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segunda-feira, 23 de abril de 2012

NIETZSCHE CONTRA O CRISTIANISMO

Gerson N. L. Schulz



Nietzsche (1844-1900) propôs a "transvaloração dos valores" religiosos e morais quando denunciou que eles foram impostos pelos cristãos ao Ocidente após a queda do Império Romano. Por isso ele quer demonstrar que tanto a religião católica como a moral das igrejas cristãs são as responsáveis pela infelicidade do homem na Terra.

Na obra "O Nascimento da tragédia" de 1872, Nietzsche estabelece o ideal de homem para os gregos pré-socráticos. Aquele do período compreendido entre a Grécia arcaica e o século VI a.C. Este modelo é o homem da tragédia antiga.

Nietzsche identifica esse espírito antigo com Dionísio, o espírito da força e da saúde, da embriaguez criativa e da paixão sensual. Dionísio é o símbolo da harmonia do homem pleno com a natureza. Ao lado do dionisíaco estava também o apolíneo, ou seja, a visão do sonho e a tentativa de expressar o sentido das coisas na medida e na moderação, explicitando-se em figuras equilibradas e límpidas.

Mas Apolo e Dionísio viviam em constante conflito entre si na mente do homem grego e sua reconciliação também se dava de forma constante e era isso que mantinha o equilíbrio na civilização. Porém, para ele, a Grécia começou a se modificar quando, com Eurípedes, tentou-se eliminar da tragédia o elemento dionisíaco em favor dos elementos morais e intelectualistas (apolíneos). Então, segundo o autor, a luminosidade clara sobre a vida se transformou em superficialidade silogística. Aí apareceu Sócrates com sua "presunção" de compreender e dominar a vida com a razão e com isso também sobreveio a "decadência grega". Negaram-se os instintos que traziam consigo a força vital. O apolíneo, puro e simplesmente, foi manipulado pelos filósofos que estabeleceram a maiêutica como recurso de quem não tinha mais arma para lutar.

Segundo Nietzsche, Sócrates perverteu a juventude grega quando ensinou que os instintos deveriam ser controlados e aniquilados e que o corpo era mau e seus sentidos não importavam para o conhecimento, mas apenas a razão. É daí que Nietzsche afirma que toda moral ocidental, desde Sócrates até o cristianismo, foi e é um equívoco porque os moralistas pensaram que ditando regras estavam contribuindo para melhorar a humanidade quando, ao contrário, estavam fazendo-a decair ao estabelecer que se devia lutar contra os instintos vitais.

Para Nietzsche, Sócrates tomou força nas teorias dos órficos e estabeleceu uma crença num mundo de além ('espiritual' e 'superior') que rompeu as relações da humanidade com a própria Terra e com aquilo que existe de mais vital, a natureza. Essa pregação ao homem de que ele deve afastar-se do mundo buscando o "além" acarretou uma mudança nos paradigmas que influenciou todo o Ocidente. Ou seja, ao tirar o "centro de gravidade" da Terra e pô-lo no outro mundo, descentralizou-se a Terra."

O próprio Sócrates, afirmou Nietzsche, quis morrer ao não se defender diante dos juízes em sua condenação. Jesus fez o mesmo. Conclui Nietzsche que Sócrates e Jesus desprezavam os valores da Terra em prol de valores no além. E esse além não passa de quimera.

Esses dois personagens, segundo Nietzsche, são decadentes porque levaram a raça humana a acreditar que a vida na Terra não vale a pena de ser vivida porque é moralmente má e iníqua. Ao contrário, para Nietzsche negar este mundo é negar a vida.

Nietzsche, então, lança a "praga contra o cristianismo", subtítulo de sua obra "Anticristo", escrito em 1888. É nesse livro que, após severas críticas ao personagem "Jesus", Nietzsche acusa também o apóstolo Saulo de Tarso de ter pervertido o cristianismo original, é em relação a isso que Nietzsche ironiza afirmando que "o único cristão morreu pendurado na cruz".

Paulo teria então distorcido o cristianismo fazendo dele uma leitura universalista e de acordo com a ótica judaico-romanizada. Seu intento era espraiá-lo para outros povos esmagando as demais culturas, eliminando as diferenças características da Eurásia e tornando todos "iguais". Além disso, Nietzsche denuncia que os cristãos pensam que o cristianismo é a única "verdade" que existe. Na história quando isso aconteceu essa doutrina iniciou o combate a outros grupos, religiões, pessoas e Estados muito mais antigos. Saulo seria o responsável por essa versão pérfida porque é "castradora da vida", negadora das diferenças, que chegou a Roma e, consequentemente, à Europa.

Nietzsche ressalta também que Jesus jamais pregou a castidade, a negação dos instintos carnais, chama-o até mesmo de "inocente" porque pressupôs ingenuamente uma humanidade ideal, disposta a se moralizar. O cristianismo, então, não contaria que a negação da moral é justamente aquilo que permitia o funcionamento da estrutura social. Em outras palavras, Nietzsche faz menção à pergunta: "teria algum sentido o cristianismo existir caso não pensassem seus pregadores que o mundo está doente?"

A resposta de Nietzsche é "que não teria sentido algum". O cristianismo e os cristão pensam que o mundo está "doente", corrompido, mas adverte Nietzsche que pensar assim já é emitir um juízo de valor, então é mera opinião. É a vontade de que o mundo esteja doente que faz o cristão atuar e pensar, ao agir, que sua ação é a mais correta dentre todas. Isso, se infere, é um grande engano porque o mundo é assim como é, nem bom, nem mal. Não há nenhuma doença nele. Essa doença é uma invenção assim como é invenção o conceito de cura.

Nietzsche põe em xeque as noções de "pecado original" e a ideia que afirma que a humanidade está "doente". Para Nietzsche isso é falso, não há pecado original algum. Nietzsche ironiza perguntando: "que deus louco é esse que cria um doente e depois lhe oferece a cura apenas se o doente amá-lo?"

Assim Nietzsche esvazia de sentido o cristianismo, pois não havendo pessoas que acreditem que são más por natureza, não há necessidade alguma da existência do cristianismo.

Por isso ele prega o fim do cristianismo, essa é sua "praga contra o cristianismo". Mas essa religião é também má à medida que leva as pessoas a se acharem culpadas pelo mal no mundo. O sentimento de culpa, para Nietzsche, é a causa da submissão e da ignorância. Quando alguém se sente culpado, quer a "cura" da culpa e a cura é oferecida pelos "pregadores da moral".

Nietzsche não discute se "deus" existe ou não. Ele aponta o engano que há daqueles que consideram os padres como "libertadores" do povo. Os únicos responsáveis por espalhar a culpa sobre a humanidade são os padres (inclusos também os pastores cristãos). E são os padres e pastores, enquanto intérpretes dos textos religiosos, que mantêm o poder de controlar as pessoas. Nietzsche conclui que eles, juntamente com o cristianismo, são os verdadeiros algozes da humanidade que, falsa e hipocritamente, se passam por "libertadores".

Um comentário :

  1. Excelente texto professor Gérson!
    Nietzsche nunca é demais ser discutido! Ele não criticou unicamente, mas visualizou um ideal de homem capaz de transpassar essa moral categórica e as religiões punitivas as quais ele tanto bombardeou! Que o ser humano abandone os niilismos no decorrer da vida em prol do super homem.

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