensório-motora" que é caracterizada pelo pensamento egocêntrico e
pela indistinção entre seu corpo e os objetos. Dos dois aos sete anos de idade
a criança vive a fase "intuitiva". Para ele, a criança desenvolve
algumas habilidades como o domínio da linguagem e do desenho. No estágio dos
sete aos onze anos (chamada de "operatório-concreta"), a criança
aprende a pensar logicamente, distingue entre si e o mundo, aprende a
reconhecer as regras. E, por fim, há a fase "hipotético-dedutiva"
(dos onze aos catorze anos) que é crucial porque é nela que a criança começa a
lidar com as abstrações e raciocinar acerca do futuro, categorizar os objetos e
ser capaz de elaborar hipóteses e de proceder por via dedutiva. É aí que o
pensamento se torna adulto (PIAGET, 1999).
Também, na concepção
piagetiana, a construção do conhecimento se dá devido à interação do sujeito
com o meio físico e social. A essa teoria deu-se o nome de "Construtivismo".
No Construtivismo o que mais importa não é que o aluno repita frases e fórmulas
prontas para reproduzi-las, como era na escola tradicional. Importa é que ele,
diante do conhecimento formal – que Piaget chama de "tradicional" –
reinvente esse saber, almejando produzir e criar coisas novas. Foi essa
dinâmica, segundo Piaget, que permitiu o desenvolvimento, ao longo dos séculos,
da ciência. Por isso, para ele, a escola tem como dever fazer a ciência avançar
por meio da pesquisa (PIAGET, 1988).
Com base em tais
ideias, Piaget e seus discípulos como Montessori (1870-1952) e Claparède
(1873-1940), elaboraram uma proposta filosófica no campo da educação em que o
ensino deve respeitar as etapas do desenvolvimento da criança porque isso faria
com que elas obtivessem melhores resultados em seu processo de aprendizagem.
Mas a novidade piagetiana não se deu apenas no campo da teoria pura. A novidade
está no fato de que ele teorizou exatamente como faz o cientista das áreas
duras, ele investigou a partir do campo empírico (o que de fato se passava com
as crianças desde sua mais tenra infância) e fez isso com o uso de um
laboratório, portanto, da experimentação para, daí, estabelecer, a partir de
seus experimentos, as leis universais que regem a construção do pensamento.
É daí que ele
pretende garantir que suas conclusões – expostas em livros ou artigos – são, de
fato, verossímeis, pois que não partem da simples especulação (como partiam
todas as filosofias da educação anteriores), partem da experiência, do
estabelecimento de hipóteses, de sua comprovação ou não e, se comprovadas, da
formulação de leis universais.
Por conseguinte, para
Piaget, mais importante que o intelectualismo é a atividade experimental porque
é por meio dela que se pode investigar a verdade e chegar à universalidade, modus operandi que se configura
exatamente dentro da prática das ciências formais.
Para encerrar, Piaget
chama essa proposta de "escola ativa" porque, ao contrário da
"escola passiva" (que é como ele se refere à escola tradicional), sua
metodologia serviria para toda a vida da criança e não apenas para essa criança
"passar" com sucesso pelo sistema escolar. Em síntese, o ensino de
qualquer assunto deve ir do experimental ao conceito e jamais vice-versa. Em
última instância, a escola deve não só ensinar a ciência a todas às pessoas, o
método, mas também respeitar as fases biológicas pelas quais passa qualquer ser
humano a caminho do que há, para Piaget, de mais alto na escala evolutiva da
humanidade, o desenvolvimento da racionalidade.
Referências:
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Unesp, 1999.
PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1988.
______. Seis
Estudos de Psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
______. Sagesse et illusions de la
philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 1969. Sabedoria e ilusões da filosofia.
Traduzido por Zilda Abujamra Daeir. Coleção Os Pensadores. v. LI. São Paulo:
Abril, 1975.
quarta-feira, 8 de junho de 2016
PORQUE SOU CONTRA O ENSINO OBRIGATÓRIO DE FILOSOFIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO
SEÇÃO PERGUNTARAM PARA MIM
Gerson Nei Lemos Schulz
Professor de filosofia no Brasil
E eu respondi...
Quando me perguntaram se eu era contra ou a favor dessa ideia de ensinar filosofia de forma obrigatória no ensino superior (assim como é obrigatório no ensino médio), eu respondi: "sou contra porque penso que só se 'aprende' filosofia fora
de um curso de graduação em filosofia se for 'na prática' (se aprende
a ser ético sendo ético, se aprende política sendo cidadão, se aprende lógica
usando-se o bom-senso). O aporte teórico é importante, mas não me parece fazer sentido se for simplesmente teórico e essa disciplina meramente 'decorativa' na matriz curricular de qualquer curso que seja.
