Prof. Gerson Nei Lemos
Schulz
Editor
1 O Conceito Geral de Dialética
Então, o discurso, tentando unificar num todo lógico os
níveis formais, encontra oposições que resultam da finitude do sujeito ou da
multiplicidade e contingência do objeto.
Ao intentar a unidade no centro das oposições, o discurso se torna
dialético. Dialético é tudo o que se refere à discussão.
Para Zanotelli (2003), todo aquele que fala pretende que o objeto
apresentado possa encontrar sentido de consenso no interlocutor e isso se dá
por meio de argumentos os quais o interlocutor poderá opor seus
contra-argumentos. Já para Habermas (Pragmática Universal), a ação comunicativa
que pretende um "por-se de acordo sobre algo" que se apresente, supõe
que o objeto apresentado sintetize os argumentos para o consenso. Ele é o
consenso da discussão.
Mas é importante perceber que a identidade e a negação
acontecem na síntese. Assim a tese só é tese na síntese. A "anti-tese"
só é e ganha sentido de antítese na síntese. A análise, como exame do
desdobramento dos opostos, e enquanto opostos, tem na síntese seu horizonte,
sua raiz e seu "telos". Mas, de onde vem a síntese?
Tudo, se é síntese, desde a menor partícula da matéria até a
forma de vida mais plena (animal, homem), não é justaposição de oposições,
anulação de oposição, fuga da oposição. É a possibilidade da oposição enquanto
oposição. Recolhe, guarda os opostos em sua identidade de opostos desde e a
partir de sua superação.
A síntese, portanto, não é apenas resultado da oposição e
sua negação. É ela que possibilita a oposição e a negação como ultrapassagem
que recolhe a ambas e as eleva, mantendo-as em sua identidade e negatividade.
Assim, um ente só é si próprio, idêntico a si mesmo, se
oposto a todos os outros entes (que são sua negação). Um cão é cão porque não é
árvore, homem, mesa, etc. A árvore é árvore enquanto não é cão. Mas o que
determina a árvore e o cão não é um ou outro, nem ambos juntos como soma (não
somam porque são opostos), mas são referidos, vinculados, ligados um ao outro
enquanto opostos, pela síntese (vida, ser) que os antecede, penetra e
ultrapassa. Assim, a vida não é o cão, nem a árvore, nem a soma de todos os
entes vivos: a vida identifica a cada vivente enquanto idêntico a si e diverso
de todos os outros, a vida os vincula e diferencia, a vida os ultrapassa e
garante. A própria vida faz sínteses, é o que conclui Zanotelli (2003).
2 A Dialética para Marx e Engels
Até aqui este ensaio sintetizou o conceito de dialética de forma geral. Cabe agora tratar-se da dialética de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895) e das três leis da Dialética.
Marx e Engels estudam os
fenômenos da natureza (incluindo os fenômenos sociais) para deduzir suas leis de funcionamento e para compreender a essência delas. É isso o que Engels
faz em sua obra "O Anti-Dühring" de 1878.
Porém, para compreender essas leis é necessário compreender
antes (e aceitar como tais) três pressupostos ou, como chama o professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Augusto Triviños (em seu livro
"Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais, 1987), categorias, que são:
1) A matéria: incriada, indestrutível e eterna, forma
a realidade objetiva (o mundo, o universo), fora da mente humana sendo por pela apenas interpretada, copiada e sentida;
2) A consciência: é uma propriedade da matéria altamente
organizada e que, por possuir propriedades muito especiais como as capacidades
lógicas, a representação, a sensação, as formação dos juízos, a reflexão, produz imagens do mundo real. A consciência também é formada pela linguagem e pelo
mundo do trabalho organizado que só é possível aos seres humanos;
3) A prática: é toda atividade humana material destinada
a transformar a natureza e a vida social. Ela pode ser mais bem expressa na Décima
Primeira Tese de Marx e Engels contra Feuerbach: "Os filósofos têm apenas
interpretado o mundo de formas diferentes, cabe transformá-lo".
Aceitas essas teses, parte-se para a dedução material das
leis. A Primeira Lei, de acordo com o prof. Sílvio Sant'Anna (em seu ensaio: A
cosmovisão dialético-materialista da história, 2009) é a da Passagem da
Qualidade à Quantidade e Vice-versa. Ela diz que tudo muda na natureza ou na
cultura humana, mas em ritmos quantitativamente diferentes. Já o professor
Triviños exemplifica dizendo que os objetos têm propriedades e isso é sua
qualidade que só pode ser conhecida quando se sabe suas propriedades, sua
estrutura, sua função e a finalidade do objeto.
