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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

PLATÃO E O MITO DA CAVERNA


Gerson N. L. Schulz



É na obra "A República" que Platão (428-347 a.C) nos contempla com uma das mais famosas passagens da literatura ocidental, chamada a "Alegoria da Caverna". O personagem central da história é Sócrates (470-399 a.C.).

Sócrates nos convida a imaginar um grupo de homens que, desde o nascimento, estão acorrentados a uma rocha em uma caverna. Assim, eles acreditam que tudo o que pensam, dizem e ouvem é natural. Como seus antepassados sempre viram e pensaram o mesmo, para eles a tradição tem todo valor.

Dentro da caverna, estes homens não podem nem sequer virar o pescoço para os lados. Toda a realidade que conhecem não passa de projeções de imagens numa parede ao fundo da caverna, mas eles não sabem disso, pensam que, o que veem, é a verdade.

Atrás deles, sem que o saibam, há uma fogueira queimando eternamente, e, entre a fogueira e os acorrentados, passam outros homens. Estes realmente livres, carregando toda sorte de objetos e conversando entre si. São as imagens desses objetos projetados na parede, ao fundo da caverna, e os ecos das vozes de quem passa, que os acorrentados veem e acreditam ser a realidade. Eles não desconfiam que haja objetos sólidos além das sombras que enxergam, ou palavras claras e distintas além de ecos que ouvem. Tal cenário, como afirma Marilena Chaui, em sua obra "Convite à Filosofia", lembra a sala de um cinema.

Sócrates (pela letra de Platão) diz que os homens que moram na caverna vivem "felizes", porque vivem na ignorância. Eles distribuem prêmios entre si a quem adivinhar qual será a forma do próximo objeto a surgir na parede, ou a quem tornar inteligíveis os ecos. Mas, Sócrates convida, num segundo momento, a imaginar que um destes homens consiga se libertar das correntes. E, olhando para trás, perceba o que acontece. E vê também que é possível escapar da caverna.

Lá fora, após subir pelas paredes escarpadas, diz Sócrates, provavelmente o ex-acorrentado ficará temporariamente cego com a luz solar. Aos poucos, é que vê as cores, a natureza, o céu e a luz do sol. Talvez fique maravilhado com aquela "verdadeira realidade". Sócrates diz que este homem nunca mais sentiria inveja dos prêmios ganhos por aqueles que adivinhavam o que eram as sombras projetadas nas paredes da caverna. Nunca mais sentiria falta das riquezas que não ganhara, quando dentro da caverna, porque perceberia que tudo aquilo que os outros pensavam ser real, era falso.

Sócrates disse que uma vez livre, se fosse um homem de compaixão, o recém liberto se apiedaria dos companheiros acorrentados lá dentro da caverna e voltaria, a fim de alertá-los sobre as maravilhas que avistara do lado de fora. Porém, quando entrasse na caverna, imaginou Sócrates, primeiramente a escuridão o cegaria, mas aos poucos é que ele voltaria a ver.

Mas Sócrates traça um cenário sombrio àquele que escapou da caverna, ao afirmar que, de volta, junto aos companheiros, após ter dito a eles tudo o que viu e ouviu fora da caverna, seria odiado e morto. Sócrates diz que seus próprios amigos, familiares, esposa ou filhos afirmariam que estava louco, que era mentiroso por tentar destruir o "mundo real", no qual estavam mergulhados e, por isso, o matariam por ousar duvidar de todas as crenças, da cultura, de seus valores construídos e herdados dos antepassados, e com os quais e pelos quais viviam desde que crianças.

Para Japiassú (2001) em uma alegoria, os personagens são a personificação de ideias e não de pessoas reais. O objetivo da "alegoria da caverna" é questionar sobre as crenças, a cultura, os valores e as verdades que a sociedade impõe a todos, como se elas pudessem ser eternas e imutáveis.

Os valores morais da sociedade são perfeitos? O deuses existem? A fé deve se sobrepor à razão? A razão deve sobrepor à fé? A razão humana é ilimitada? A verdade existe? Deve-se obedecer sem questionar? Quem garante a autoridade das autoridades?

Ninguém, para Sócrates, deve aceitar ideias prontas, ordens sem questionamento, autoridade autoritária, juízo sem valor, valor sem juízo!

Por quê? Pergunta que todo aquele que quer ser filósofo deve fazer. É condição sine qua non para todo ser humano que quer construir sua liberdade de pensamento.

No fim da "alegoria", Sócrates conta qual o caminho que aquele homem usou para escapar das correntes. O caminho é a educação. Por isso, se aprende com Sócrates, que a educação é primordial para qualquer homem ou mulher que queira ser livre do engano, da aparência e das ideias falsas, do erro e da ignorância.

REFERÊNCIAS

JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

PLATÃO. República. Lisboa: Gulbenkian, 1993.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e idade Média. 6. ed. São Paulo: Paulus, 1990.

5 comentários :

  1. Mais um texto bem construído prof. Gerson! Sempre que penso na alegoria da caverna vejo o quanto é difícil ser aquele homem que saiu e vislumbrou a luz. Percebo o quanto o homem é habituado a visualizar somente projeções e a se contentar com elas... as pretensas verdades são muito cômodas pois não podem - ou melhor não querem - ser questionadas, agora pensar a filosofia é sair desse comodismo, sair da caverna e maravilhar-se com a luz e viver a vida das perspectivas e não da verdade una.

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  2. Excelente leitura Prof. o Sr me proporcionou o fecho da leitura nos remete ao nosso trabalho arduo de libertar o ser humano por meio do ato de educar, abrir as janelas do conhecimento, tambem nos chama atenção as perguntas primordias para cada ser humano se despir das verdades imutaveis.

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    1. Que bom! Fico feliz que o blog esteja cumprindo seu papel de estimular o debate, a reflexão e a leitura dos internautas.
      Obrigado pelo comentário!

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  3. Uma leitura histórico-filosófica que permeia a epistemologia da vida humana hodierna.

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