Filosofia, supostamente, é reflexão. Logo, não se pode
forçar alguém a pensar. Para pensar, a pessoa deve querer pensar. Além disso,
estudar as ideias de Platão, Aristóteles, Agostinho, Descartes, Kant, Nietzsche
não é estudar filosofia, muito menos aprender filosofia.
Filosofia é saber dar 'vida' aos textos daqueles autores e,
para isso, não basta técnica, é preciso ter experiência de vida e tempo; e os
jovens, não porque sejam incapazes de modo geral – embora alguns o sejam por vários motivos, por exemplo, para entender filosofia, assim como outros o são para entender matemática –,
mas porque não têm tempo e estão preocupados em ter uma profissão que lhes
garanta o pão.
É certo que a filosofia 'pura' no mundo pós-moderno não garante o pão, a não ser para poucos professores de filosofia ou para poucos filósofos profissionais. Mas daí a obrigar alguém
a estudar filosofia na universidade – fora do curso de graduação em filosofia
onde, suponho, os alunos estejam porque escolheram estudar naquele curso –, vai
contra o princípio de qualquer doutrina filosófica que é a liberdade de
pensamento.
Assim, não se espantem amigos! Só terá chances reais de
saber algo de filosofia quem – sendo de curso alheio à filosofia – escolher
cursar alguma disciplina dessa área. Repito: escolher.
Para concluir, é por isso que a universidade só poderá, na
melhor das 'boas intenções', ofertar disciplinas optativas de
filosofia; destarte, em doses homeopáticas e não como se fosse tratar um 'paciente
com câncer terminal' em que o medicamento também pode matar, mesmo que
ainda dê um alento a mais de vida, que é o que me parece que acontece quando se
despeja – indiscriminadamente – sobre um aluno comum mais de dois mil e quinhentos
anos de história da filosofia (e Nietzsche já alertava, desde o final do século
XIX, que mesmo as graduações em filosofia na Europa, para ele, não passavam de
cursos de história da filosofia), porque se for mesmo assim como alertava
Nietzsche, a filosofia se torna qualquer outra coisa, menos filosofia."
Nietzsche - 1844-1900 |
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
QUEM É O ALUNO MEDÍOCRE?
SEÇÃO "CRÍTICA AO COTIDIANO"
Gerson N. L. Schulz
Professor
O aluno universitário medíocre é, por excelência hoje,
aquele que não sabe escrever. Ele é um analfabeto funcional e pensa que o
professor é obrigado a relevar todos os seus erros de português quando lhe pede
para escrever uma redação de uma página onde, inclusive, tais erros, prejudicam
a compreensão do texto apresentado.
O aluno universitário medíocre de hoje se comporta sempre
como o "coitado", o excluído, a vítima do sistema. Ele pensa que
geralmente sua condição material e a origem humilde sempre garantirão a ele as
benesses de não precisar se submeter a horas de estudos como os colegas que
mais se destacam no curso. Ele despreza os colegas que sabem que o mercado de
trabalho está cada vez mais exigente e acusa aqueles de serem "coniventes"
e puxa-sacos.
O aluno medíocre de hoje "acha"
"legalzinho" ser de "esquerda" porque isso pega bem. Adora
dizer que não é capitalismo e sim "capetalismo", mas evita andar de
"busão" tanto quanto pode. Admira carros caros que sonha em ter um
dia e gosta de roupas de marca que compra em doze vezes no cartão de crédito
universitário com o salário da bolsa pesquisa ou extensão que algum professor
"bonzinho" lhe concedeu para parecer "humanista" e
"solidário". Para o aluno medíocre, qualquer um que discorde dele é
de "direita", portanto, mau!
Para o aluno medíocre é essa "fachada identitária"
de "pobre" (que não passa do fato de ter pena de si mesmo), que deve
obrigar os professores a lhe dar notas, a facilitar as avaliações e a abonar
suas faltas.
O aluno universitário medíocre de hoje tem a mediocridade
como algo estético e que deve ser vivenciado em sua máxima plenitude nos anos
em que ele passa praticamente em branco (porque se comporta como um inútil),
dentro da universidade, ocupando o lugar de outro aluno que queria estar ali e
que talvez não fosse tão medíocre quanto ele.