A água serve de exemplo quando se aumenta sua temperatura de
zero a cem graus. Nesse caso, há uma mudança quantitativa na água, mas ela
mantém as mesmas propriedades. Já quando atinge os cem graus, ela transforma-se
em vapor se tornando uma substância com outras propriedades devido a alterações
de quantidade (de temperatura). Da mesma forma, atingindo o ponto de gelo, ela
não dissolve mais outras substâncias, transformando-se em algo completamente
novo.
É daí que, em termos sociais, Marx e Engels defendem que a
sociedade, quando quantitativamente seus índices de violência, desigualdade
entre as classes sociais, aumento de operários sem condições de vida digna, mas
também diminuição do analfabetismo e da condição de subnutrição, variarem, haverá a
passagem do capitalismo para o socialismo, que é uma sociedade com propriedades
completamente diferentes das do capitalismo.
Aqui é preciso observar que no pensamento de Marx e Engels é
importante que se diminua as condições de subnutrição das pessoas e os índices
de analfabetismo porque é só ocorrendo a seguinte condição material sine qua
non que é: "o homem precisa vestir-se, abrigar-se e comer para depois
fazer política, filosofia e religião", que poderá refletir sobre a
sociedade.
Caso o capitalismo sofresse essa transformação quantitativa,
a situação chegaria ao ponto de transformação assim como a água que ferve se
transforma em vapor. O capitalismo, então, se tornaria outra coisa. Para Marx e
Engels essa outra coisa é o socialismo em que há provisão de saúde, moradias,
emprego e educação para todos, aumento da produção industrial e diminuição ou
inexistência da divisão das classes sociais.
A Segunda lei é a "Lei da Contradição" e diz que todo
objeto tem seu contrário e que concorrem ambos para a transformação. Esta lei é
a essência do materialismo porque afirma que tanto na natureza quanto na
cultura, a matéria está em movimento que é a propriedade para transformação,
para a superação e para a mudança de qualquer fenômeno.
Ao se partir desse pressuposto de que toda a matéria e
todo objeto, incluso o homem, são condicionados por seus horizontes históricos e que
todas as sociedades conhecidas sempre estão divididas em classes sociais, cujo critério
é o fator econômico, então toda classe também gera sua contraditória (senão se
quer ferir as convenções da lógica formal, o melhor termo seria antagônico ou
contrário porque contraditório é aquilo que não concorda com parte de um todo e
não com a totalidade do mesmo). Por exemplo, é a classe dos capitalistas que
possui, dentre outras, a propriedade de ser rica enquanto dona dos meios de
produção, sua contrária é a classe operária em que uma de suas muitas propriedades
é ser pobre e explorada pela outra. Nesse sentido, não existiria a classe
capitalista sem a classe trabalhadora.
A Terceira Lei é a Lei da Negação da Negação e ela é
essencial para a mudança de um estágio para outro. Como exemplo, pode-se pensar
que a matéria evoluiu desde os aminoácidos até o complexo cérebro humano. Da
mesma forma a sociedade, no mundo primitivo, não possuía a propriedade privada
dos meios de produção, tudo era coletivo. Foi somente com sua evolução para
organizações maiores como as cidades e para o Estado que surgiu a divisão do
trabalho e a propriedade privada, ficando os frutos da produção nas mãos de
poucos e surgindo, pouco a pouco, a desigualdade social.
Como para Marx e Engels toda classe gera sua contrária, o
mundo Antigo escravocrata gerou a idade Média cujas classes eram os senhores
feudais e os servos da gleba, e a Modernidade gerou os capitalistas e os trabalhadores
assalariados e pobres.
Aqui se precisa compreender a diferença que Marx e Engels
estabelecem entre evolução e revolução. Na primeira, não se alteram as
qualidades quando ocorre uma mudança, seja na água que apenas ferve ou na
sociedade que se agita. Na segunda, ocorre uma mudança completa na qualidade,
pois o objeto se transforma em outra coisa completamente diferente do que era
como a água que vira vapor ou uma sociedade que se revolta e estabelece, por
exemplo, o fim da propriedade privada dos grandes meios de produção.