O aluno universitário medíocre pensa que ele vive no reino
do Gondor (o reino fictício do "Senhor dos Anéis") ou em Hogwarts (de
Harry Potter), que são lugares por onde anda, geralmente, a mente do
universitário medíocre. Lugares em que sempre tem um vilão que o persegue que,
para ele é sempre o professor – mas é um tipo especial de professor, é aquele
que exige dele que estude, leia e produza trabalhos de qualidade e não plágios
de ideias alheias ou cópias da internet.
Esse tipo de aluno (cuja parcela está diluída nas turmas
universitárias) pensa isso porque sua mente vive uma ilusão, a de acreditar na
fantasia de que a universidade é um reino encantado onde tudo e todos estão à
disposição dele. Onde o professor é seu empregado. Onde se ele faltar para uma
prova (porque não estudou) é fácil comprar um atestado 'frio' de um médico que
vende logo ali na esquina – porque é também um médico medíocre que não é capaz
de ganhar dinheiro com a medicina de forma mais refinada que vendendo
atestados.
O aluno universitário medíocre de hoje faz a prova de
segunda chamada confiante que o professor lhe deve o favor de deixá-lo fazer.
Para ele a universidade é um reino onde até o almoço deve ser eternamente de
graça e no dia em que não for, ele esperneia, berra e grita aos quatro cantos
que o sistema o está oprimindo, discriminando.
O aluno universitário medíocre pensa que a universidade é
lugar para fumar maconha ou se entregar às bebedeiras porque para ele essa
instituição é sinônimo de status social e de lugar onde se pode fazer tudo o
que se quer. Há alunos tão medíocres que trocam de curso várias vezes apenas
para continuar ganhando a bolsa que lhes permite morar na casa do estudante por
anos. Assim não precisam pagar aluguel, trabalhar e deixar de parasitar, coisa
que é sua especialidade.
Há alguns alunos universitários medíocres que se candidatam
(e vencem!) para ocupar um ou outro cargo nos DCEs e DAs para aparentar que são
"intelectuais políticos" dentro da universidade e para ter mais uma
desculpa para faltar às aulas, além de aumentar as chances de namorar as
meninas que se atraem por este tipo de "caras".
O aluno universitário medíocre pensa que a sala de aula é
uma extensão do seu quarto porque ele entra sem bater, chega a hora que quer,
sai sem pedir licença, escuta música, fala ao celular. Não respeita o
professor, e quando o professor pede silêncio, diz para todos que é seu direito
de expressão que está sendo cerceado.
No banheiro não sabe nem usar a privada porque acredita que
a faxineira terceirizada (paga pela empresa que a contratou com parte do
dinheiro público do Estado – que para ele é sempre mau e opressor) está ali
para limpar sua sujeira.
O aluno medíocre comemora quando um professor falta a uma
aula porque ganha mais uma oportunidade de parasitar a sociedade que paga a
vaga que ele ocupa na universidade. Esse tipo de aluno também comemora quando há
greve, quando falta energia elétrica à noite em dia de prova. O aluno
universitário medíocre é aquele que sempre paga com "outros favores"
quando os membros medíocres do grupo de trabalho ao qual está vinculado em sala
de aula assinam por ele – na hora da entrega – mesmo sem ele ter participado do
desenvolvimento das atividades.
O aluno universitário medíocre é aquele que se vangloria do
que não fez e não assume as coisas que realmente faz. É aquele que pede a um
colega solícito e ingênuo que assine seu nome na lista de frequência quando não
está na sala de aula. É aquele que quando é reprovado, pensa que é seu direito
falar o que bem entende para quem quer que seja, mandando e-mails desaforados
para o professor ou denegrindo-o nos grupos de facebook da turma onde só entra
quem a turma permite.
Outra especialidade desse tipo de aluno é construir
discursos sempre positivos sobre si mesmo, alegando que sempre foi um aluno
exemplar ao longo do semestre e que não merece ser reprovado. Ele esperneia por
seus direitos e afirma que é sempre perseguido pelos professores, pela
instituição, pelo governo, pelo Estado e até pela polícia que, para ele, bate
nele apenas por um motivo: porque ele é estudante!
O aluno universitário medíocre se intitula "estudante
profissional" mesmo que isso não seja profissão alguma e nada signifique
no mundo real das pessoas vivas (onde estamos você e eu), mundo que para quem
vive em Gondor ou Hogwarts é, sim, uma quimera.
Mas apesar de estar cheio de alunos universitários medíocres
por aí, há um saldo positivo para quem não é um aluno medíocre: é que o aluno
universitário medíocre de hoje dificilmente escapará de sua mediocridade porque ele a
tem como "cultura". Ele é um parasita que vive flutuando na corrente
térmica como os urubus, e jamais saberá bater asas para alçar voos maiores,
diferentemente do que fazem aqueles que não se dedicam à mediocridade.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
AS COSMOVISÕES DA FILOSOFIA
SEÇÃO: ESQUEMA 1
Dr. Gerson N. L. Schulz
Professor do Ensino Superior no Brasil
Você sabe o que é uma "cosmovisão"? Já ouviu falar em "positivismo", "materialismo-histórico", "fenomenologia", "genealogia" e "perspectivismo"? Não? Então, na "seção esquema 1" de hoje, tenha acesso a um vídeo sobre o assunto e a um quadro comparativo.
E, após assistir ao vídeo e ler o quadro, analise seus filmes prediletos, seus livros, desenhos e outros, e descubra baseado em qual das teses abaixo os autores se inspiraram para escrever, produzir e pintar.
POSITIVISMO
|
MATERIALISMO
HISTÓRICO
|
FENOMENOLOGIA
|
GENEALOGIA
|
PERSPECTIVISMO
|
COMTE – DÜRKEIM
|
HEGEL – MARX
|
HUSSERL – WEBER
|
NIETZSCHE – FOUCAULT
|
LEIBNITZ – NIETZSCHE
|
Funcionalismo
|
Dialética
|
Estruturalismo
|
Hermenêutica
|
Ontologia
|
* A sociedade é natural, representa a natureza
das relações humanas;
* A sociedade evolui naturalmente de acordo com
as leis naturais coercitivas em relação aos sujeitos;
* Para conhecer a sociedade o cientista deve
empregar o método científico de forma neutra, o sujeito que investiga
apreende a verdade;
* As leis específicas de evolução da sociedade
determinam as funções sociais de cada fato social, grupo ou instituição.
Problemas sociais como a fome, a miséria ou o desemprego são disfunções
sociais e precisam ser corrigidos para que o organismo funcione bem.
|
* A sociedade é histórica, resulta do movimento
contraditório dos sujeitos em relação às estruturas sociais;
* A sociedade se transforma pela ação
contraditória dos grupos sociais que agem condicionados por estruturas
sociais historicamente dadas;
* Todo objeto está inserido numa totalidade
histórica dada;
* Todo sujeito está limitado na apreensão do
objeto pelo horizonte histórico que compartilha;
* A sociedade esta estruturada a partir das
relações econômicas e sociais correspondentes a cada período histórico;
* Um dado desenvolvimento tecnológico e uma dada
relação de produção comum geram distintas classes sociais;
* A luta das classes sociais está condicionada
pelo horizonte histórico destas relações sociais sob o qual se realiza;
* A sociedade chegará ao grau máximo de
desenvolvimento histórico, humano, social quando, finalmente, a luta de
classes ficar insuportável entre proletários e burgueses e os primeiros
tomarem os meios de produção, gerando o socialismo e depois, o último
estágio, o comunismo.
|
* A sociedade é cultural, conforma-se de acordo
com a vontade dos sujeitos;
* É inerente à sociedade a existência de uma
estrutura própria de desenvolvimento cuja descoberta de sua dinâmica cabe ao
cientista social ou ao filósofo;
* As alterações dos processos sociais são
resultantes das ações de sujeitos ou grupos que se associam para fazer
prevalecer sua vontade;
* Para cada objeto e para cada sujeito há
inúmeras possibilidades de apreensão, não há verdade, mas interpretações
relativas a cada sujeito sob seu ponto de vista;
*A relação entre sujeitos e grupos sociais é
permeada pelas disputas de poder que determinam a realização dos projetos do
grupo vencedor;
* A forma de funcionamento da sociedade resulta
destas disputas.
|
* A sociedade
é aquilo que se interpreta de si mesma;
* As
alterações dos processos sociais são o resultado dos discursos que a própria
sociedade produz, então não existem essências de classes ou estamentos
sociais;
*A genealogia
busca o valor da origem e a origem do valor;
* O poder não
está na riqueza ou na pobreza de alguém porque o poder não é algo que se possua,
que se venda, ele é uma relação;
* Tanto ricos
e pobres podem exercer poder, a sociedade então se configura e se divide
entre aqueles que exercem mais ou menos poder não sendo, necessariamente e o
tempo todo, sempre apenas o grupo mais rico o grupo dominante;
* A
genealogia não se preocupa em saber o que é certo ou errado do ponto de vista
moral, lógico ou epistemológico, entende que a verdade é um discurso que é
aceito por determinado período de tempo e que há várias verdades que se
enfrentam podendo prevalecer uma ou várias delas, dependendo do poder do
grupo que a elabora e do poder do discurso de verdade produzido.