Conforme o professor Sant'Anna (2009) "a negação da
negação" é como o movimento contrário de duas engrenagens que, girando
para lados opostos garantem algo essencial para cumprir seu objetivo, o
movimento. É a negação da negação entre duas teses (como as engrenagens) que
gera o movimento (a síntese) que é a superação da contrariedade.
3 Há regras práticas para a análise dialética?
Sim, pelo menos é o que propõe o filósofo Henri Lefèbvre em
sua obra "Lógica Formal, Lógica Dialética". Apesar de parecer uma
redução da análise proposta por Marx, faz-se aqui de forma 'livre' tal síntese:
Diz ele que:
1) Deve o pesquisador dirigir-se à própria coisa. É a
análise objetiva;
2) É preciso apreender o movimento interno da coisa;
3) Apreender as contradições da coisa;
4) Analisar as tendências das contradições da coisa;
5) Ter no horizonte que tudo é interdependente e, portanto,
um mínimo detalhe sem importância em algum momento poderá ser fundamental em
outro contexto;
6) Captar as transformações entre as contradições tendo em
vista que sempre há um devir na história;
7) Ter em mente que a síntese é apenas outra tese e que, por
isso, a verdade obtida nunca é absoluta;
8) Apreender as conexões e o movimento da ação;
9) Deve-se manter a dialeticidade do próprio ato da análise,
ou seja, o pesquisador deve dar passos à frente, mas também para trás em sua
análise, deve "reanalisar" todas as etapas e interpretações que fez
na busca da verdade.
Disso tudo resulta que não se chega à "Verdade",
mas a verdades. O pesquisador que se propõe analisar determinada realidade
social do ponto de vista dialético deve também ter em mente que, como o próprio
Marx já disse em sua "Crítica da Economia Política", esse ponto de
vista é o do trabalhador.
Em última instância, não há um critério todo poderoso de
garantia de que se chegará à Verdade por se usar a dialética, o que se pode endossar
nesse sentido é que, como diz Moacir Gadotti em "Concepção dialética da
educação" (2006), Marx adverte que toma esse ponto de vista porque é mais
"nobre" por ser o contrário da classe burguesa (capitalista)
dominante que precisa "mascarar", por meio da propaganda na mídia, periodicamente
que atingiu seu status quo trabalhando sem explorar ninguém, honestamente e dentro
da mais correta e ilibada moral.
Já o trabalhador não precisa mentir, pois ele não esconde de
ninguém que seu objetivo na luta (na greve, na revolução) é a tomada dos meios
de produção para a coletividade dos trabalhadores, um ponto de vista político, mas
também ideológico, sem dúvida, que Marx nunca deixou de admitir.
Para encerrar, ficam as perguntas de sempre: mesmo que o
socialismo seja apenas um momento histórico para o comunismo, o que garantirá
que este virá se as experiências que se tiveram até hoje sempre mostraram um
Estado poderoso que se construiu a partir de um "socialismo estatal"
em que os trabalhadores tomaram parcialmente os meios de produção? O que
garantirá que, uma vez realizada a revolução, todos os homens ficarão conscientes
de que se deverá suprimir o egoísmo de uma parcela da população pela divisão consciente
e justa dos bens conquistados?
O que garante que o critério de justiça (dar a cada um de
acordo com sua necessidade) é justo, uma vez que há na essência humana e em sua
história, pessoas que foram (e são) talentosas para o invento de coisas novas?
Como estimular um cientista a desenvolver tecnologia apenas dizendo a ele que
"ele será lembrado como o nome de uma rua ou escola?" Não é justo
também dar-lhe uma motivação econômica? Mas fazendo isso, novamente, não se estimulará
a concorrência, propriedade do objeto capitalista? Estará correta a visão
antropológica, em geral, marxista que acredita que a essência humana é "boa",
ao modo de Rousseau e que o socialismo poderia resgatá-la?
Por fim, o socialismo pressupõe uma tomada da consciência de
que não é possível que uns tenham mais bens que os outros. Como evitar a prisão
ou o assassinato dos discordantes do sistema?
O Comunismo é o fim das instituições existentes no Socialismo,
até mesmo do Estado, mas como gerenciar a sociedade e seus produtos sem chefias
ou, se as tiver, não permitir que essas se tornem gananciosas e,
consequentemente, injustas?
Perguntas que incomodam os 'socialistas utópicos' e os 'socialistas
acadêmicos' como chamava o próprio Marx, e aqueles que são socialistas anti-dialéticos
em sua própria prática crítica.