|
* A sociedade
e todas as instituições dela derivadas são apenas uma invenção;
* A sociedade
é fruto daquilo que é capaz de interpretar sobre si mesma e o parâmetro para
isso é o poder de interpretação dos indivíduos;
* Qualquer
das teorias científicas, filosóficas, históricas, sociológicas são apenas um
ponto de
vista;
* A verdade é
o ponto de vista do expectador e depende dos parâmetros que ele toma para
elaborá-la;
*As ciências
humanas e naturais são apenas construções culturais sujeitas ao contexto
ontológico dos indivíduos.
* Não há
certo e errado em campo algum do saber, o que há são interpretações;
* O próprio
conhecimento é uma invenção;
* Não há
fatos, somente interpretações;
* Não há mais
sujeito, somente indivíduos;
* O
perspectivismo não trabalha com a ideia de "normal" e
"patológico", o "moral" e o "imoral", pois eles
também são invenções;
* Aquilo que
se chama "verdade" é sempre aquilo que se presta para resolver um
problema até que apareça outra solução melhor;
* Para o
perspectivismo é inútil tentar compreender a totalidade, pois o conhecimento
é sempre um fragmento. É sempre "mutatis mutandis".
|
terça-feira, 25 de agosto de 2015
A ILUSÃO DA MAIS-VALIA
Gerson N. L. Schulz
Professor de Filosofia no Brasil
Apiacás com João Ramalho - SP Foto do arquivo pessoal de Gerson Schulz |
Era julho de 2015, meio dia. Eu estava tomando um café com sanduíche num bar popular na esquina da rua Apiacás com a João Ramalho, nas Perdizes, em São Paulo. Estava calor. Apesar de ser inverno, o dia estava ensolarado e com nuvens esparsas.
Eu admirava – com a perspectiva de um cliente – a destreza e
a rapidez com que o garçom preparava lanches, servia coxinhas, pães de queijo, aquecia
esfirras no micro-ondas e, quase ao mesmo tempo em que cortava laranjas para
espremer e preparar o suco que eu havia pedido, conversava com seus clientes
conhecidos que iam chegando para o almoço. Outro colega dele cortava limões
para preparar bebidas. Outro cozinhava atrapalhado pelos vapores quentes que
saiam das panelas.
De repente as mesas vazias se encheram rapidamente. Duas
mulheres jovens, com uniformes azuis que pareciam ser comerciárias, solicitaram
sanduíches para levar. Induzi que estavam em horário de almoço e não teriam
sequer tempo para comer ali.
Os trabalhadores no bar Nova Lisboa - SP Foto do arquivo pessoal de Gerson Schulz |
Havia umas trinta mesinhas de quatro lugares naquele
estabelecimento que rapidamente ficaram cheias. As pessoas que as ocuparam não
eram muito diferentes. Eram, na maior parte, pessoas vestindo uniformes. Entregadores
de gás, vendedores, operários de fábrica e oficinas mecânicas, garis. E eu
estava lá e, por um momento, me perguntei: o que fazia ali? Uma vez que aquele
não era meu universo!
Não por preconceito, mas porque não sou paulistano, não sou
operário de serviço pesado e não deveria estar comento sanduíches gordurosos de
boteco que fazem mal para a saúde de qualquer um, mas foi circunstancial...
O mais estranho era estar ali pensando que não devia estar ali
e analisando, ao mesmo tempo, as cenas. Pensava sobre quem eram aquelas pessoas
e como suportavam sua rotina de trabalho. Então me lembrei de Karl Marx (1818-1883)
que afirmava que o capitalismo era nefasto porque espoliava os trabalhadores,
ao explorar o único bem que eles têm, sua força de trabalho.
A teoria de Marx diz que os donos dos meios de produção (os
capitalistas), detêm o capital e como eles detêm os modos de produção (as máquinas,
os implementos, as terras e etc.), eles pagam o salário ao trabalhador que, em
troca, vende sua força de trabalho (barata) ao capitalista. Barata porque, para
Marx, ninguém ganha o quanto merece!
Assim, na esteira de Marx, eu me perguntei, por exemplo: em
quanto tempo um pedreiro, um entregador de mercadorias, um motorista, um
lixeiro, um empregado qualquer daqueles ali, naquele dia, precisava trabalhar
para produzir seu salário?
Marx, em "O Capital", calculou que o tempo da
metade de um dia é o tempo necessário que qualquer operário leva para produzir
a riqueza para o capitalista pagar o seu salário. Dessa forma, o restante do
dinheiro do tempo trabalhado (da outra metade do dia), fica com os donos dos
meios de produção. A esse excedente Marx chamou de "mais-valia".
Por isso, de acordo com Marx, quando a classe trabalhadora
tomasse consciência dessa espoliação – do fato de que o patrão fica com o resto
da produção de um dia de trabalho e com a produção de todos os outros dias de
trabalho do mês inteiro, faria uma revolução e tomaria para si os meios de
produção. Momento em que deixariam de existir as classes sociais e adviria o regime
socialista. As fábricas e os comércios iriam para as "mãos" de seus
"donos legítimos", os trabalhadores; e a exploração desapareceria da
face da Terra porque se acabariam as classes sociais, desapareceriam ricos e
pobres.
Mas hoje essa teoria soa romântica e me soou também quando
eu olhei para aquelas pessoas no bar da esquina da Apiacás com a João Ramalho.
As mãos endurecidas, a conversa sobre um de seus maiores lazeres (futebol), mas
também sobre o quanto já tinham trabalhado naquela manhã antes do almoço. Suas
vidas rotineiras que tinham por objetivo ganhar seu salário para pagar aluguel,
alimentos, transporte, roupas, mandar os filhos para a escola, certamente ruim,
da periferia onde moram.
Trabalhadores do Brasil! Gente que passa (como em São Paulo)
horas dentro de ônibus e metrôs lotados, em pé, suados! Será que sonham?
Perguntei-me naquele meio dia. Sonham, sim, pois em uma mesa havia um
trabalhador que sonhava em comprar um par de alianças a prestações e se casar.
É, mas, na prática, a teoria de Marx e Engels não aconteceu. O que ocorreu foi uma experiência
malfadada sob a alegada "ditadura do proletariado". A "ditadura
do proletariado" de Marx (esse domínio da sociedade por parte dos
trabalhadores e o fim das classes sociais) é um sonho que, na prática, se transformou
em pesadelo para milhões no mundo real pela falta de liberdade, de democracia,
pela insistência na ideia de economia planificada dos socialismos! E, na antiga
União Soviética, até por escassez de alimentos e produtos de primeira
necessidade.
Mas a minha principal reflexão ali sentado junto àquele balcão
de bar foi sobre o grau de justiça que há (ou não há) nos argumentos de Marx
quando ele se preocupa com os trabalhadores. Então lembrei que se tem um grande
problema em seus argumentos quando ele fala da mais-valia e lembrei também
de um autor chamado Eugen Von Böhm-Bawerk (1851-1914) e de outro chamado Ludwig
von Mises (1881-1973) que, separadamente, refutaram Marx e mostraram porque a mais-valia
é um argumento falacioso.
Para ambos, Marx não considerou que o capitalista tem que
investir na produção, nas máquinas, nas matérias primas e pagar os salários dos
empregados, tudo isso antes de receber o possível "lucro". Na
prática, não há qualquer garantia de que o empregador receberá aquilo que
investiu e mais um pouco (o capital necessário para continuar mantendo a
produção). Assim, mesmo que o trabalhador fosse explorado e oprimido, ele já
recebeu seu salário antes mesmo do capitalista iniciar a venda de suas mercadorias.
Mas há exploração?
Eu penso que Marx acusa os capitalistas de apenas explorarem
os trabalhadores, mas não diz que os capitalistas também precisam trabalhar,
senão braçalmente, intelectualmente – realizando negócios para vender seus
produtos a outros capitalistas, viajar para encontrar matérias-primas mais
baratas, investir, se arriscar no mercado e pagar os impostos que os governos
exigem para permitir que alguém inicie um negócio.
A teoria de Marx me levou a um exemplo incomum, mas não
impossível. Vamos imaginar um pequeno produtor rural que tem um sítio onde
produz hortaliças juntamente com sua família (esposa e filhos). Esse pequeno
produtor precisa conseguir a terra (que pode ser sua por herança ou pode ser
arrendada). Para produzir, ele precisa comprar as sementes, o adubo, os
herbicidas, irrigar a lavoura. Suponhamos que em determinado período a safra foi
maior do que ele pôde colher com a ajuda de seus próprios braços, da esposa e filhos
e ele precise contratar um empregado para ajudá-lo. Ele negocia com o empregado
um valor de $ 50,00 dinheiros por dia de serviço e lhe paga ao final da semana
o combinado, ou seja, $ 250,00 dinheiros. Esse trabalhador, embora tenha
trabalhado de segunda-feira a sexta-feira, ao fim da semana terá recebido seu
pagamento, o pequeno produtor, não. Ele terá que esperar até o dia da
feira-livre (no sábado) na cidade (onde geralmente ele vende seus produtos). Transportá-los
(e, com isso, gastar tempo, combustível, dinheiro para alimentação de sua família
durante o período de estadia fora de casa e etc.), e ainda torcer para conseguir
vender todas as hortaliças na feira-livre. Ele assume algo que o trabalhador
não pode assumir devido a sua condição (e não assume, porque não precisa), o
risco.
O feirante poderá ou não conseguir vender todos os seus
produtos. E mais, e se os outros concorrentes feirantes também tiveram superprodução
naquele período? Isso significa que o preço das hortaliças, devido a grande
oferta, será menor que na safra anterior, o lucro corre, assim, o risco de ser
menor.
Ao seguir o raciocínio do feirante que contrata um empregado,
seria possível dizer que um gerente de banco privado é um "oprimido"
porque recebe salário e o pequeno produtor rural é um capitalista, algo que é
um disparate porque um gerente de banco detém um poder de compra muito maior
que o pequeno produtor rural, nesse exemplo.
Tênis de marcas famosas fabricados em países que usam mão de obra sabidamente escrava ou semi-escrava como Cambodia e Vietnã Fonte: arquivo pessoal de Gerson Schulz |
Mises aponta que, de acordo com Marx, todos os bens são fruto
apenas do tempo gasto para produzi-lo e do trabalho do operário. Em outras
palavras, Marx diz que uma mercadoria custa, por exemplo, $ 10,00 dinheiros
apenas porque nela o trabalhador empregou um tempo socialmente gasto para
produzi-la, mas há, para Mises nessa premissa, um erro. Nenhum produto vale
apenas pelo tempo socialmente gasto pelo trabalhador para fabricá-lo. Pois se
fosse assim, como poderíamos comparar o trabalho de um escultor com o trabalho
de alguém que limpa a sarjeta? As pessoas pagam muito mais pela arte do
escultor (como também pagam por uma garrafa de vinho raro ou por um quadro) do
que a um faxineiro ou jardineiro que limpe suas casas ou gramado e, ao
contrário do que diz Marx, isso nada tem que ver com o tempo socialmente gasto
para produzir uma mercadoria ou prestar um serviço. Isso tem que ver com a
relação psicológica que as pessoas mantêm com as mercadorias.
Marx também afirma em "O Capital" que a exploração
existe porque a mercadoria rende ao capitalista muito mais além dos valores que
ele gastou para produzi-la, mas Mises faz notar que ele esquece que a forma
como as mercadorias são consumidas se transforma ao longo do tempo (e um dos
fatores que lembro para mudar isso é a inflação), de forma que o preço de uma
mercadoria hoje não será o mesmo amanhã. Marx, aqui, toma a parte pelo todo e
quer forçar a conclusão a se tornar universal, mas ela continua valendo apenas
para o âmbito particular.
O preço da mercadoria no mercado do futuro poderá ser maior,
gerando mais dinheiro ao capitalista, mas também poderá ser, por infortúnio, menor,
caso não seja vendido rapidamente. Isso, faço lembrar, sem abordar as
mercadorias que são perecíveis e que precisam ser consumidas logo, mas que nem
sempre são.
Marx comete outro erro quando, ideologicamente, quer instaurar
o socialismo ao dizer que a exploração é a essência do capitalismo e por esse
motivo ele deveria ser abolido. Isso não é verdade de acordo com um raciocínio
simples e empírico. Suponhamos que um empresário que deseja abrir uma fábrica
de sapatos faça o seguinte cálculo: "para abrir a fábrica eu (o
empresário) preciso saber se ela dará lucro (do qual parte eu investirei na
produção, parte pagarei os salários dos empregados e parte ficará para mim a
fim de me sustentar juntamente com minha família). Como eu faço isso?" Ao
fazer um exercício simples, por exemplo, suponha-se que para produzir um par de
sapatos eu gaste $ 50 dinheiros. Para fazer esse cálculo é preciso saber ao
menos os preços das matérias primas, o salário (em média) que terei que pagar a
cada empregado participante do processo de produção, os meios de produção, seu
desgaste natural e as matérias de produção auxiliares, preço das instalações,
aluguéis e outros.
O outro fator é o capital variável que é a parte do capital
usada pelo empresário para pagar os salários. O que Marx fez foi calcular o
custo de produção e subtraí-lo do preço final do produto. Ele percebeu que
ambos não eram iguais, pois havia um valor que aparecera como que por
"mágica" sobre o produto. A esse produto, ele chamou "mais-valia".
Porém, se na prática o empresário que quer montar uma fábrica de sapatos fizer
o cálculo e, supomos que o cálculo apresente o resultado positivo de lucro como
$ 20,00 dinheiros e eu somar a isso os $ 50,00 dinheiros, eu terei $ 80,00
dinheiros. O que Marx questiona é o surgimento dos $ 20,00 dinheiros e ele
afirma que esse "plus" é força de trabalho não paga pelo capitalista
e que é produzida pelo trabalhador. Isso na prática não é verdade porque nem
sempre se terá $ 20,00 dinheiros para pagar o trabalho do assalariado, isso vai
depender de uma série de condições independentes da vontade do capitalista como
intempéries, custos de transporte, armazenamento; no caso dos sapatos, a moda,
as tendências e etc. Outra variável que eu acrescento é o fato que todo
empreendedor sabe, que por meses ou anos uma empresa costuma não dar lucro e,
muitas vezes, o empreendedor tem que recorrer a empréstimos para cobrir até
mesmo custos de produção ou salários. De certa forma, a mais-valia pode
ocorrer, mas ela não é uma regra como Marx postulou, ela é algo que pode ou não ocorrer dentro
do sistema capitalista.
Outro argumento que pode rebater a crítica marxiana à
exploração capitalista quanto à mais-valia (considerando que Marx afirmou que o
aumento da riqueza se dava em relação à exploração dos trabalhadores) é o fato
empírico de que, nos dias atuais, se percebe que as empresas que mais têm lucro
no mercado não são aquelas que dispõem de grande montante de empregados (cuja
força de trabalho, supostamente, geraria mais-valia para o capitalista), mas, sim, as que dispõem de poucos empregados.
Ora, se são as empresas que dispõem de poucos empregados são as que
mais dão lucro, não tem sentido, hoje, o argumento de Marx porque se demonstra aí que
o capital gerado não advém de uma suposta exploração do trabalho do operário, o
lucro tem, isto sim, outra fonte.
Nessa perspectiva, está certo, em parte, Böhm-Bawerk quando
diz que "os socialistas desejam que os trabalhadores recebam mais do que
trabalharam" e "mais do que receberiam se fossem empresários".
Eu divagava – sozinho ali no balcão – sobre esse assunto quando
percebi que o garçom servia, apressado, uma bebida amarela em pequenos copos de
vidro. Percebi que em todas as mesas estava presente aquela bebida, que cada
vez mais ela era pedida. Fiquei curioso. Vendo-o apressado servindo, perguntei o que era aquilo. Ele me disse que era
"batidinha", uma mistura de água, cachaça, suco de maracujá e açúcar.
Eu disse: "ah...". Foi ali que percebi também que, esteja Marx errado
ou não, os trabalhadores (especialmente aqueles que 'pegam no pesado') precisam
se "drogar", bebendo álcool para aguentar o serviço a que estão
submetidos todos os dias. Mas também pensei que os ricos também se drogam, só que
com drogas mais caras como uísque doze anos e outras coisas... O fato é que nem
o socialismo como conhecemos e nem o capitalismo nos fizeram felizes. Mas a pergunta que fica
é: "o que nos faria felizes?"
Diante daquelas mãos calejadas dos trabalhadores. Dos rostos cansados. Da situação
miserável de pobreza, espera por dias melhores e mais felizes e rotina monótona
que assola nossas vidas medíocres, penso que naquele dia os operários no bar da
Apiacás com a João Ramalho materializavam diante deste professor que vos
escreve a situação prática que condiz com a frase predileta de um velho amigo
meu que dizia: "só bebendo".
Referências
CARCANHOLO, Reinaldo. Sobre a
Ilusória Origem da Mais-valia. In: Revista Crítica Marxista. São Paulo: v.16,
p.76-95, 2003.
MARX, Karl. O Capital: crítica da
economia política. Livro 1, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
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